Com a reforma da Previdência, as mulheres serão as mais prejudicadas

12 de junho de 2017 Julie Hevellyn

Vanilde Teixeira, agricultora há 30 anos, e Maria Machado, servidora pública há 23 anos, trabalham em áreas diferentes, mas a Reforma da Previdência vai retirar direitos das duas trabalhadoras. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287/2016, em tramitação no Congresso Nacional, propõe mudanças nas regras da aposentadoria que ampliam o tempo de contribuição, o que coloca as mulheres em desvantagem por sua maior dificuldade de acesso e permanência no mercado de trabalho. Entre as prejudicadas, as trabalhadoras do campo serão as mais penalizadas.
O governo do presidente Michel Temer diz que existe um rombo na Previdência Social. Mas, de acordo com a Associação Nacional dos Auditores Fiscais (ANFIP), o que há é um superávit, o que significa que entre o valor arrecadado e o valor pago em benefícios sociais, sobra dinheiro. A professora do curso de economia da Uesb, Sofia Manzano, concorda. Para ela, a reforma tem por objetivo forçar os trabalhadores a buscarem fundos de previdência em bancos. Com essa previdência privada, os bancos irão lucrar em cima do dinheiro do trabalhador, que só terá acesso ao dinheiro investido décadas depois da contribuição.

Uma das trabalhadoras que poderá ser atingida se a reforma for aprovada é Vanilde Teixeira Souza, que prefere ser chamada de Val. Nascida em Ituaçu, ela trabalha na roça desde os 10 anos. Hoje, ela tem 48. Ao lado de José, seu marido, criou seus três filhos como trabalho no campo. Entre a dura rotina de cuidar da casa, da família, da plantação e da venda de seus produtos no CEASA, mal sobra tempo para descansar. A aposentadoria será o seu descanso tão merecido e esperado. Val, como as demais trabalhadoras rurais, corre risco da perda de direitos com a proposta de reforma da previdência.
A Previdência é um seguro social de longo prazo para qual o trabalhador contribui mensalmente. Assim, quando estiver impossibilitado de trabalhar, receberá um valor mensal para garantir seu sustento. Isso geralmente se dá na forma da aposentadoria após certa idade (ou anos de contribuição), mas também é possível receber auxílios temporários em caso de doenças, por exemplo. De modo geral, é possível se aposentar de duas maneiras: para as mulheres, após 30 anos de contribuição à previdência, tendo qualquer idade; ou acima de 60 anos e 15 anos de contribuição. Para os homens, são necessários 35 anos de contribuição ou 65 anos de idade.

Algumas categorias, como por exemplo os trabalhadores rurais, possuem regras diferenciadas para o acesso à Previdência Social, devido à natureza desgastante de seu trabalho. No sistema atual, segundo a analista do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), Erilene Leles, a trabalhadora rural se aposenta a partir dos 55 anos de idade (e homens aos 60). A contribuição à previdência não é obrigatória, mas é necessária a comprovação de, no mínimo, 180 meses de trabalho no campo. Para realizar tal comprovação são necessários documentos que comprovem a atividade rural, como o comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), além de depoimentos de testemunhas que comprovem o trabalho exercido por quem deseja se aposentar.

Val e seu filho Eduardo, o único dentre os três que trabalha com ela na roça

Val e seu filho Eduardo, o único dentre os três que trabalha com ela na roça. Foto: Julie Hevellyn/Site Avoador.

Para os trabalhadores rurais, as mudanças contidas na PEC 287 determinam a idade mínima para aposentadoria como 65 anos para homens e 57 anos para mulheres. A contribuição à Previdência se torna obrigatória e deve ser feita durante 15 anos. Embora o tempo de trabalho não mude, a necessidade de contribuição à previdência prejudica esses trabalhadores, pois eles não recebem um valor fixo o ano todo – sua renda é maior no período de colheita, e escassa no restante do ano. De acordo com Manzano, a reforma é um retrocesso: “Não levar em consideração a especificidade desse trabalho faz com que esses trabalhadores voltem à condição de antes da Constituição de 1988, quando eles não tinham direito à aposentadoria”, afirma.

Val, a agricultora do início da reportagem, conta que em seu meio as pessoas ainda não estão cientes da mudança proposta e de seus impactos. Os mais velhos, que já estão mais próximos da aposentadoria, por conta do escasso acesso à informação, não sabem como a mudança os afetará, caso seja aprovada. Os mais jovens simplesmente ainda não estão preocupados com o assunto e, quando vierem a se interessar, talvez seja tarde demais.

No setor público, a situação não é diferente. Maria Teresa Machado, 57 anos, é funcionária pública há 23 anos.  Por ser servidora pública, seu regime previdenciário é diferenciado e ela tem direito a receber o valor integral da aposentadoria, sem interferência do fator previdenciário,  após 30 anos de contribuição. Assim, aos 64 anos, ela se aposentaria recebendo o valor integral de seu direito. Poderia também esperar atingir os 60 anos de idade e se aposentar usando seus 15 anos e meio de trabalho no setor privado.

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Se a reforma passar, a aposentadoria de Machado será modificada. Ela vai passar a fazer parte das regras de transição da aposentadoria dos servidores públicos, que aliviam o impacto da reforma para aqueles mais próximos de se aposentar. Essas regras aumentam o tempo restante de contribuição do futuro aposentado em 30% Atualmente, faltam sete anos para ela se aposentar por seu tempo de contribuição no serviço público. Se a reforma for aprovada, ela terá que trabalhar, além dos sete anos, mais dois anos e um mês para receber sua aposentadoria integral. A regra de transição no serviço público é para mulheres a partir dos 45 anos e homens a partir dos 50.

E não são apenas as trabalhadoras rurais e servidoras públicas que serão prejudicadas com a aprovação da PEC. As mulheres, no geral, sofrerão um prejuízo imenso. O projeto inicial pretendia igualar a idade mínima para aposentadoria de homens e mulheres, com ambos se aposentando aos 65 anos. Embora o texto tenha sido alterado e, agora, a proposta seja de que mulheres se aposentem aos 62 anos, não é suficiente, pois o tempo mínimo de contribuição continua fixado em 25 anos para receber a aposentadoria parcial.

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Manzano explica que, além da dupla jornada de trabalho feminina, há ainda o fato de que das mulheres enfrentarem mais dificuldades no acesso ao mercado de trabalho e uma taxa de desemprego maior que a masculina. Essa situação faz com que o tempo necessário para atingir os 25 anos de contribuição seja maior, já que as mulheres encaram mais barreiras para se manterem no mercado de trabalho.

A reforma também propõe acabar com o fator previdenciário. Porém, para se receber a aposentadoria integral, serão necessários 40 anos de contribuição. Isso porque quem se aposentar com 25 anos de contribuição receberá apenas 70% do valor total de seu benefício. A partir daí, cada ano extra trabalhado dá direito a uma espécie de gratificação no valor final do benefício, de maneira tal que, após 40 anos de contribuição à previdência, se recebe 100% do valor de teto do INSS. Assim:

 

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Muita gente é contra essa reforma, que tem causado protestos no país inteiro. No momento, a PEC está pronta para votação em plenário na Câmara dos Deputados, o que deverá acontecer ainda em junho. Caso seja aprovada, deverá seguir para votação no Senado.

 

Foto destacada: Julie Hevellyn/Site Avoador.

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