A tradição dos contos na literatura brasileira

Considerado por leitores a melhor porta de entrada para o mundo das letras e da ficção, o conto é um gênero literário que tem chamado a atenção no mercado editorial 23 de dezembro de 2019 Ricardo Santos

Com o fácil acesso à leitura de textos curtos por celulares, leitores digitais, tablets e outros aparelhos, o conto nacional ganhou um novo fôlego, recuperando o interesse que havia em décadas anteriores. As pessoas estão lendo mais contos, inclusive em sua forma tradicional, o livro em papel. Apesar de o gênero ainda ser um dos patinhos feios do mercado editorial, com apelo bem menor do que o do romance e das histórias em quadrinhos, por exemplo, os livros de contos de um único autor ou de vários estão chamando atenção em lançamentos de grandes e pequenas editoras e autopublicações.

A tradutora, ilustradora e escritora Camila Fernandes é um dos talentos mais sólidos da literatura fantástica nacional. A autora consegue misturar com muita competência tradição e contemporaneidade. Suas histórias remetem a contos de fadas, seres mitológicos, lendas e medos antigos. O que torna sua prosa cativante é a ligação do passado com o mundo atual, pós-moderno, feminista.

Outro elemento de fascínio é a franqueza da autora. Sua crueldade, que nunca é gratuita, tem uma razão de ser. É a condição humana olhando para o fundo do poço ou para um lugar desconhecido, além de sua compreensão. Vale destacar também a prosa fluente e cadenciada, que consegue desenvolver personagens e desfechos com destreza, gerando espanto, principalmente nas histórias mais longas. De Camila Fernandes, recomenda-se a leitura dos livros Reino das névoas, Contos sombrios e A noite não me deixa dormir.

Itamar Vieira Junior é o mais importante autor baiano da atualidade. Vencedor da última edição do Prêmio Leya, seu romance Torto Arado teve extensa cobertura da mídia portuguesa. No Brasil, o romance foi lançado pela editora Todavia.

Itamar segue a tradição de grandes autores baianos que aliam inquietação política com apuro literário. Ele chamou atenção com o livro de contos A Oração do Carrasco. Não se engane com a finura da edição. Em menos de duzentas páginas, cada conto carrega uma densidade que desafia o leitor, em seu conteúdo e forma.

O triunfo aqui é falar de gente sofrida, os desassistidos, as minorias, os invisíveis sociais, mas descartando naturalismos fáceis. É uma poesia cheia de afeto, mas também dura quando necessário. Os melhores contos são os que aliam, na medida certa, enredo intrigante, personagens cativantes e voz narrativa envolvente.

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“A Oração do Carrasco” possui 167 páginas e foi publicado pela editora Mondrongo.

Não é à toa que o livro foi finalista do prêmio Jabuti, o mais tradicional da literatura brasileira. É o mais impactante livro de contos publicado por um autor baiano na última década, pelo menos. A pequena editora Mondrongo, da cidade de Itabuna, no interior aqui da Bahia, está de parabéns por lançar uma edição tão profissional, com bela capa e um projeto gráfico atraente. A Oração do Carrasco é imperdível.

O site Mitografias é um dos mais completos portais sobre mitologias à disposição em português. Lá você encontra podcasts, resenhas, artigos, trabalhos acadêmicos e outros conteúdos sobre vários aspectos de diversas mitologias ao longo da história. Destaque para o folclore brasileiro. A literatura fantástica ganha bastante espaço no site, inclusive, há a publicação de uma coletânea anual de contos.

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“Mitos Modernos” possui 205 páginas.

No primeiro volume, vencedor do prêmio Le Blanc, a coletânea teve como tema mitos modernos. São 14 contos em que diversos mitos do mundo inteiro ganham uma abordagem contemporânea. Uma iniciativa independente e muito bem editada, o livro é uma bela amostra do que a literatura fantástica nacional é capaz de produzir. Não há nenhum conto ruim na coletânea. Mas alguns se destacam pela criatividade narrativa e tratamento dos temas levantados. Em especial, as histórias que abordam o nosso folclore.

A coletânea Mitografias está em sua terceira edição. Existe uma edição em papel para compra do volume I, mas os demais podem ser baixados gratuitamente.

O conto tem uma tradição em nossa literatura. Alguns o tomam, ao lado da crônica e da poesia, como um gênero literário bem brasileiro. Muitos leitores consideram a brevidade e intensidade do conto como a melhor porta de entrada para o mundo das letras, para o encanto da ficção.

*Ricardo Santos é escritor, editor e servidor público. Nasceu em Salvador e é formado em Jornalismo pela Uesb. Ele possui um blog e seus contos foram publicados em sites, coletâneas e revistas, como Somnium e Trasgo. Organizou a coletânea Estranha Bahia (EX! Editora, 2016; 2ª edição 2019), finalista do prêmio Argos. Também é autor do romance juvenil Um Jardim de Maravilhas e Pesadelos (2015) e do livro de viagens Homem com Mochila (2018). Seu mais recente livro é a coletânea Cyberpunk (Draco, 2019). 

Imagem de capa: Pexels

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