Redes sociais alimentam e propagam o ódio

Comentários racistas, homofóbicos e machistas deixam, cada vez mais, as suas marcas no mundo online 17 de outubro de 2018 Israel Oliveira, Manuela Scipioni e Yarle Ramalho

Cada ser humano é único em gosto, ideias, educação, corpo, espiritualidade, modo de agir e de se vestir. São essas diferenças que tornam a convivência tão rica e também tão complexa. A questão é que existem pessoas que sabem lidar com essas diferenças, enquanto outras não. Nas redes sociais e nos sites de notícias, é evidente o quanto essa relação com o outro pode levar ao ódio, a partir de comentários depreciativos, machistas, homofóbicos, gordofóbicos, xenófobos, e até a crimes, como as mensagens de racismo e a intolerância religiosa.

No dia 5 de setembro, a atriz Bruna Marquezine fez um desabafo em seu perfil no Instagram sobre comentários que a chamavam de “muito magra e feia”. A atriz comentou como as palavras podem ferir uma pessoa e como ela já sofreu por conta disso. “Eu já sofri muito com distúrbio de imagem, porque na época as pessoas não comentavam que eu estava magra demais, mas que eu estava um pouco gordinha, bochechuda, quadril largo e por aí vai. E eu acreditei. Tomava laxante todos os dias e me alimentava mal. Ou eu não comia ou comia besteira, porque eu não sentia prazer em ter uma boa alimentação e cuidar de mim. Eu não estava me amando”, desabafo a atriz. Confira o vídeo:

De acordo com a psicóloga Danila Gonçalves, as redes sociais, por serem ambientes permissíveis e democráticos, favorecem muito a intolerância, “porque é possível manifestar sua opinião sem sofrer uma represália real sobre o que foi escrito”. Para ela, esse fato acaba gerando uma sensação de impunidade. “E a pessoa acredita que não será responsabilizada pelas agressões”.

É crime ou não é?

Em 2015, a jornalista responsável pelo quadro de meteorologia do Jornal Nacional da Rede Globo, Maria Júlia Coutinho, conhecida como Maju, foi alvo de comentários racistas. Mensagens do tipo “Só conseguiu emprego no Jornal Nacional por causa das cotas. Preta imunda” e “Não tenho TV colorida para ficar olhando essa preta não” foram publicadas na página do programa no Facebook. Enquanto alguns a ofendiam, outros internautas a defendiam. Artistas da emissora lançaram a campanha #somostodasmaju.

Na edição do JN do dia 3 de julho de 2015, a jornalista se pronunciou: “Muita gente imaginou que eu estaria chorando pelos corredores, mas a verdade é que eu já lido com essas questões desde que me entendo por gente. Eu não esmoreço. Tive a sorte de ter pais militantes, que sempre me orientaram a enfrentar o ódio da maneira correta”. A jornalista também exaltou o apoio recebido. “A minha militância é fazer o meu trabalho bem feito, com carinho e competência. Os preconceituosos ladram, mas a caravana passa!”.

O caso foi investigado pelo Ministério Público de São Paulo, que descobriu que os ataques vieram de um grupo de pessoas de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás, Pernambuco, Ceará e Amazonas e que, inclusive, já tinham o costume de praticar essas ações. O grupo foi denunciado pelos crimes de racismo, injúria, corrupção de menores, falsidade ideológica e formação de associação criminosa na internet. Eles podem ser condenados a penas que variam de 7 a 20 anos de prisão.

Outro caso foi a da cantora de funk Ludmilla, que foi chamada de “macaca”, “crioula” e “nojenta” por um seguidor em sua página do Instagram. A artista respondeu com a mensagem: “Alguma autoridade pode me ajudar a identificar esse homem???? Não é a primeira vez que ele faz isso. Já até bloqueei ele, mas ele continua falando essas coisas em outros instas por aí. Que ódio, só quero a justiça e mais nada. Nessa eu vou até o fim!”

De acordo a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, nos últimos 11 anos, foram quase realizadas quatro milhões de denúncias relacionadas a crimes de ódio na internet. Por dia, pelo menos 2,5 mil páginas com casos de homofobia, racismo, xenofobia, intolerância, etc. foram registrados.

Apesar do alto índice de denúncias, no Brasil, não há departamentos específicos para crimes de ódio na internet. As leis ainda se limitam aos crimes de racismo, injúria racial e outros voltados ao preconceito. Por enquanto, leis específicas que criminalizam homofobia e xenofobia, por exemplo, não existem. Porém, essas ofensas ferem drasticamente o artigo 3º da Constituição Federal, que defende que o “objetivo fundamental da República” é o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação” .

Nós ainda estamos aprendendo a conviver coletivamente e, com o advento da tecnologia, isso ficou claro. Foto: Avoador.

Para o advogado Edgard Larry, o problema é outro. “Nós ainda estamos aprendendo a conviver coletivamente e, com o advento da tecnologia, isso ficou claro. Precisamos aprender a respeitar a coletividade, precisamos praticar atitudes éticas. Devemos fazer isso porque é necessário. Porque se impõe nas relações e nas interrelações o respeito, a grandeza de compreender a diversidade, de tolerar, mas sempre em uma medida”, defende.

Uma realidade comum

Não são apenas as celebridades que sofrem esse tipo de ataque nas redes sociais, pessoas “comuns” também. Hernandez*, 21 anos, é uma dessas vítimas. Ele perdeu as contas de quantas vezes foi insultado com comentários homofóbicos e violentos na internet. As agressões começaram quando ele postou um áudio em um grupo do WhatsApp. Alguns membros do grupo consideraram sua voz como “não máscula”. Passaram então a enviar mensagens do tipo: “viado jogando online, vai dar o c#; merece apanhar na rua; merece morrer (sic)”.

Entre todas essas agressões, uma delas marcou ainda mais a vida do jovem. Ao entrar em um bate-papo de jogo online e comentar “Inhai”, outro participante o chamou no privado e escreveu: “Viado cheio de doenças, sua família não gosta de você! Você vai morrer ridículo!” Essas palavras agressivas ainda o acompanham. “Confesso que até hoje isso me afeta, até porque não tenho como não me afetar com algumas palavras que são mega pesadas, eu sou humano. Acho que os preconceituosos esquecem disso e ficam destilando esse ódio desnecessário”.

Outra vítima de homofobia é Luís* que, por ser negro, sofreu com comentários racistas. Ele já recebeu mensagens ofensivas do tipo: “Já não basta ser preto, tem que ser viado também. Só dá desgosto pra sua família”. Os ataques já vieram até de outros homens gays: “Eles acham que ser gay tudo bem, mas ser afeminado é humilhar demais a classe. É como se a gente não pudesse ser quem realmente é simplesmente para não sujar a honra dos viados machões”, comenta.

Há também as agressões contra pessoas considerados acima do peso padrão. É a chamada gordofobia. A jornalista e influencer Ellen Lapa já passou por esse tipo de situação nos comentários de redes sociais. Segundo ela, as mensagens eram sobre o seu peso. “Algumas pessoas não acreditam que uma pessoa fora do padrão possa ser digital influencer. Me sinto mal, pois na luta para aceitar meu corpo, é um passo para trás”.

Para a psicóloga Danila Gonçalves, o discurso de ódio presente na internet é fundamentado na falta de respeito. Foto: Avoador.

Para a psicóloga Danila Gonçalves, esse ódio na internet é fundamentado na falta de respeito que tem por intuito reduzir e humilhar o outro. Segundo ela, o mais grave ainda é que, na maioria dos casos, somente celebridades recebem a atenção da Polícia e têm seus casos investigados e os culpados são encontrados e punidos. Enquanto isso, as pessoas comuns passam desapercebidas.

Esses são apenas alguns dos milhões de casos de ódio que acontecem na internet. Algumas pessoas denunciam, outras não. De acordo com o advogado Larry, é fundamental denunciar e também protestar. “Não adianta apenas aguardar que a lei ou leis venham a exercer um papel punitivo, é pouco, porque [o ódio] está enraizado culturalmente nas pessoas”.

Ilustração destacada: Avoador

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