Um olhar alternativo sobre a história do Brasil

"A Segunda Pátria" e "E de Extermínio" são obras da literatura nacional que misturam história e ficção científica e fazem crítica a realidade brasileira 21 de setembro de 2019 Ricardo Santos

A história alternativa é um subgênero da ficção científica pouco praticado no Brasil. As histórias alternativas mais interessantes fazem especulações sobre o passado para entender melhor o presente. Por isso, é sempre muito bem-vindo quando autores nacionais imaginam outros Brasis possíveis, fazendo uma criativa reflexão sobre nossa realidade.

Nos romances A Segunda Pátria, de Miguel Sanches Neto, e E de Extermínio, de Cirilo S. Lemos, temos obras escritas, respectivamente, por um autor do mainstream, ou seja, que eventualmente escreve ficção científica, e outro do fandom, que milita no gênero.

Como o próprio Sanches Neto revelou, seu romance foi encomendado pela editora. A proposta era responder à seguinte pergunta: e se o presidente Getúlio Vargas se aliasse a Hitler às vésperas da Segunda Guerra Mundial?

No universo criado por Sanches Neto, os nazistas dominaram o sul do Brasil. Então acompanhamos, em A Segunda Pátria, a abordagem de uma ficção especulativa escrita por alguém com experiência em romances históricos, mas iniciante na ficção científica.

A maturidade literária é o que mais chama atenção em A Segunda Pátria. Prosa fluente, sagaz, com ótima pesquisa histórica, utilizada para reproduzir a atmosfera e a mentalidade da época, com personagens bem desenvolvidos. O aspecto especulativo é sutil, mas assustador. Os protagonistas são um engenheiro negro e uma jovem nazista branca, em Santa Catarina.

O autor, a partir de sua pesquisa, extrapola a realidade e dá outros rumos a fatos, de início, históricos. Acompanhamos um horror palpável, verossímil, em que a lógica nazista justifica perseguir brasileiros considerados seres inferiores.

Infelizmente, a trama perde seu rumo por vários capítulos, ao dar mais ênfase ao ponto de vista da jovem nazista. É um estudo de personagem envolvente, muito bem executado, com nuances e dilemas, mas que faz a narrativa deixar de lado o cenário mais amplo. O que vai ser recuperado no terço final do livro, com toda a força. Terminada a leitura, percebemos que A Segunda Pátria, apesar de sua estrutura irregular, é um romance corajoso.

E de Extermínio foi originalmente publicado como uma noveleta, com tamanho entre o conto e a novela, reproduzida na primeira parte do romance. Cirilo S. Lemos muda acontecimentos da história do Brasil, misturando personagens fictícios com personalidades do passado.

O Rio de Janeiro das décadas de 1930 e 1940 é retratado com uma ambientação dieselpunk, um contexto retrofuturista, em que a monarquia ainda comanda o país, mesmo que de maneira frágil. Tensões entre monarquistas, militares, comunistas e americanos mostram uma disputa de poder acirrada, num cenário que lembra os quadrinhos de Dick Tracy e o filme Rocketeer, à maneira brasileira, onde o avanço tecnológico convive com o atraso institucional.

O texto é ágil e cheio de ação. Mas há também belas passagens durante a calmaria ou nos momentos de delírio, quando os personagens fazem suas digressões e são aprofundados.

A ressalva fica para a falta de coesão do livro, em que as partes formam um todo meio caótico. Porém, isso é um aspecto menor comparado à prosa ora relevante, ora divertida do autor.

A literatura brasileira precisa de mais livros como A Segunda Pátria e E de Extermínio. Romances que conseguem, ao mesmo tempo, contar boas histórias e fazer a gente pensar melhor sobre as rachaduras na realidade de nosso país.

*Ricardo Santos é escritor, editor e servidor público. Nasceu em Salvador e é formado em Jornalismo pela Uesb. Ele possui um blog e seus contos foram publicados em sites, coletâneas e revistas, como Somnium e Trasgo. Organizou a coletânea Estranha Bahia (EX! Editora, 2016; 2ª edição 2019), finalista do prêmio Argos. Também é autor do romance juvenil Um Jardim de Maravilhas e Pesadelos (2015) e do livro de viagens Homem com Mochila (2018). Seu mais recente livro é a coletânea Cyberpunk (Draco, 2019). 

Foto de capa: revistapuntotlon

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