Lucro dos bancos, as notícias e os trabalhadores

Enquanto os veículos de comunicação noticiam com tom de otimismo o aumento do lucro dos bancos brasileiros, os trabalhadores pagam altas taxas de juros e sofrem com dívidas no cheque especial ou cartão de crédito 16 de outubro de 2019 Sofia Manzano

Nesses últimos dias fomos informados de que os bancos, no Brasil, tiveram um lucro de mais de R$ 109 bilhões nos doze meses, entre julho de 2018 e junho de 2019.

Quase todas as notícias veiculadas pelos meios de comunicação apresentam esse resultado com um expressivo tom de otimismo, já que, para a maioria da população, as palavras “lucro”, “crescimento”, “rentabilidade”, associadas a um número tão grande (109 bilhões), significam uma situação de melhora, de recuperação, de prosperidade.

No entanto, quando paramos um pouco e refletimos sobre o real significado dessa notícia, duas coisas nos assolam: primeiro, com o pouco que se pode compreender dos bancos e o quanto cobram em taxas de juros, percebe-se que, se estão lucrando tanto, é porque os trabalhadores e trabalhadoras, que estão com dívidas, seja no cheque especial, cartão de crédito ou crédito consignado, estão sendo exauridos com as taxas de juros exorbitantes que se cobram no Brasil. De fato, esta é uma parte da verdade para a explicação da lucratividade dos bancos.

Há também outra parcela significativa da origem dos lucros dos brancos que não aflora com tanta facilidade das leituras que se podem fazer das notícias veiculadas. Estas verdades submersas no linguajar propositadamente nebuloso dos noticiários de economia requerem algum conhecimento um pouco mais detalhado, mas que não é, de forma alguma, difícil de ser acessado pelos trabalhadores.

Nesta coluna no Avoador, pretendo apresentar, periodicamente, análises dos fatos econômicos de forma a desvelar, ou seja, desmistificar o linguajar econômico e torná-los acessíveis para a compreensão de todas e todos, a fim de que os mitos e mistérios dos novos deuses (o livre-mercado, a economia capitalista, o empreendedorismo, a concorrência e muitos outros) sejam derrubados do céu em que foram colocados e ocupem seu lugar de fato, vale dizer, como instrumentos de manipulação da classe trabalhadora para que não reaja à super exploração a que está submetida.

Compreender o funcionamento da economia capitalista é fundamental para não ficar do lado errado da luta, sempre lembrando que o capitalismo, através de seus ideólogos, apresenta interpretações de como a classe trabalhadora deve proceder para sobreviver.  Os próprios ideólogos do capitalismo incentivam a meritocracia, o empreendedorismo, a ideia de que a sociedade é uma eterna luta pela sobrevivência e que vencem apenas os melhores. Se é assim (e são eles que estão dizendo), vamos aos fatos, os trabalhadores devem se armar com as “armas da crítica” e do conhecimento, enquanto não se alcança a “critica das armas”.

Voltando aos bancos e sua lucratividade recorde. Além da parcela expressiva de lucros que aferem cobrando juros sobre as dívidas, tem-se que levar em consideração os mecanismos pelos quais esse lucro é tão expressivo no Brasil, se comparado com outros países. Primeiro, porque não há de fato concorrência bancária no Brasil, com apenas cinco bancos dominando o mercado. Segundo, o chamado spread bancário, ou seja, a diferença entre a taxa de juros de captação e de empréstimo, que no Brasil é elevadíssima. Terceiro, as tarifas de serviços cobradas por esses bancos (para oferecer pouquíssimos serviços e de péssima qualidade). Quarto, a chamada reestruturação organizacional, com fechamento de agências, demissão em massa de trabalhadores e trabalhadoras bancárias, e transferência do “trabalho” para os clientes, através dos serviços virtuais. Quinto, os lucros provenientes de ações da tesouraria, principalmente com a remuneração das sobras de caixa, as “operações compromissadas”. Sexto, os novos “produtos” bancários criados com a destruição dos serviços públicos, principalmente com o possível fim da previdência social. E continua…

Pretendemos, então, destrinchar todos esses mistérios na série de artigos que apresentaremos por aqui. Assim, não precisamos mais ficar reféns de “narrativas” ideologicamente direcionadas para encobrir a verdade do mundo real.

A ciência econômica é nada mais que a área do conhecimento que deve estudar a produção e reprodução da vida e as relações sociais estabelecidas para que essa produção aconteça. Por isso, bancos, governos, empresas, mercados, etc. são criações humanas da nossa época histórica para que haja produção e reprodução, no entanto, como quem está no comando são os donos do capital, quando se trata de produção e reprodução, não é exatamente da vida humana a que se referem, mas do próprio deus supremo, o capital.

Por isso os bancos podem ter um lucro que representa mais de duas vezes (2,3 vezes) o orçamento do Estado da Bahia. Devemos compreender a lógica deles e colocar em xeque as determinações da ordem do capital.

Foto de capa: yoinvierto.org

*Sofia Manzano é professora da Uesb, economista (PUC/SP) e mestre em economia (UNICAMP). Doutoranda em História Econômica (USP), autora do livro Economia política para trabalhadores (ICP, 2ª ed., São Paulo: 2019) e pesquisadora nas áreas de trabalho, desigualdade, política econômica e teoria econômica. Além disso, ela participa do conselho editorial das revistas Crítica Marxista e Novos Temas.

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