“Não fiz propaganda contra Herzem Gusmão nem a favor de Zé Raimundo”, diz o professor Cláudio Carvalho

Professor do curso de Direito da Uesb recebe representação judicial pela coligação do atual prefeito de Vitória da Conquista e candidato à reeleição, Herzem Gusmão, em função de “propaganda irregular” 28 de novembro de 2020 Jamile Duarte, Valéria Marina

Neste sábado (28/11), completa uma semana, que o professor do curso de Direto da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Cláudio Carvalho, responsável por atuar no âmbito do Direito Urbanístico, Ambiental e Agrário e Direitos Humanos e Democracia, foi surpreendido em sua casa por uma representação judicial para que suspendesse seus perfis nas plataformas de redes sociais por propaganda irregular. A coligação “O Trabalho tem que Continuar” do atual prefeito de Vitória da Conquista e candidato à reeleição, Herzem Gusmão (MDB), foi a responsável pela denúncia na Justiça Eleitoral.

A acusação mencionava duas postagens realizadas pelo professor, uma com avaliações pessoais sobre o segundo turno nas eleições municipais de Conquista e outra, que tratava das atividades acadêmicas “Cidade para Que(m)?” e “Cidade Ideal x Cidade Real”. O argumento foi de que ele fazia “uso indevido da audiência cativa dos alunos” e  do “impulsionamento orgânico no Facebook e Instagram” para  promover “propaganda eleitoral irregular”.

Por conta desse atentato à liberdade de expressão e de cátedra do docente, houve uma intensa mobilização de entidades e da sociedade civil. O Centro Acadêmico Ruy Medeiros do curso de Direito da Uesb fez uma nota, a Adusb (Associação dos Docentes da Uesb) também fez publicação de apoio e colocou a assessoria jurídica à disposição, mais de mil pessoas de todo o Brasil assinaram uma moção de solidariedade e, por último, a universidade fez uma declaração de reconhecimento e agradecimento ao trabalho realizado.  Professores e estudantes também se manifestaram nas redes sociais contra as acusações.  

Na sexta-feira (27/11), saiu o resultado da análise do  juiz Eleitoral de Vitória da Conquista, Cláudio Augusto Daltro, julgou, como improcedente a representação da Coligação de Herzem Gusmão. De acordo com o magistrado as postagens do docente não apresentam nenhuma irregularidade.

Em entrevista ao Avoador, Cláudio Carvalho comenta a retaliação recebida pelo atual prefeito, explicou as atividades acadêmicas que passou aos estudantes e qual foi a análise quantitativa e qualitativa que realizou sobre o segundo turno em Conquista. Além disso, ele dá uma aula sobre a história da cidade e como o poder político e econômico têm sido concentrado há décadas por descendentes de algumas famílias. Também compartilha o seu conhecimento de mais de 20 anos de estudo na relação entre cidade e direito e como as duas áreas estão interligadas com as questões da liberdade de expressão e de cátedra e a existência de uma democracia saudável.

Qual o motivo de você ter sido representado pela Coligação do atual prefeito de Vitória da Conquista, Herzem Gusmão?

Cláudio Carvalho: Eu fiquei bastante surpreso com a representação do prefeito Herzem Gurmão, candidato à reeleição pelo MDB. No sábado (21/11) pela manhã, eu recebi uma representação da Justiça Eleitoral solicitando que eu parasse de fazer qualquer tipo de postagem relacionada às questões da cidade, porque a coligação do atual prefeito argumentou que eu estava indiretamente fazendo campanha eleitoral. A razão foi em função de algumas ações, postagens e atividades acadêmicas que eu faço em minhas redes sociais, tanto no Instagram, Facebook ou Twitter em função da minha liberdade de expressão, em função da minha liberdade de cátedra.

Nesse período de polarização política em Conquista, essa representação  é um cerceamento da liberdade de expressão?

C.C: Entendo que foi um cerceamento da liberdade de expressão e da liberdade de cátedra, porque nós não estamos mais vivendo em um período de exceção que foi o período da Ditadura Militar, que durou no Brasil 21 anos e que você não tinha garantido os seus direitos constitucionais. Nós tivemos nesse período vários Atos Institucionais, como o Ato Institucional nº 5 de 1968, que suprimiu uma série de garantias. No entanto, a Constituição de 1988, uma constituição cidadã, garante em seu artigo 5º  o direito de liberdade de expressão e a própria Constituição também garante a liberdade de cátedra. Eu entendo que o atual mandatário, Herzem Gusmão, e as pessoas que o assessoram tiveram uma dificuldade de compreender que a pessoa que está à frente do poder público municipal está sujeita a críticas, dentro do limite obviamente, do processo civilizatório. Talvez, por ele estar passando por um processo de reeleição, houve uma pequena confusão entre o prefeito e o candidato à reeleição. Então, a Constituição, os tribunais superiores, inclusive o STF (Supremo Tribunal Federal), já é pacífico nesse sentido que aquele que está à frente de um mandato, seja no executivo ou no legislativo, tem que suportar as críticas do processo democrático, desde que não haja ofensa à honra, por exemplo. Em duas postagens que são objetos da ação, eu fiz uma atividade acadêmica para discutir a cidade, não especificamente Vitória da Conquista, qualquer cidade. Era uma atividade chamada “Cidade para que(m)?”, que eu pegava uma música de Lenine chamada “A cidade” junto com um filme argentino “Medianeiras” e o estatuto da cidade, a Lei 10.257/2001 no artigo 2º, e o aluno tinha que fazer uma relação com isso e uma intervenção nas redes sociais, na sua casa, no trabalho ou em qualquer lugar. A Uesb está em ensino remoto emergencial e o objetivo foi justamente democratizar o debate que é muito importante que a gente recupere essa capacidade de participação política do cidadão comum. Então, a gente tem que extrapolar a possibilidade de você só ter na seara, na arena política, o candidato ou o político profissional. Temos que participar ativamente, nós que não somos filiados a nenhum partido, porque a cidade é de todos e de todas.

Eu entendo que o atual mandatário, Herzem Gusmão, e as pessoas que o assessoram tiveram uma dificuldade de compreender que a pessoa que está à frente do poder público municipal está sujeita a críticas, dentro do limite obviamente, do processo civilizatório.

O que você acredita ser uma cidade democrática?

Uma cidade democrática é aquilo que já é orientado pela própria Constituição de 1988. No seu artigo 182, que é o artigo da política urbana, vai justamente falar que uma cidade deve ser planejada, deve ter como instrumento fundamental do planejamento, o Plano Diretor Urbano, deve ser orientada para as pessoas e deve ter a participação das pessoas. Então, esse artigo 182 da Constituição, junto com o artigo 183, foi regulamentado pela Lei 10.257/2001 que é chamado o estatuto da cidade. Nesse estatuto, no artigo 2º, inciso II, fala sobre gestão democrática da cidade. Então, o poder público municipal, sobretudo o executivo, precisa compreender que todo processo de planejamento e todo processo de gestão da cidade tem que ser participativo. E, mais do que participativo, tem que olhar com um cuidado muito grande, a questão das prioridades. A gente sabe que o território na cidade, alguns setores têm uma vulnerabilidade social econômica maior do que outras, como Candeias e Campinhos. São situações distintas, portanto, quando a gente fala em uma cidade democrática, é preciso compreender que o citadino ou a citadina vai participar em todas as etapas. Por exemplo, no processo de elaboração de um Plano Diretor Urbano, a população tem que participar em audiência pública. No processo de aprovação na Câmara de Vereadores, a população tem que participar. E no processo de aplicação desse Plano Diretor Urbano, a população tem que participar através do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano. Então, uma cidade democrática é a que tem a participação de todos e de todas. É uma cidade que vai olhar com um cuidado muito grande uma série de elementos, por exemplo, a questão da mobilidade urbana. A cidade é a oportunidade de você usar dos equipamentos de saúde, de educação, de segurança para que você possa ter esse serviço mais próximo da sua casa. Isso é uma cidade democrática. Uma cidade democrática é a oportunidade que você tem de morar e trabalhar na mesma região, impedindo que você faça grandes deslocamentos

Uma cidade democrática é a que tem a participação de todos e de todas.  A cidade é a oportunidade de você usar dos equipamentos de saúde, de educação, de segurança para que você possa ter esse serviço mais próximo da sua casa.

 Como é trabalhado o projeto “Cidade para que(m)”?

C.C: A ação chamada “Cidade para que(m)?” é fruto de um acúmulo de debates no nosso Observatório das Cidades e Políticas Públicas. Eu tenho um projeto de pesquisa devidamente cadastrado na Pró Reitoria de Pesquisa e nós temos uma série de ações para fazer o debate no tocante ao que a gente chama de segregação socioespacial ou homogeneização de vizinhança. Em síntese, quando a gente questiona “Cidade para que(m)?”, é no sentido que todo morador da cidade precisa compreender que ele não é uma construção meramente técnica, ele não é simplesmente uma construção “espontânea”. Existe toda uma orientação do aparato legal, a legislação urbanística vai desenhar fronteiras de poder. Então, percebe-se historicamente no Brasil que você vai colocar pobre do lado do pobre e rico do lado do rico. A França em 1853 teve um prefeito chamado Barão de Haussmann. Ele, orientado por Napoleão III, fez todo um processo de deslocamento da população mais pobre das áreas centrais para as áreas mais distantes, deixando a população mais rica nesses locais, o que a gente chama de higienismo social. Isso aconteceu aqui no Brasil também nessa transição do Império para a República. Então, você vai perceber que existe toda uma lógica orientada para isso. Há o Código de Posturas, a Lei de Uso e Ocupação de São Paulo de 1886 e também a Lei de Uso e Ocupação de solo de 1889 do Rio de Janeiro vai efetivamente estabelecer parâmetros técnicos para você construir a cidade. Só que por trás desse parâmetro técnico, existe toda uma ideologia política que é justamente o que a gente chama de segregação socioespacial ou homogeneização de vizinhança. Então, a proposta quando a gente faz o “Cidade para que(m)?” é justamente de questionar para quem efetivamente é a cidade. Em Vitória da Conquista, a densidade demográfica (cálculo realizado para saber a quantidade de pessoas que moram em determinado território) do lado oeste é infinitamente maior do que do lado leste. No entanto, você tem uma série de equipamentos públicos que são alocados na zona leste, como o Cemae, a UFBA, todo o complexo jurídico e judiciário, Justiça Federal, Justiça Comum, Ministério Público. É preciso questionar, e o projeto visa isso.

Existe toda uma orientação do aparato legal, a legislação urbanística vai desenhar fronteiras de poder. Então, percebe-se historicamente no Brasil que você vai colocar pobre do lado do pobre e rico do lado do rico.

De que modo o projeto era desenvolvido antes da pandemia?

C.C: O projeto antes da pandemia ocorria como todas as atividades que eu desenvolvo. Na minha disciplina, nós sempre fazemos aulas de campo. O resultado dessa aula de campo junto com a terceira unidade da disciplina é uma intervenção. Eu faço na primeira unidade uma prova aberta que o aluno tem que responder em casa com consulta; na segunda unidade, faço uma prova objetiva sem consulta; na terceira unidade é justamente essa intervenção. Então, o projeto é em função dessa atividade de ensino que o aluno tem que fazer uma intervenção na cidade. Essa intervenção pode acontecer de qualquer forma, mas, necessariamente, é para dialogar com os espaços que você tem, por exemplo, os espaços vazios. Por que Conquista tem tanto terreno vazio e tem o “Minha Casa Minha Vida” na Secretaria de Desenvolvimento Social da Prefeitura Municipal de Conquista com uma fila de sete mil famílias, se a gente tem uma quantidade enorme de terrenos que servem de especulação imobiliária? O objetivo da atividade era presencialmente o aluno questionar isso. Ele tinha, e tem ainda, total autonomia para fazer essa intervenção.

Por que Conquista tem tanto terreno vazio e tem o “Minha Casa Minha Vida” na Secretaria de Desenvolvimento Social da Prefeitura Municipal de Conquista com uma fila de sete mil famílias, se a gente tem uma quantidade enorme de terrenos que servem de especulação imobiliária?

Conquista é uma cidade para quem?

Vitória da Conquista historicamente é uma cidade que é orientada para elite. De 1975 para 1976, nós tivemos um prefeito chamado Jadiel Matos que fez o primeiro Plano Diretor Urbano da cidade. Um plano muito bom em que Jadiel Matos teve uma capacidade de visão para o futuro, mas não saiu do papel, o que a gente chama de plano discurso. Logo depois, em 1979, nós tivemos a primeira lei de uso e ocupação do solo em nível nacional. Vitória da Conquista tem uma característica que a gente chama de política de parentela. Antigamente, não existia Prefeitura, por exemplo, mas tinha os chamados intendentes que eram as pessoas que organizavam efetivamente a parte política da cidade. Se a gente observa uma árvore genealógica desses intendentes e seus descendentes, desde o primeiro por volta de 1760-1780 quando ainda era Vila Imperial da Conquista, a gente vai perceber que sempre tem uma relação de parentesco. O atual prefeito Herzem Gusmão descende do primeiro intendente de Conquista. Portanto, você vai ter ainda aqui em Conquista, uma característica de cidade provinciana que é justamente essa questão de famílias, e isso vai estabelecer uma dinâmica que a relação política necessariamente está atrelada ao poder econômico e ao poder social. Quanto maior a capacidade econômica e social, maior é a capacidade política também de intervenção na cidade. Consequentemente, a construção da cidade vai seguindo esses interesses. Então, você vai ter, por exemplo, determinadas situações de aprovação de loteamentos posteriores a 1979 na Prefeitura de Conquista que a legislação já obrigava que o loteador a entregar o loteamento relativamente com infraestrutura básica, com no mínimo três elementos: pavimentação, iluminação e drenagem. E percebemos que a Prefeitura historicamente não fez isso na cidade, observar o que a legislação disciplinava. Depois vai o próprio poder público que está ligado à família desse loteador e faz o investimento público. Então, na verdade, o loteador, que chamo de prefeito loteador, enriquece duplamente. Ele enriquece porque não teve o custo na época que ele aprovou o loteamento na Prefeitura e indiretamente vai enriquecer porque vai receber um investimento público que, na verdade, ele que deveria fazer. Então, você vai perceber isso na dinâmica de Conquista em várias situações. Atualmente, você analisa a duplicação recente da avenida Olívia Flores, uma obra importante, mas a mesma sensibilidade você não vê na avenida Brumado. A legislação diz que não pode ter ocupação ou habitação em área de parque, por exemplo. O Parque Municipal da Serra do Periperi na Cidade Maravilhosa houve ocupação e a Prefeitura fez reintegração de posse, tirou todo mundo. No entanto, em outros lugares, a legislação é flexibilizada. Um exemplo bastante emblemático é o caso do Caminho do Parque que é um loteamento que pertence a cidade. Então você tem a permissão de colocar cancela, por exemplo, impedindo o trânsito das pessoas.

Você vai ter ainda aqui em Conquista, uma característica de cidade provinciana que é justamente essa questão de famílias, e isso vai estabelecer uma dinâmica que a relação política necessariamente está atrelada ao poder econômico e ao poder social. 

Você acredita que fez algum tipo de propaganda para o candidato Zé Raimundo, adversário a Herzem Gusmão? Por quê?

 Eu não acredito que eu fiz nenhuma propaganda contra Herzem Gusmão e nem a favor de Zé Raimundo. Eu fiz um post nas minhas redes sociais que foi objeto da ação também que eu entendo no meu direito de liberdade de expressão que foi pegar uma avaliação que eu fiz na TV e Rádio Uesb e sistematizar. O que eu fiz foi pegar os dados do primeiro turno, comparar com os dados do primeiro turno de 2016, que inclusive está disponível para todos acessarem nas minhas redes sociais, eu ressaltei a importância, o feito de Herzem Gusmão em romper com 20 anos de governo de PT. Esse não é um feito qualquer. É um feito muito grande, inclusive eu coloco as razões porque o PT perdeu as eleições naquele momento. Falo que inclusive o governo de Guilherme Menezes de 2012 a 2016 não fez um governo tão inovador. Para quem já está há 20 anos no governo, deveria ser mais. Eu coloquei que as divergências internas dentro do Partido dos Trabalhadores fizeram com que nós não tivéssemos uma capacidade avaliada naquele momento daquela candidatura de fazer o seu sucessor e foi o que de fato aconteceu. A partir do momento que eu comparo 2016 com 2020, é preciso deixar claro: Herzem Gusmão perdeu a eleição. Momentaneamente, mas perdeu. Porque se você pega os dados e compara, você percebe que houve um acréscimo de 300 votos para Herzem Gusmão de 2016 para 2020 no primeiro turno. Enquanto para Zé Raimundo, que ganhou o pleito no primeiro turno, teve um acréscimo de 30 mil votos. Portanto, além de ganhar 30 mil votos, ele ganhou o primeiro turno, e eu coloco as razões que compreendo enquanto pesquisador dos motivos de Herzem ter perdido a eleição. Eu coloco a questão da falta de conseguir passar para a população de ser um bom gestor. É preciso deixar claro que Herzem Gusmão terceirizou a cidade, contratando uma quantidade enorme de fundações. Isso está no Diário Oficial, não fui eu que inventei. Ele fez isso em várias ações, e isso fez com que a administração não tivesse uma cara dele. O segundo aspecto foi justamente deixar para os últimos dois anos, as principais obras que inclusive, a grande parte não é dele. Foram obras herdadas das administrações anteriores. Portanto, mais uma vez, ele não conseguiu mostrar que realmente fez um governo de planejamento. E a última variável que eu coloco é a questão da identificação de uma direita conservadora bolsonarista em Vitória da Conquista com a candidatura de Herzem que não é novidade. Então, se você pega os dados, Zé Raimundo ganhou na zona rural com uma grande diferença, ganhou na zona oeste apertado e Herzem Gusmão ganhou de maneira bastante folgada na zona leste. Então, claramente essa direita conservadora está localizada nos bairros Candeias, Recreio. Você percebe facilmente a partir do recorte eleitoral essa identificação. Então, o que fiz foi uma análise quantitativa e qualitativa. A coligação, Herzem ou qualquer pessoa pode até discordar, mas não pode desqualificar que houve qualquer ofensa. Foi uma avaliação a partir de categorias científicas.

Herzem Gusmão terceirizou a cidade, contratando uma quantidade enorme de fundações. Isso está no Diário Oficial, não fui eu que inventei. Ele fez isso em várias ações, e isso fez com que a administração não tivesse uma cara dele.

Como você recebeu todo o apoio em favor da sua liberdade de expressão e de cátedra enquanto professor?

Eu fiquei bastante feliz com toda mobilização da população em relação a essa situação, pois hoje sou eu e amanhã pode ser qualquer pessoa, qualquer professor. Nós tivemos uma moção de apoio que já chega a mil assinaturas [até o momento da entrevista] de gente de todo o Brasil. Eu faço parte do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, faço parte do BR Cidade que é uma organização científica, portanto, a nossa trajetória acadêmica de discutir a cidade e o urbanismo não é de agora, eu tenho uma trajetória de 20 anos. Então, quando todo o Brasil ficou sabendo que eu estava sofrendo um cerceamento, uma censura no meu direito de expressar, tanto meu direito de liberdade de expressão como de cátedra, todo mundo ficou verdadeiramente indignado. Então não só aqui essas mil assinaturas, mas também, a mobilização dos alunos, alunas e ex-alunas, que hoje já chega a mais de 200 assinaturas também, em outro manifesto. Nós tivemos o outro manifesto da associação, e que representa o nosso sindicato Adusb (Associação dos Docentes da Uesb), e um outro manifesto que foi justamente da reitoria. A reitoria fez uma nota de apoio dizendo sobre a minha trajetória enquanto docente de dedicação exclusiva há 15 anos na Uesb, que pratica ensino, pesquisa e extensão. Então eu reputo para além da questão personalística que foi justamente a mobilização da população no sentido de mostrar: censura nunca mais. A gente não tolera qualquer tipo de autoritarismo em um estado democrático de direito.

Eu reputo para além da questão personalística que foi justamente a mobilização da população no sentido de mostrar: censura nunca mais. A gente não tolera qualquer tipo de autoritarismo em um estado democrático de direito.

 O que você espera para o futuro de Vitória da Conquista?

O que eu espero para Vitória da Conquista, eu espero para o Brasil. É preciso que a gente possa ter capacidade de diálogo, ter condições de viver com o diferente. Eu, ano passado tive uma situação bastante emblemática que foi a inauguração do Aeroporto Glauber Rocha, que o atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, esteve aqui, a Adusb organizou uma ação contra a Reforma da Previdência, e nós fomos lá e fomos proibidos por pessoas que poderiam ser meus vizinhos, meu aluno ou minha aluna, de abrir uma faixa contra a Reforma da Previdência. Isso não pode acontecer. A gente tem que respeitar o direito do outro se manifestar. Processo eleitoral tem de a cada dois anos praticamente no Brasil, e a nossa convivência fraternal, solidária, acontece todo dia. Uma cidade não pode ser construída na base do ódio, na base da indiferença, nem na base do extermínio daquele que é diferente de mim. Uma cidade é construída com esperança, de forma justa, democrática, solidária, em que todos, todas e todes possam efetivamente desfrutar de absolutamente tudo que tem na cidade. É isso que eu penso, é isso que eu acredito, é isso que eu luto todo dia pra que a gente tenha efetivamente uma cidade que seja justa, democrática e sustentável.

Uma cidade não pode ser construída na base do ódio, na base da indiferença, nem na base do extermínio daquele que é diferente de mim. Uma cidade é construída com esperança, de forma justa, democrática, solidária, em que todos, todas e todes possam efetivamente desfrutar de absolutamente tudo que tem na cidade.

 Em sua opinião, como seria o cenário ideal para um professor trabalhar e se expressar livremente?

O cenário ideal é aquele que o professor tenha segurança e tranquilidade para trabalhar. É inadmissível que a gente tenha ações perpetradas por alguns grupos, por exemplo de escola sem partido, em que deseja que o professor não possa contextualizar. Imagine só que eu vou discutir Plano Diretor Urbano de Conquista sem falar dos problemas da cidade, se um movimento de escola sem partido, ou se, projetos que correm no Congresso Nacional. A gente vai perder algo que é fundamental para a universidade, que é a capacidade de crítica, a capacidade de reflexão, a capacidade de você produzir conhecimento. A universidade não está simplesmente para reproduzir conhecimento de forma mecânica e automática, a universidade está ali para fazer esse processo de embate, de discussão, respeitando as orientações políticas, religiosas, partidárias. Mas cabe à universidade no espaço acadêmico, nesse espaço que pra mim é sagrado, que é o espaço da sala de aula, a oportunidade e a tranquilidade. Eu preciso estar tranquilo em sala de aula, sem o temor que um aluno está me gravando para depois usar essa gravação em um processo judicial. Eu tenho que estar tranquilo para falar, discutir qualquer assunto sem temor de ter uma representação por qualquer pessoa que seja, em função da minha atividade acadêmica. 

Universidade não está simplesmente para reproduzir conhecimento de forma mecânica e automática, a universidade está ali para fazer esse processo de embate, de discussão, respeitando as orientações políticas, religiosas, partidárias. 

 

* A entrevista teve partes editadas para possibilitar ao leitor uma melhor compreensão do texto.

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