“Os trabalhadores assalariados serão os mais atingidos com a reforma administrativa”, alerta presidente da Adusb

Os deputados a favor da PEC32 esperam que o texto seja votado até quinta-feira (16/09) e, se for aprovado, irá ao plenário da Câmara 14 de setembro de 2021 Anna Clara, Bethânia Guimarães e Lucas Nascimento

Nesta terça-feira (14/09), em Brasília, a Comissão Especial da Câmara Federal iniciou a discussão sobre a proposta de emenda à Constituição, a PEC32, a reforma administrativa, a partir do parecer do relator, Arthur Maia (DEM-BA). Os deputadores governistas esperam que o texto seja votado até quinta-feira (16/09) e, se for aprovado, irá ao plenário da Câmara. A sessão começou por volta das 10h e mais de 50 deputados se inscreveram para falar sobre a matéria. 

Do lado de fora do Congresso, desde a manhã de hoje, milhares de servidores públicos e representantes dos principais sindicatos do país protestam contra a PEC32, que objetiva tirar direitos do funcionalismo brasileiro. Eles também foram receber os deputados federais que chegavam de outros estados no aeroporto da capital federal. A PEC32 é considerada a reforma trabalhista do serviço público que o governo do presidente Jair Bolsonaro pretende implementar.

Os deputadores federais foram recepcionados no aeroporto de Brasília. Foto: CSP/ConLutas

Por se tratar de PEC, que altera a Constituição, o texto da Reforma Administrativa, se aprovado pela comissão, terá um trâmite a ser percorrido. Em plenário, ele precisa do voto favorável de 3/5 dos parlamentares, 308 deputados, em dois turnos da votação. Após essa etapa, a proposta será encaminhada ao Senado Federal, onde passará pela Comissão de Constituição e Justiça e, só depois, irá ao plenário,  onde vai precisar dos votos de 3/5 dos parlamentares (ou seja, 49 senadores), em dois turnos de votação. Para ser promulgada, a  mesma versão da PEC precisa ser aprovada pelas duas casas. Caso haja mudança no Senado, o texto volta para a Câmara e precisa novamente ser aprovado em dois turnos.

No relatório de Maia em discussão, foi retirado um dos pontos mais polêmicos, o fim da estabilidade dos servidores públicos concursados. “O mecanismo inibe e atrapalha o mau uso dos recursos públicos, na medida em que evita manipulações e serve de obstáculo ao mau comportamento de gestores ainda impregnados da tradição patrimonialista”, argumenta o relator em entrevista ao site Gazeta do Povo.

Na proposta do Executivo, somente os ocupantes de cargos das chamadas carreiras típicas de Estado teriam o direito assegurado a partir da entrada em vigor das novas regras — o texto enviado pelo governo não dizia quais carreiras seriam essas, deixando a definição para lei complementar posterior.

A versão do relator, no entanto, restringe o alcance da estabilidade, uma vez que cria o contrato temporário no funcionalismo, além de estabelecer as diretrizes para a avaliação de desempenho do servidor, que pode levar à demissão em caso de insuficiência.  Também foi incluído no substitutivo a possibilidade de desligamento de servidores estáveis que ocupam cargos que se tornem desnecessários ou obsoletos. Neste caso, o ocupante será indenizado. A hipótese será aplicada apenas para quem for admitido após a publicação da emenda constitucional.

Para entender mais sobre a PEC32, o Avoador conversou com o presidente da Associação dos Docentes da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Adusb), Alexandre Galvão. Ele critica a atual proposta do governo Bolsonaro pela falta de transparência do projeto, aponta os interesses econômicos internacionais em assumir os serviços públicos brasileiros e sugere uma reforma administrativa que seja para melhorar o serviço público a partir do real conhecimento sobre o que é arrecadado no país e o quanto é possível investir nos equipamentos para melhorar o atendimento aos cidadãos e dar melhores condições de trabalho aos servidores. “A grande maioria dos funcionários públicos não ganha mais do que três salários. Essa ideia que os funcionários têm um super salário, que são privilegiados, não é verdade.”

Avoador – Como surgiu a  proposta de reforma Administrativa, a PEC32?

As origens são, na verdade, o interesse do governo, do Estado, em transformar o papel do estado brasileiro e em atender aos interesses financeiros dos setores privados que têm força e que querem avançar sobre os fundos públicos. A PEC 32, que é a reforma administrativa, tem como objetivo criar as condições para que o setor privado possa avançar de forma mais robusta sobre serviços que eram antes desenvolvidos pelo estado, e agora vão passar a responsabilidade para o setor privado. As origens da reforma administrativa são esses ataques aos fundos públicos que por meio das contrarreformas atacam os direitos e, obviamente, vai transformar o estado brasileiro, prejudicando a maior parte da população. 

Avoador – Ao propor a reforma administrativa, o governo Bolsonaro parte da avaliação de que o Estado brasileiro é “caro, inchado e ineficiente”.  Qual a base desse argumento?

Na verdade, o Estado brasileiro reza na cartilha dos grandes sistemas financeiros internacionais, ou seja, existe uma cartilha dos setores internacionais, como o Banco Mundial, que ́passam  esse receituário para todos os países, na perspectiva,  de beneficiar o capital internacional, do âmbito financeiro, com medidas que estão relacionadas com essas contrarreformas. Então qual é a questão? Temos dois elementos fundamentais: o estado cria um discurso de que os servidores e o serviço público são muito caros, e que o estado não tem condições de pagar esses serviços e, por conseguinte, esses servidores. Mas, a verdade, é que, para essa PEC, por exemplo, o Governo Federal, transformou os documentos que a sustentam em sigilosos. Ninguém tem acesso a esses documentos. Ele conseguiu aprovar que só se terá acesso aos documentos que dão sustentação a ela depois que ela for aprovada. Por quê? Porque o governo quer esconder da população os gastos públicos. Como é que são utilizados esses gastos públicos? Mas como esses gastos são utilizados? 53,9% é utilizado para o pagamento da dívida pública. Uma outra questão importante, que vale ressaltar, para desconstruir o argumento do governo de que os servidores públicos são os grandes responsáveis pelo endividamento do estado, é dizer que de 1991 a 2015 a população cresceu mais de 35% e o serviço público cresceu 8%, então é uma desproporção muito grande entre o crescimento populacional que precisa dos serviços públicos e o próprio serviço público. Além do mais, a grande maioria dos funcionários públicos não ganha mais do que três salários. Essa ideia que os funcionários têm um super salário, que são privilegiados, não é verdade. Por que a grande maioria deles não ganham mais que três salários, portanto, esse argumento do governo não se sustenta.

 Acabar com o regime jurídico único, acabar com os concursos públicos, e acabar com esse planos de carreira, significa o quê? Significa que o governo quer instituir que os setores do estado em que o serviço público atua ficarão agora a cargo do setor privado

Avoador – Quais são os pontos mais preocupantes da PEC32?

Como servidor público e, obviamente, como presidente da Adusb, nos preocupa muito a parte dos motivos que foram aqui apresentados, que mostram que os argumentos para a instituição da contrarreforma não se sustentam. Nem do ponto de vista da arrecadação e nem do ponto de vista dos gastos que os servidores públicos impactam tanto no âmbito federal, municipal, estadual. Essa reforma administrativa tem alguns objetivos claros. Primeiro, eles querem acabar com a estabilidade do serviço público e querem também acabar com o regime jurídico único, que são dois elementos importantes. Porque o servidor só entra no serviço público por meio de concurso público, e, ao entrar por meio do serviço público, ele adquire algo que é importante, porque reforça a impessoalidade na medida em que pode trocar de governo, de presidente, governador, prefeito, e o emprego está garantido por meio de uma estabilidade. No entanto, essa estabilidade não significa que ele não possa ser demitido. Obviamente, ele está sujeito a regras no seu trabalho de cobrança, a regras que podem sofrer processo administrativo e pode, sim, perder o seu emprego. Essa estabilidade não significa que ele não tenha compromisso com o seu trabalho e com a população. 

Entre 1991 e 2015, a população cresceu mais de 35% e o serviço público cresceu 8%. Foto: CSP/ConLutas

Acabar com o regime jurídico único, acabar com os concursos públicos, e acabar com esse planos de carreira, significa o quê? Significa que o governo quer instituir que os setores do estado em que o serviço público atua ficarão agora a cargo do setor privado. Que o setor privado vai poder atuar no serviço público por meio de terceirizações, e por meio também de um processo de privatização no qual a prioridade para construir, por exemplo, escolas e hospitais e outros serviços essenciais ficam a cargo do setor privado, das grandes empresas. O estado só vai atuar nos setores em que as grandes empresas não quiserem mais atuar. Então, agora, com a reforma, o estado só atua nas bordas. Então a contra reforma administrativa é pra acabar, mesmo. Ela não vai deixar pedra sobre pedra. Ela vai destruir todo o patrimônio público, o setor público construído ao longo desses anos e entregar de bandeja para o setor privado. 

Não é acabando com os serviços públicos que você vai melhorar a situação do serviço público à população. Muito pelo contrário, o caminho deveria ser outro

Avoador – Quais deveriam ser as premissas para uma reforma administrativa adequada e capaz de melhorar o serviço público efetivamente?

Nós chamamos essa PEC32 de contrarreforma administrativa porque ela vem para prejudicar, ela vem para acabar com o serviço público. Agora é possível fazer uma reforma administrativa. Então quais seriam as premissas para se levar a cabo uma reforma administrativa? Primeiro fazer uma auditoria da dívida pública para que por meio desta nós possamos saber o quanto o estado deve e o quanto é possível para se de fato utilizar o que é arrecadado pelo estado em investimentos. A segunda premissa é a transparência. Ou seja, você não pode querer fazer uma reforma e dizer que os documentos são sigilosos. Qualquer tipo de reforma exige uma transparência nos documentos que sustentam a mesma. Terceiro, a premissa de que qualquer reforma administrativa venha para reforçar o serviço público para que o atendimento da população seja feito com mais qualidade e que atinja maiores setores da população que cada vez mais se encontram pauperizados e cada vez mais precisam do setor público. A premissa, na verdade, não é você reduzir os serviços essenciais, mas, sim, ampliar esses serviços essenciais. Fizeram a contrarreforma trabalhista e não aumentaram os postos de trabalho. Fizeram a reforma da previdência, e o chamado déficit do setor não resolveu o problema porque o estado utiliza o dinheiro da previdência para outros fins. Essa contrarreforma administrativa vai pelo mesmo caminho. Não é acabando com os serviços públicos que você vai melhorar a situação do serviço público à população. Muito pelo contrário, o caminho deveria ser outro. 

O presidente da república pode, por meio de uma canetada fechar instituições de ensino superior, além das universidades, o que também coloca em risco a educação pública superior do país

Avoador – Como essa reforma administrativa do governo Bolsonaro vai atingir as universidades públicas?

Primeiro há a dificuldade de você contratar, fazer concurso público. Porque a ideia é acabar com os concursos públicos e, de fato, cimentar a terceirização dentro da educação. Ou seja, você não vai ter mais professores concursados, você vai ter profissionais cada vez mais terceirizados, ganhando um salário muito baixo, e com as condições de trabalho precarizadas. Eles vão trabalhar muito para ganhar muito pouco. E outra, o setor privado está de olho na universidade pública há muito tempo, porque ele sabe que é um filão. Então, provavelmente pode vir ai o pagamento de mensalidade, quer dizer,  a universidade vai deixar de ser gratuita. É um processo que vem em cascata. E como eu disse, a maioria da população que precisa muito da universidade vai ficar de fora. E esse é o aspecto mais grave, até porque o presidente da república pode, por meio de uma canetada fechar instituições de ensino superior, além das universidades, o que também coloca em risco a educação pública superior do país. 

Alexandre Galvão acredita que, em caso de aprovação da contrarreforma administrativa, logo em seguida, os governadores e prefeitos farão as suas reformas. Foto: Adusb

Avoador – Como essa reforma atinge os servidores públicos estaduais e municipais?

 A reforma é uma PEC que mexe na Constituição e, inicialmente, está voltada para o setor público federal. Da mesma forma que aconteceu com a contrarreforma da previdência, ou será criado algum dispositivo dentro da PEC que possa levar com que estados e municípios tenham que fazer a sua contrarreforma administrativa, ou então, como aconteceu também com a reforma da previdência, governadores e prefeitos irão realizar as suas contrarreformas, que podem, inclusive, como aconteceu em alguns estados com a reforma da previdência, serem de forma ainda mais dura do que a do governo federal.  Nós não temos dúvida de que, em caso de aprovada a contrarreforma administrativa, logo em seguida os governos estaduais e municipais vão seguir a mesma cartilha. E a dívida pública é um sistema no qual os estados e municípios também devem muito ao governo federal. E como eles devem muito ao governo, esse sistema da dívida é como moeda de troca para, por exemplo, liberar dinheiro, como o que aconteceu agora na pandemia. Dito isso, o governo federal só liberou o dinheiro aos estados, para utilização na pandemia, se eles se comprometessem a não aumentar os salários dos servidores públicos e também a não fazer concurso público. É exatamente nessa linha que deve vir também a reforma administrativa. Ou seja, a reforma administrativa começa junto aos servidores públicos federais, mas vai se expandir com certeza para os servidores públicos estaduais e municipais.

 A população mais pobre, a classe trabalhadora, será a mais atingida com a reforma. Os trabalhadores que dependem de salário são aqueles que mais usam a escola pública, o Sistema Público de Saúde (SUS)

Avoador – Qual será a população mais atingida?

A população mais pobre, a classe trabalhadora, será a mais atingida com a reforma. Os trabalhadores que dependem de salário são aqueles que mais usam a escola pública, o Sistema Público de Saúde (SUS). Na medida que você vai privatizando tudo, você torna a vida mais. No setor do petróleo, a reforma vai deixar toda a parte de produção e distribuição do petróleo refinado para o setor privado. Isso significa que tudo isso vai sair da mão do setor público para o setor privado, e esse processo de desestatização vai levar, portanto, a uma situação de exclusão social muito forte. E os setores da população, da classe trabalhadora, que vivem de salário, serão muito prejudicados. Os servidores públicos em geral, hoje, já estão com seus salários cada vez mais pauperizados. Na Bahia, mesmo, nós já vivemos um congelamento salarial de seis anos, o que já demonstra um processo de sucateamento do estado e do serviço público. 

O que fazer para evitar a aprovação da PEC32?

É necessário mobilizar os servidores e explicitar à população que a PEC significa o fim dos serviços públicos. A privatização dos serviços públicos significará perda de possibilidade da classe trabalhadora ter acesso ao SUS, à universidade pública. É preciso denunciar por meio das redes, das mídias o significado da contrarreforma. Os sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais devem usar todas as suas armas para mostrar que os verdadeiros privilegiados não serão atingidos pela PEC 32. A mobilização em Brasília junto aos deputados também é importante para demonstrar que quem votar a favor da PEC terá sua reeleição ameaçada.

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