É preciso falar sobre gordofobia e a inclusão das mulheres gordas

Por meio de suas profissões e experiências pessoais, mulheres em Vitória da Conquista desenvolvem projetos para exaltar a beleza do corpo feminino seja qual for o seu tamanho 22 de novembro de 2019 Tamyres Lenes

“O rosto é tão bonito, só precisava perder alguns quilinhos”. Essa afirmação é gordofóbica e deixa implícito o preconceito com as pessoas gordas, aquelas que não se encaixam no padrão de beleza estabelecido: corpo magro, alto e sem celulites. A gordofobia é uma forma de discriminação ligada à aparência física e, por isso, atinge muito mais as mulheres e pode causar desde a sensação de não pertencimento até o desenvolvimento de quadros de ansiedade e depressão.

Psicóloga do programa de residência multiprofissional da UFBA (Universidade Federal da Bahia), Amanda Santos de Souza, que escreveu o livro “Digna de ser amada” sobre a pressão social dos padrões estéticos, explicou que a gordofobia é uma estigmatização do corpo, principalmente feminino. “Já existe um foco social voltado para nós que define o corpo físico como valor da mulher, e a estrutura gordofóbica da sociedade reforça ainda mais essa ideia.”

Depoimento de uma mulher anônima sobre a gordofobia e a falsa preocupação com a saúde dessas pessoas. Foto: Reprodução/Facebook

Amanda esclareceu também que os comentários gordofóbicos, muitas vezes, aparecem disfarçados de preocupação com a saúde do outro. “Esse preconceito se transveste de preocupação com a saúde, só que isso acaba fazendo um movimento contrário de cristalizar uma relação de desconexão com o próprio corpo. Isso tende a gerar uma série de problemas e consequências emocionais persistentes”, explicou a psicóloga.

Entre os países da América Latina, o Brasil é um dos campões no consumo de remédios para emagrecer, segundo pesquisa da Nielsen Holding, realizado entre outubro de 2018 e fevereiro de 2019.  Desse índice, 84% desses consumidores são mulheres, e, mesmo após a realização de campanhas de alerta sobre os perigos do uso contínuo desses medicamentos, ainda é grande o número de pessoas que buscam suplementos alimentares, termogênicos e outros produtos que prometem acelerar o processo de emagrecimento.

A busca das mulheres pelo corpo ideal, desde muito jovens, e que é reforçada pelos padrões estéticos estabelecidos socialmente, faz crescer os índices de problemas relacionados à saúde mental. “Em algumas situações, as mulheres começam a criar uma auto-aversão. Nesses casos, nós percebemos que é comum ocorrer o isolamento social. A pessoa para de realizar atividades de lazer e começa a ter vergonha do próprio corpo. Muitas pessoas deixam de praticar esportes, ou preferem não frequentar uma academia. Esses podem ser fatores de risco para transtornos psicológicos, desenvolvendo angústia, sensação de desajuste, inadequação e não pertencimento”, disse Amanda.

Projetos combatem a gordofobia

Em Vitória da Conquista, no Sudoeste da Bahia, as mulheres passaram a discutir a gordofobia em suas redes sociais e desenvolveram projetos voltados para o tema com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre a importância da inclusão e do respeito à mulher gorda. É o caso da professora, empreendedora e blogueira, Bruna Miranda. Por meio de uma página no Instagram chamada “Mulher Plus”, e de uma loja de roupas de mesmo nome, ela reivindica o espaço e o acolhimento às mulheres gordas.

“Estamos segregando, separando essas pessoas e falando ‘você tem que entrar nesse padrão para conseguir se encaixar’”, Bruna Miranda. Foto: Tamyres Lenes/Avoador

Em 2016, Bruna, que saiu de Jequié para cursar Engenharia Agronômica em Conquista, ainda não tinha pretensão de entrar no universo da moda, mas, durante a graduação, ela teve a ideia de criar uma conta no Instagram para compartilhar relatos pessoais. “Eu contava, por exemplo, como eu me sentia quando nunca encontrava roupas que eu queria usar no meu tamanho. Era um diário. Eu não tinha intenção de virar blogueira.”

Hoje, a conta de Bruna tem mais de 130 mil seguidores. “São mulheres de todos os lugares. 90% do meu público é feminino, e dentro desses 90% nem todas são gordas, mas todas têm algum problema de autoestima ou não se identificam com o corpo que estão naquele momento.” O trabalho que começou como um diário na rede social cresceu e Bruna lançou, em 2018, uma coleção de roupas plus size com a marca capixaba Morena Tropical. Logo após, ela abriu uma loja virtual e, em seguida, uma física, onde vende peças plus size, com tamanhos que vão do 46 ao 56.

“Beleza Plural”, projeto da conquistense Lily Sampaio, reúne fotografias que representam a diversidade do corpo feminino. Foto: Reprodução/Instagram

A fotógrafa conquistense, Lily Sampaio, também criou um projeto para exaltar a beleza do corpo feminino, seja qual for o seu tamanho. Com o nome “Beleza Plural”, o trabalho reúne fotografias de mulheres fora do padrão estético pré-estabelecido. O objetivo é ajudá-las a enxergar a beleza de seus corpos e a si amarem exatamente como são. “Por meio da fotografia, o “Beleza Plural”, que é um projeto recém-nascido, pretende levantar a autoestima ou reafirmá-la, mostrando por meio da imagem que a beleza é possível em suas diversas formas e não exclusiva a um determinado grupo que se refere apenas a minoria de todas nós”, afirmou Lily.

Depoimento da cantora Ana Canas sobre o uso da palavra “gorda” e de outras expressões preconceituosas. Foto: Reprodução/Instagram

Por meio de suas profissões, e a partir de experiências pessoais, Bruna e Lily encontraram formas de dar visibilidade às mulheres gordas. Para a blogueira do “Mulher Plus”, a moda é uma maneira de fazer com que essas mulheres não se sintam excluídas ou diminuídas na hora comprar peças de roupas. Por isso, na sua loja, não só os tamanhos são maiores, mas os provadores também são mais confortáveis, disponibilizam de mais espaço e possuem uma cadeira para auxiliar na troca de roupa. “A moda é só um canal para fazer as pessoas perceberem um problema maior, o fato do mercado não estar preparado para o público plus size. São pessoas que estão sendo negligenciadas. Estamos segregando, separando essas pessoas e falando ‘você tem que entrar nesse padrão para conseguir se encaixar’”, disse.

Com suas fotografias, Lily acredita que pode fazer as mulheres serem vistas em suas diversas formas. “Quanto mais espaço ocupamos, aparecendo com nossos corpos, expondo a nossa beleza, mais mulheres se encorajam a aceitar-se. É a tentativa de fazer entender que a beleza é plural e possível”.

Foto de capa: Tamyres Lenes/Avoador

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