A angústia das mulheres que romperam o silêncio da agressão

Ameaças de morte, instabilidade financeira e abandono do lar são alguns dos problemas enfrentados por vítimas de violência doméstica após a denúncia 22 de abril de 2018 Carolina Cordeiro, Giulia Santana, Isis Pereira, Luana Lopes, Mariana Lima

Jaciara* levou um soco no olho. Rita* foi ameaçada de perder a própria casa. Ester* sofreu uma tentativa de estrangulamento. Três mulheres, três histórias de violência no lar, um desfecho em comum: a denúncia contra seus agressores. No Brasil, de acordo com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, entre 2015 e 2016, houve um aumento de 133% nas denúncias de violência doméstica e familiar – qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, como aponta definição prevista na Lei Maria da Penha.

Ao romperem o silêncio e registrarem ocorrências, as mulheres passam a enfrentar outros problemas: sofrem ameaças de morte, precisam abandonar a casa, o emprego, ficam sem dinheiro, perdem os filhos. Mas, antes mesmo de chegarem às instâncias criminais e jurídicas, as vítimas de violência doméstica enfrentam um longo caminho até concretizarem oficialmente a denúncia.

A psicóloga e professora do curso de Medicina da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Monalisa Barros, acredita que o “que mais dificulta as denúncias é a existência de uma estrutura social que acoberta a violência contra a mulher e defende o homem”. Quando a vítima expõe sua situação à família, normalmente, ouve que não é bom manchar o nome do homem agressor ou que ninguém vai acreditar nela enquanto vítima.

Antes de apelar à Justiça, Rita, 38 anos, recorreu à família do ex. Ela entrou em contato com a sua cunhada pedindo ajuda, pois não queria denunciar o pai de sua filha. “Quando meu irmão ficou sabendo da situação, ele me aconselhou a ir à delegacia, mas fiquei insegura, porque eu também me sentia parte da família do meu então companheiro, daí eu mandei um áudio pelo WhatsApp para minha cunhada dizendo que ele estava me ameaçando e que estava muito violento”. A resposta, também em áudio, dizia que os irmãos iriam se reunir para discutir a situação e que conversariam com ele para que parasse com aquelas atitudes. “No entanto ele não parou e, a partir daí, por medo do que poderia acontecer comigo, eu denunciei”, conta.

Rita tem uma filha com o agressor. Foto: Reprodução/Avoador.

A dependência econômica e emocional são alguns dos principais fatores que impedem a busca da mulher por proteção legal, especialmente quando há filhos envolvidos na relação. “Não quer dizer que as independentes não sofram, é um fenômeno muito mais complexo do que isso. Em muitos casos, os episódios de violência vêm quando a mulher decide dar fim ao relacionamento por sofrer ameaças e abuso psicológico”, destaca Julianne Nogueira Rios, juíza do foro responsável pelos casos de violência contra a mulher em Vitória da Conquista.

A dependência emocional foi o que manteve Jaciara Pires no relacionamento após a primeira agressão. “A gente ia se separar e eu ia ficar sem ele”, conta. Mas, em janeiro de 2018, ela denunciou o seu companheiro após ser agredida pela segunda vez. Aos 23 anos, ela deixou o interior de Minas Gerais, em 2013, para ser “uma mulher independente” em São Paulo. Seus planos mudaram quando, às 22h de uma quinta feira, foi acordada pelo companheiro recém-chegado da rua, aos gritos de que tinha “descoberto uma traição” e que ela “merecia morrer”. No entanto, o que morreu ali, depois do soco no olho esquerdo que fez Jaciara* sangrar e ter um osso do nariz quebrado, foi a relação conturbada de um ano e sete meses que mantinham. “Eu vi que tinha duas opções: ou eu aceitava, engolia, seguia e morria ou levantava, dava um fim naquilo, denunciava e seguia minha vida”.

Jaciara Pires precisou mudar de estado após a agressão. Foto: Reprodução/Avoador.

No caso de Ester Oliveira*, manicure, 45 anos, não foi nem dependência emocional nem pressão familiar que dificultou a denúncia, mas a profissão do marido, que era policial. Após inúmeras tentativas frustradas de registrar a queixa na Delegacia de Polícia comum, cujo atendimento era realizado por colegas de trabalho do seu ex-esposo, ela desistiu e se separou do agressor. “Eu vivia trancada, não podia vestir roupa curta, não podia ter celular e só podia sair com ele, até para a casa da minha mãe. Se eu fizesse qualquer coisa ou conversasse com alguém, já era motivo para ele me agredir”. Após um ano de rompimento, o ex-marido tentou estrangulá-la. Foi então que soube da existência da Delegacia da Mulher em Conquista (DEAM), e formalizou a denúncia contra ele.

Casos como esse mostram a importância de instâncias legais especializadas em violência doméstica. Em Conquista, existe a Vara da Justiça e pela Paz em Casa, que busca atender e julgar casos em que são identificados violência contra a mulher. Julianne Nogueira Rios, a primeira juíza responsável por esse foro na cidade, acredita que a empatia é um fator imprescindível na hora de avaliar as causas.

Empatia essa que faltou no caso de Jaciara. Depois de passar dois dias no hospital por causa das agressões do companheiro, ver os móveis de sua casa destruídos por ele, fugir e se esconder na casa de uma amiga, ir à Delegacia da Mulher e prestar queixa, ficar mais de oito horas esperando a medida protetiva, fazer o exame de corpo de delito no IML, chorar no meio da rua e pensar em desistir por conta da burocracia e da falta de orientações, ela foi informada de que, apesar de estar previsto na Lei Maria da Penha, dificilmente, o seu pedido de afastamento do emprego seria autorizado pelo juiz.

De acordo com Luciana Silva, professora do curso Direito da Uesb, advogada e integrante da União de Mulheres, é uma realidade a dificuldade enfrentada pelas mulheres na hora da denúncia. “As mulheres, enquanto no processo de denúncia, não se sentem amparadas e fortalecidas para seguir adiante, no lapso temporal, elas se sentem inseguras”.

O processo de registro da ocorrência até o processo de concessão da Medida Protetiva é, na maioria das vezes, penoso e demorado. Nesse percurso, as mulheres precisam de assistência jurídica e psicológica, assistência para seus filhos e, muitas vezes, abrigo protetivo. Jaciara se mudou de São Paulo para Conquista fugindo do seu agressor, uma realidade comum entre as mulheres em situação de violência.

Acolhimento

Em Conquista, de acordo com Luciana, para que a mulher possa ficar longe do agressor em segurança, a Rede de Proteção às Mulheres consegue, junto à Prefeitura Municipal, uma passagem para as vítimas encontrarem parentes ou alguém mais próximo que possa acolhê-las. Essa medida é tomada como solução para os casos mais graves, quando há o real risco à integridade física ou até risco de morte para a mulher.

Fazem parte dessa Rede de Proteção 44 entidades, entre órgãos municipais, de Justiça, segurança pública e filantropia, dos quais estão o Centro de Referência à Mulher Albertina Vasconcelos (CRAV), o Centro de Assistência Psicossocial (CAPS) e a própria Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM). Como instituição filantrópica está também a União das Mulheres, que presta assistência jurídica e psicológica a essas vítimas de violência doméstica.

A Rede presta serviços de apoio a muitas mulheres durante seus processos de denúncia. Após o registro contra o agressor, Ester recebeu orientação jurídica e atendimento psicológico no CRAV. Rita, por sua vez, denunciou pelo 180, mas seu caso só teve andamento efetivo quando recorreu à DEAM e, enquanto esperava a Medida Protetiva, também recebeu assistência psicológica e fez acompanhamento no CRAV.

Mas ainda falta em Conquista uma casa específica para abrigar essas mulheres vítimas de violência doméstica que necessitam sair do alcance do agressor e não têm condições financeiras. Se houvesse, muitas delas não precisariam abandonar seus empregos para fugir de seus agressores. Essa é uma antiga reivindicação dos órgãos da Rede de Proteção às Mulheres de Vitória da Conquista, defende Luciana.

Apesar do andamento dos processos legais na justiça e mesmo que estejam longe dos seus agressores, as mulheres ainda enfrentam dificuldades para recomeçar a vida depois do trauma da agressão e suas consequências na vida cotidiana. Atualmente, Rita* tem arcado com as despesas da casa sozinha e espera o resultado do processo de pensão alimentícia por parte do ex-companheiro na Vara da Família. Espera ainda conseguir o tratamento psicológico oferecido pelo Centro de Assistência Psicossocial (CAPS) para a filha que, após presenciar as brigas dos pais, passou por uma mudança comportamental, principalmente na escola, onde têm tido atitudes agressivas com os meninos. Jaciara, que veio de São Paulo, continua sem emprego e a enviar currículos em Conquista na expectativa de conseguir um trabalho. Ela ainda sente medo quando vê um homem de moto que lembra o ex-companheiro. Ester continua fazendo acompanhamento junto ao CRAV e tentando reconstruir sua vida enquanto o processo contra o ex-companheiro segue na justiça.

*Nomes alterados para a proteção das vítimas

Foto destacada: Reprodução/Site Avoador.

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