Mulheres evangélicas feministas buscam espaço nas igrejas

Apesar delas representarem 58% dos fiéis das congregações evangélicas, são os homens que ocupam os cargos de liderança dentro das igrejas 7 de março de 2020 Bruna Fentanes, Cleuzita Apontes e Raquel Rocha

No Brasil, 31% dos brasileiros se identificam como evangélicos e, deste total, 58% são do sexo feminino e 42% do masculino, segundo dados da pesquisa Datafolha, realizada em dezembro de 2019. São as mulheres então que representam a maior parte dos fiéis nas congregações, mas são os homens que ocupam cargos de liderança dentro das igrejas, o que, muitas vezes, contribui para a reprodução de comportamentos machistas e práticas de violência contra a mulher. A teóloga Valéria Vilhena, em sua tese de doutorado de 2016, realizada na Universidade Presbiteriana Mackenzie, constatou que 40% das mulheres vítimas de violência doméstica de companheiros se declaravam evangélicas.

Com os homens à frente dos cultos e responsáveis pela interpretação de passagens bíblicas, a submissão da mulher é aceita como sendo a vontade de Deus. “Não permito à mulher que ensine nem que se arrogue autoridade sobre o homem, mas permaneça em silêncio”, de acordo com 1 Timóteo 2:12. O discurso de que o homem é o chefe da família, aquele que toma as decisões importantes, e a quem a esposa deve obedecer, se perpetua por meio dos sermões nos púlpitos das igrejas. À mulher cabe aceitar o segundo lugar na hierarquia, e usar o poder da oração para transformar o lar em um ambiente de paz.

Contrárias a ideia da submissão feminina, mulheres religiosas têm lutado para superar esses dogmas que provocam a violência e mantém intacto o machismo dentro das igrejas. Elas propõem uma nova leitura bíblica para o papel que desempenham na família e na comunidade religiosa. Algumas se identificam como feministas, outras, embora não se rotulem, desaprovam atitudes machistas e reivindicam os seus direitos.

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“Quanto mais cresce o número de mulheres cristãs feministas, mais a estrutura da igreja é questionada e ameaça ruir”, Camila Mantovani, estudante de Teologia. Foto: Pixabay

Camila Mantovani, de 25 anos, é estudante de Teologia, evangélica e feminista. Ela acredita que a teologia utilizada nas igrejas foi criada pelo grupo dominante de homens brancos e ricos, e faz as mulheres acreditarem que se opor as imposições do patriarcado significa se rebelar contra o próprio Deus. “Os homens construíram uma imagem de Deus que é a semelhança deles próprios, criaram dogmas a serviço de seus próprios interesses, e isso inclui a manutenção do patriarcado, seja na influência de políticas públicas, seja na submissão que se prega as mulheres crentes”, disse.

Apesar da ausência de dados oficiais, há um crescimento do número de evangélicas feministas. Muitas vezes, elas são ameaçadas por tentarem alterar as relações de poder dentro das igrejas. Camila, que é natural do Rio de Janeiro, é uma delas. Ela teve que deixar o país depois de ser ameaçada de morte por setores fundamentalistas evangélicos. “Quanto mais cresce o número de mulheres cristãs feministas, mais a estrutura da igreja é questionada e ameaça ruir”, explicou.

Feminismo e fé

Em Vitória da Conquista, mulheres que fazem parte de comunidades evangélicas também têm questionado a desigualdade de gênero dentro das igrejas. Esse é o caso de Raquel Azevedo, advogada, 27 anos, que se reconhece como mulher feminista. “Não tem como ser cristã e não ser feminista. Cristo foi exemplo de tratamento igualitário e nos chama a fazer o mesmo. Não há um ser humano superior ao outro, quer seja por questões de gênero ou cor de pele, quer seja por classe social”, defendeu.

Por causa de seus posicionamentos contra o machismo e o patriarcado, Raquel já pensou em abandonar a igreja. “Ser desvalorizada por simplesmente ser mulher é doloroso. Lidar com isso hoje é mais fácil, mas aprendi a custos de lágrimas, e aqui não falo pra comover, mas é uma realidade. Traumatiza. Aí surge a necessidade de vencer os medos, e sou extremamente grata por ter o apoio de outras mulheres, sororidade real. Nada melhor do que saber que não se está só nessa luta de poder ser quem eu quiser.”

Algumas mulheres sentem dificuldade em se reconhecer como feministas, seja por conta da forma como foram criadas pelos pais, ou porque seu posicionamento pode causar problemas com a família e os amigos. Além disso, o conflito com a própria fé é um fator que pesa muito na hora de se posicionar contra o machismo nas igrejas. A estudante de Biomedicina, Thays Mello, 22 anos, passou por essa situação. “A maior dificuldade em se assumir cristã e feminista se dá pelo fato de algumas questões relacionadas ao feminismo não conversarem muito bem com o cristianismo”, relatou.

feminismo

Papel da mulher na igreja

Nas igrejas, muitos espaços são negados às mulheres e destinados aos homens. É comum encontrar congregações em que a participação feminina é restrita a ser professora da escola dominical para crianças, secretária ou regente de coral, não atingindo os cargos de liderança, como diaconisas, presbíteras ou pastoras. Entretanto, nas igrejas Pentecostais, a mulher vem ganhando gradativamente mais espaço, inclusive em grandes celebrações religiosas como batismos, e até casamentos. Ainda assim, há pessoas, homens e mulheres, que desmerecem o trabalho feito por essas lideranças femininas, como se estar ali, ocupando um cargo de poder, não fosse legítimo para elas.

As mulheres que defendem causas feministas dentro das igrejas evangélicas são acusadas de desobediência a Deus, por questionarem interpretações dadas a passagens bíblicas que são usadas como argumento para a submissão feminina. Esse é o caso de Rebeca Gomes, 24 anos, estudante de Pedagogia. “É muito difícil você estar lá, pois você será perseguida, você vai ser aquela que está inadequada, é quase como se fosse uma pessoa desviada, pecadora ao extremo”, explicou.

a mulher na igreja

Já Priscila Guimarães, 32 anos, vice-pastora da Comunidade Evangélica Avivamento Contínuo (CEAC), criada dentro da igreja Assembleia de Deus, diz ter observado mudanças nas igrejas evangélicas e uma ampliação do espaço reservado às mulheres. No entanto, ela acredita ser importante respeitar as diferenças de papéis entre homens e mulheres dentro da família, diferenças essas criadas por Deus para que a vida seja levada com equilíbrio. A pastora ainda apresenta uma visão conflituosa já que é ao mesmo tempo contra o machismo e o feminismo radical, mas admite a importância da luta feminina em busca de cargos que antes eram negados às mulheres, da luta pela igualdade salarial, pela voz e pelo direito de se expressar livremente. “Mulheres que querem assumir o papel masculino, estariam erradas nesse comportamento. A mulher é oficialmente a instrutora da família, o homem é o provedor”, disse.

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“A mulher é oficialmente a instrutora da família, o homem é o provedor”, Priscila Guimarães, vice-pastora da Comunidade Evangélica Avivamento Contínuo (CEAC). Foto: Cleuzita Apontes

Nas igrejas evangélicas então, a visão geral é de que a mulher cristã que se afirma feminista está contrariando os princípios bíblicos, e sendo a Bíblia o livro sagrado que sustenta a fé, não seria possível contrariá-lo sem estar ao mesmo tempo se opondo a Deus. Seria incompatível não aceitar ser submissa aos homens e ao mesmo tempo ser cristã. Os papéis de mulheres e homens estão definidos, sendo a figura masculina a de liderança, o “cabeça” do organismo que é a família, um símbolo de segurança e respeito aos preceitos divinos. E algumas mulheres, que defendem as conquistas femininas dentro da igreja, procuram fazer de forma limitada, para que não comprometa a ordem instituída. Michele Ferreira, 19 anos, membro da igreja Assembleia de Deus, não acredita ser algo bom mulheres ocupando cargos eclesiásticos, “vai causar tribulação, porque os papéis vão mudar, e elas não vão querer respeitar os pastores.”

Porém, há um processo de mudança em curso, já que existem cada vez mais mulheres cristãs que se reconhecem como feministas e batalham diariamente contra os estigmas construídos dentro dos ambientes religiosos, onde as mulheres devem ser virtuosas e submissas, e os homens devem ser os provedores e os chefes da família.

Foto de capa: Raquel Rocha

 

Uma resposta para “Mulheres evangélicas feministas buscam espaço nas igrejas”

  1. Val Rodrigues disse:

    Olha, respeito a opinião das mulheres e quererem buscar igualdade de importância dentro das igrejas, mas afirmo q se vai trazer conflitos entre os membros e a sociedade Deus não está no negócio pq Ele é Deus de paz e não de confusão… E a palavra de Deus já diz q Ele não habita em templos feito por mão de homens, sendo assim, não se deve brigar por cargos dentro das igrejas e sim, fazer de acordo a vontade de Deus em todo lugar…

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