Semana de reflexão sobre um jornalismo mais comprometido com a mudança social

Durante quatro dias, passaram pelo evento 18 palestrantes, 130 participantes, além de professores da instituição 23 de maio de 2018 Karina Costa

Vinte anos do curso de Jornalismo da Uesb. Para dar início as comemorações dessa data, foi realizado entre os dias 15 e 18 de maio, a Semana Jornalismo Importa II. Durante cinco dias, passaram pelo evento 18 palestrantes, 130 participantes, além de professores da instituição. As intensas discussões trataram de temas polêmicos da atualidade, como as opressões contra negros, mulheres e gays, a ditadura militar e os direitos humanos, e também do jornalismo esportivo e as características da mídia independente no Brasil, Bahia e Vitória da Conquista.

O evento foi oficialmente aberto pelo professor José Duarte, um dos fundadores do curso de Jornalismo da Uesb, em conjunto com o atual coordenador, Rubens Sampaio, e a coordenadora da Semana Jornalismo Importa II, Carmen Carvalho. Para José Duarte: “Nós não estamos aqui para formar apenas técnicos, estamos formando cidadãos que buscam construir uma sociedade mais justa e mais inclusiva”. Já Rubens Sampaio destacou que: “Nós temos uma dívida social com aqueles que têm dificuldade em se manter estudando, e a universidade deve proporcionar oportunidades para essas pessoas”.

O professor José Duarte foi um dos responsáveis pela criação do curso de Jornalismo da Uesb. Foto: Arquivo/Site Avoador.

O primeiro dia então começou com os trabalhos da Mesa 1 que tratou da opressão sofrida por negros, mulheres e homossexuais. A pesquisadora e convidada do evento, professora de Ciências Sociais, Núbia Regina Moreira, falou sobre a luta da mulher negra e as injustiças sociais que ainda acontecem como resultado do processo colonizador do Brasil. Para ela, o feminismo negro proporciona um lugar de fala para essas mulheres que “querem falar por si mesmas e, assim, procurar meios de dirimir as opressões que se abatem sobre elas”. Kêu Souza, representante do Conselho Municipal da Mulher, disse acreditar que o jornalismo é essencial para a desconstrução de conceitos que “colocam a mulher apenas como um objeto, um corpo, uma mercadoria”. Já Murillo Nonato, ex-aluno do curso de Jornalismo da Uesb e pesquisador do Grupo Pesquisa da UFBA, Cultura e Sexualidade, abordou as violências que sofreu por não se enquadrar nas normas de comportamento e que estimularam a sua pesquisa de mestrado. “Eu observei que essa violência estava relacionada à sexualidade, e por isso acho importante tentar tocar as pessoas para que elas espalhem esse discurso e mudem suas práticas”, disse Murillo.

Núbia Regina Moreira, Murillo Nonato e Kêu Souza formaram a mesa que debateu a opressão contra negros, homossexuais e mulheres. Foto: Arquivo/Site Avoador.

Na Mesa 2, estavam Luciana Santos e Ruy Medeiros, ambos advogados e professores do curso de Direito da Uesb, que trouxeram o debate sobre a importância dos Direitos Humanos e o legado da ditatura militar no Brasil. Para Luciana, é essencial falar sobre o assunto, especialmente no momento político em que se encontra o país: “Hoje estamos vendo as reformas trabalhistas e previdenciárias tirando os direitos sociais das pessoas. Para que os direitos humanos sejam respeitados, precisamos ter um estado democrático de fato”.

Os professores Ruy Medeiros e Luciana Santos falaram sobre a ditatura militar e os direitos humanos na segunda mesa do primeiro dia. Foto: Arquivo/Site Avoador.

O professor Ruy Medeiros encerrou o primeiro dia de evento destacando a importância da liberdade de expressão e do diálogo, dois elementos que foram completamente censurados pela opressão do período ditatorial brasileiro. “Para mim, é inviável viver sem pensar, sem dialogar, sem expressar opiniões diversas. O mundo não pode ter dono, não pode ser dirigido por opressores”.

Jornalismo esportivo e mídia independente

A discussçaõ sobre a diferença entre Jornalismo esportivo e entretenimento marcou o início do segundo dia de evento. Foto: Arquivo/Site Avoador.

No segundo dia de evento a Mesa 1 debateu a cobertura esportiva. Para o palestrante Guilherme Barbosa, ex-aluno do curso de Jornalismo da Uesb e atualmente Assessor de Comunicação da Câmara Municipal de Conquista, a paixão é a grande particularidade do jornalismo esportivo. Mas, para ele, o aspecto sentimental do esporte não faz com que o jornalismo se confunda com entretenimento: “a função do entretenimento é simplesmente entreter, já o jornalismo tem uma missão mais profunda, de transformar o olhar das pessoas sobre aquilo que está sendo dito”.

Pedro Canísio, jornalista esportivo e youtuber, defendeu que há uma função social a ser cumprida pela cobertura esportiva, mas aponta que esse trabalho não tem sido feito com a ética e a responsabilidade necessárias. “Eu acho que existem interesses mercadológicos muito maiores do que a gente consegue enxergar”, destacou Pedro. Já Júnior Patente, idealizador do site Conquista Esportes e terceiro palestrante da mesa, avaliou o trabalho jornalístico de esportes em Vitória da Conquista: “Têm tantos esportes de qualidade na cidade, mas, infelizmente, o futebol ainda tem mais destaque na imprensa. Houve uma evolução nessa cobertura, mas a diversidade ainda é muito reduzida em relação ao que o esporte representa em Conquista”.

Ainda no segundo dia de Jornalismo Importa II, as jornalistas Mariana Bastos e Natália Silva foram as responsáveis por debater a mulher no jornalismo esportivo na Mesa 2. Mariana, que é colaboradora permanente e repórter da revista eletrônica Gênero e Número, falou sobre o assédio e o preconceito sofridos pelas mulheres que seguem nessa especialidade jornalística: “Eles sempre acham que se a mulher conseguiu uma informação exclusiva é porque deve ter dado para alguém, nunca é mérito próprio”. Natália Silva, colunista de esporte da Revista Gambiarra, disse que enfrenta atitudes machistas ao fazer coberturas esportivas ou dizer que é uma jornalista dessa área. “Quando eu sou criticada pelo meu trabalho, não é por ser torcedora de tal time, é por ser uma mulher que não sabe falar de esporte”, apontou Natália que é também ex-aluna do curso de Jornalismo da Uesb.

Mariana Bastos e Natália Silva abordaram o assédio e o preconceito que enfrentam na profissão. Foto: Arquivo/Site Avoador.

O último dia do evento teve início com debate sobre mídia independente em âmbito nacional, regional e local. A primeira mesa foi composta pelos jornalistas Dominique Azedo, do Instituto Mídia Étnica (Salvador), Laura Capriglione, do grupo Jornalistas Livres (São Paulo), e André Thibes, do site Siga.News (local). A discussão tratou da necessidade de uma mídia que paute os grupos marginalizados e esquecidos pela imprensa tradicional. “A grande mídia só cobre a periferia para falar dos corpos matáveis”, apontou Capriglione ao defender a importância de dar voz aqueles que são silenciados todos os dias. Dominique também defendeu o papel dessa mídia alternativa: “O Instituo Mídia Étnica surgiu da necessidade de representação e do combate aos estereótipos que a gente vê disseminado pela imprensa hegemônica. Eu escolhi fazer um jornalismo comprometido com a mudança social”.

Dominique Azevedo, Laura Capriglione e André Thibes defenderam o valor da mídia independente na luta contra as opressões. Foto: Arquivo/Site Avoador.

Para finalizar a primeira mesa do último dia, André Thibes, que também é ex-aluno do curso de Jornalismo da Uesb, definiu a mídia independente como “aquele Jornalismo de qualidade que a gente sempre quis fazer na imprensa tradicional, mas nunca teve espaço”. Encerrando a programação de mesas de discussão, Ellen Lapa (Blog da Ellen Lapa), Rafael Flores e Ana Paula Marques (Revista Gambiarra), Frarlei Nascimento (Blitz Conquista) e Cibele Barbosa (GRPMAIS) falaram sobre a mídia independente em Vitória da Conquista. Cada um dos palestrantes contou sobre o seu trabalho na cidade e como encontraram na mídia independente uma forma de transformar o mundo à sua maneira.

A última mesa do evento mostrou a mídia independente de Vitória da Conquista. Foto: Arquivo/Site Avoador.

Com uma apresentação teatral no Restaurante Universitário da Uesb, a Semana Jornalismo Importa II foi encerrada. A performance, que abordava o legado da ditadura militar no Brasil, foi apresentada pelos alunos do segundo semestre do curso, demonstrando o quão cruel e destruidor de vidas foi esse momento da história do país.

“O evento foi fundamental para o nosso aprendizado. Ele nos fez perceber como funciona o Jornalismo hoje e qual a sua real importância para a sociedade”, disse Kourosh Naghibi, um dos alunos do segundo semestre do curso de Jornalismo. A professora Carmen Carvalho, coordenadora do projeto, encerrou a semana destacando a importância do Jornalismo: “É uma forma de conhecimento que apresenta uma leitura de mundo ao público, é uma forma de transformar vidas. E esse Jornalismo precisa ser feito por profissionais capacitados por uma sólida base intelectual e crítica, além, é claro, do domínio da técnica”.

Alunos do segundo semestre do curso de Jornalismo da Uesb e a profaessora Carmen Carvalho. Foto: Arquivo/Site Avoador.

A Semana Jornalismo Importa II foi organizada pelos estudantes do segundo semestre do curso de Jornalismo. Foi uma realização do Colegiado de Jornalismo, da Proex (Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários).

Foto destacada: Arquivo/Site Avoador.

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