Sim, filha, seu cabelo balança!

Em meio ao racismo cotidiano, a jornalista Donminique Azevedo ensina à filha Liz que seu cabelo crespo é lindo e o preconceito é feio 19 de setembro de 2019 Donminique Azevedo

Foi na maternidade que disse para mim mesma, ainda no finalzinho de uma conturbada transição capilar: “com você, filha, vai ser diferente”. E tem sido. Temos te ensinado a amar seu cabelo do jeito como ele é: lindo.

Temos te ensinado a lidar com o racismo cotidiano que insiste em negar a nossa identidade por meio de diversas opressões estruturais.

Mesmo seguindo firmes e nem sempre fortes redefinindo padrões de beleza, é impressionante como nossas madeixas são alvos de frequentes microagressões, que têm como pano de fundo o racismo recreativo, expresso em estereótipos ligados à sujeira, à feiura e à violação travestida de uma falsa curiosidade.

Mesmo sendo apenas uma criança e, não sabendo, com esses termos, como o racismo opera nas políticas do cabelo, você já demonstra resistência a tudo isso. E assim nós seguimos revertendo um processo histórico de invisibilidade.

Meu crespo é de rainha é o primeiro livro infantil da ativista estadunidense bell hooks.

A gente lê bell hooks e você termina a leitura consciente de que seu crespo é sim de rainha. Eu leio Chimamanda Ngozi Adichie e passo a compreender sobre como é importante dar liberdade aos fios, no lugar de passar horas e horas “ajeitando o cabelo” que, para muitos, é esticar, repuxar o couro cabeludo.

Cabelo não deve ser sinônimo de dor nem de trabalho. Não é um fardo! Por isso quando me questionam, com aquele racismo cordial disfarçado de curiosidade, se seu cabelo “deve me dá um trabalho”, respondo que não e ponto. Se insistem, devolvo com uma estratégia que a branquitude usa para não reconhecer o mundo subjetivo das pessoas negras: não escutar, como bem explica Grada Kilomba.

A gente assiste vídeos no Youtube de Ingrid Silva e eu vibro com seu encantamento diante do espelho refletido na tela: uma bailarina black power.

Agora, você não sabe explicar por que a representatividade positiva importa, mas sente.

Certa vez, ousaram dizer a você que seu cabelo não balançava. Assim que soube, peguei um espelho, baixei a Beyoncé e, imediatamente, liguei o ventilador. Você sorriu largamente e confirmou: “Sim, mamãe, meu cabelo é lindo e balança muito!”. Desde então, uma das coisas que você mais gosta de fazer é balançar a bela coroa que tem.

 

E tudo isso é para que você não cresça achando que cabelo crespo é ruim, para que você não seja exposta à inúmeros processos químicos (agressivos) para “deixar o cabelo bom”.

Tudo isso é para que você conheça, verdadeiramente, o fio de seu cabelo, aprenda a cuidar dele e a amá-lo.

Dessa forma, a gente segue mostrando outras perspectivas para crianças negras e não-negras, ensinando às crianças (e aos adultos) que cabelo crespo não é feio (preconceito é feio), não é duro (uma pedra é algo duro) e, sim, balança muito!

*Donminique Azevedo é mãe de Liz. Além disso, é pós-graduanda em Gênero, Raça e Sexualidades pela Universidade do Estado da Bahia, jornalista por formação, com atuação em projetos nacionais ligados à diversidade, inovação política e jornalismo.

Foto de capa: Pexels

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