Pesquisas revelam que negros estão distantes dos comandos de redações no Brasil

24 de março de 2021 Carolina Lapa

Em levantamento realizado pelo Reuters Institute for the Study of Journalism revelou, no último domingo (21/03), que os negros estão distantes dos postos de comandos nas redações de veículos comunicação de prestigio em cinco países do mundo: Brasil, Alemanha, África do Sul, Reino Unido e os Estados Unidos. Dos 80 editores, apenas 15% eram de não-brancos.

No Brasil, segundo o estudo, enquanto cerca de 57% dos brasileiros se declaram pretos e pardos, nenhum negro está à frente da liderança dos maiores jornais, portais e emissoras. A pesquisa foi publicada para marcar o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.

O relatório “Race and Leadership in the News Media 2021: Evidence from Five Markets” analisou o perfil de editores no comando dos 100 maiores veículos jornalísticos (on-line e off-line) dos cinco países pesquisadores e identificou o descompasso entre a maioria da população e quem está no topo do carreira nas redações jornalísticas. No texto, os especialistas usaram o termo “não-branco” para descrever o universo pesquisado.

Segundo o Instituto Reuters, ancorado na Universidade de Oxford, não há não-brancos no mais alto cargo das redações no Brasil, na Alemanha e no Reino Unido. Na África do Sul, 92% da população é negra, mas a maioria das empresas jornalísticas delega aos brancos a maior parte dos cargos nos veículos (60%). O estudo, assinado por Craig T, Robertson, Meera Selva e Rasmus Nielsen, foi realizado em janeiro de 2021 a partir dos números sistematizados pela última do Digital News Report, 2020. Os especialistas ressaltam que “posições mais altas nas redações são importantes praticamente e simbolicamente”.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) conversou com Meera Selva, coautora do documento, para descobrir os desafios metodológicos. Ela explica que, em algumas ocasiões, até havia negros em posições-chave, mas, na realidade, quem decidia era uma pessoa branca, geralmente o diretor-executivo. No Brasil, os negros, definidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) como a soma de pretos e pardos, são a maioria da população brasileira, mas são minoria na chefia das redações. Os dados refletem na cobertura realizada, pois falta diversidade e as histórias são contadas a partir de narrativas de brancos.

Foram consideradas na amostra as fontes de informações mais citadas pelos brasileiros do Digital News Report: TV Globo, TV Record, SBT, GloboNews, Rádio e Band News, Rede TV, CNN, TV Brasil, emissoras comerciais, jornais O Globo, Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Extra, os portais UOL, G1, BBC News, Yahoo, MSN, Poder 360, Buzz Feed, O Antagonista, Rede Brasil Atual, Diário do Centro do Mundo e Brasil 247. A pesquisa não cita diretamente quais foram sites on-line regionais. Para ler o estudo na íntegra clique aqui.

Por causa da metodologia adotada pelo Instituto Reuters, o levantamento internacional não menciona uma exceção à regra brasileira. Linda Bezerra, do Correio, tornou-se editora-chefe do jornal baiano em setembro de 2016. Foi a primeira vez que isso aconteceu em Salvador, cidade composta por mais de 80% de negros. Ela disse que o jornal sempre prezou pela diversidade na redação, especialmente de gays. Mas, aos poucos, a branquitude precisava ser vista com atenção e que o fato de ter sido escolhida a deixa com o dever moral de refletir essa diversidade no conteúdo.

O jornal tomou a decisão de mudar o programa de estágio: metade das vagas passou a ser destinada aos alunos da UFBA e a outra para as demais faculdades, cujo desempenho dos alunos é considerado inferiro. Bezerra disse que é necessário ter uma olhar cuidadoso de abrir portas para dar oportunidades porque, em muitos casos, o desempenho está ligado à falta de oportunidades. “É preciso fazer uma comunicação cuidadosa, que não te fere, com amplitude de perfis, ter atenção na forma de falar as coisas, e ouvir as pessoas”, destacou.

Na Folha de São Paulo, houve uma mudança no Programa de Treinamento em Jornalismo Diário, que, na última seleção, abriu vagas apenas para profissionais negros e excluiu a exigência de um idioma estrangeiro, abrindo a competição àqueles que não tiveram a chance de ter o domínio do inglês. Na mesma perspectiva, jornal Digital Nexo lançou, no início de março, um programa de diversidade racial, com previsão de bolsa mensal, além de aulas de inglês, português, novas tecnologias e temas relevantes sobre o Brasil e o mundo. O The Intercept Brasil também desenvolveu iniciativa parecida de inclusão. E o Énois crisou o projeto Diversidade das Redações, que promove treinamento e intercâmbio entre Redações e repórteres com foco em produção diversa e representativa.

Imagem em destaque: Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

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