Meu Black, meu Power

O racismo de Rodolfo do BBB21 trouxe à tona uma questão delicada para nós, negros, aceitar e reverenciar o nosso cabelo como é 11 de abril de 2021 Felipe Ribeiro

Cara gente branca,

Começo dizendo que quem fica chocado com o racismo escancarado desse país é porque está dormindo demais ou, de propósito, fecha os olhos para a realidade. O que aconteceu na noite da última segunda-feira (05/04) durante o jogo da discórdia no BBB21 diz muito sobre o Brasil e como ele foi e ainda é estruturado para continuar sendo um local de ataque às pessoas pretas.

O problema do Rodolffo não é a falta de conhecimento sobre questões raciais, mas, sim, a falta de interesse em conhecê-las. E o participante representa muito bem uma grande parcela da sociedade brasileira que insiste em desmoralizar a fala do João Luiz e, até mesmo, colocar o professor como o culpado da história “porque ele não foi até o Rodolffo explicar”. Ele não tem que explicar nada! Vamos combinar que, antes de tudo, fazer piada com o corpo de outra pessoa é uma atitude sem noção e desnecessária. E nós sabemos que os alvos são sempre os mesmos, então, não há ingenuidade aí.

Vou dizer o porquê de um cabelo ser um motivo de resistência. Eu sempre tive curiosidade sobre como seria meu cabelo grande, porém,  sempre o cortava baixinho na máquina. Quando decidia que deixaria crescer, chegava a ficar um tempo com um cabelo sem corte, mas logo eu desistia por conta dos inúmeros comentários que eu recebia. “Seu cabelo tá grande, corta logo”, “Tá feio, não vai cortar não?” Foram inúmeras tentativas. Mas acontece que não é fácil assumir sua essência num mundo que a todo tempo faz a gente se sentir feio e diz que é errado ser quem você é.

E por mais que eu aceite e ache o meu black lindo, ainda tenho que lidar com muita coisa porque tem gente que se acha no direito de me falar absurdos. Já teve situação de eu mal chegar em um local, a pessoa não me dar nenhum “Oi” e já lançar um “moço, e esse cabelo, vai cortar quando?”. Sou obrigado a ter empatia com gente assim? Não, não sou!

O racismo é uma coisa criada pelos brancos e é o preto que tem que ensinar sobre? Certo, vamos lá então. Eu também tenho noção de quem nem todo mundo tem acesso a discussões, livros, filmes e outros conteúdos que falem sobre o assunto. Mas esse não é o caso do Rodolffo. Ele  é um adulto de 32 anos, com muito dinheiro, fama e condições de se informar sobre isso. 

E o que agrava essa situação é o fato de que o João falou diretamente para ele que a “piada” o machucou muito e qual foi a atitude do cantor? Reafirmar a fala racista. Em qual momento ele demonstrou estar aberto a aprender e se desconstruir? Vejo muitos brancos cobrando por ensinamentos, mas, quando uma pessoa preta fala, elas desconsideram e dizem que é “mimimi”. Aí fica difícil, né?

Ou a pessoa para, ouve, pede desculpas e muda sua postura (porque não adianta se desculpar  só para limpar a imagem) ou, pelo menos, tenha a coragem de assumir seu B.O. Não é normal um homem preto ter que chegar a gritar e chorar para que sua dor seja vista. O comentário maldoso provoca sentimentos devastadores à autoestima. O racismo precisa ser visto e entendido em toda sua amplitude. Ele não ataca apenas a cor da pele, mas também o formato do nariz, o cabelo, a religião, a cultura e outros componentes do povo preto.

Ainda bem que João tem o apoio de Camilla de Lucas lá dentro, uma mulher negra, dona e consciente de si. Ela desde o começo entendeu a dor do amigo e levantou a sua voz contra este mal que, infelizmente, ela conhece bem. Inclusive, Camilla também possui questões com o seu cabelo e está passando por uma transição capilar para que, assim como João, assuma o seu cabelo crespo.

As lágrimas de João Luiz carregam as dores que uma sociedade lhe provocou ao fazê-lo se sentir inferior aos outros simplesmente pela sua aparência. Mas deixo aqui para ele, para mim e para todos que sofreram e sofrem com tais preconceitos, uma parte da música Imortais e Fatais de Baco Exu do Blues, que diz: “felicidade é um padrão te chamar de feio e você se acha lindo. Se ache lindo, se ache linda”. João, você é lindo, corajoso e gigante.

Obrigado por ser quem é!

*Estudante do curso de Jornalismo da Uesb e com o cabelo assumidamente black.

Foto: Leila Costa

Foto de capa: Reprodução/Globo

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