CPI dos combustíveis e do gás de cozinha aponta indícios de cartel em Conquista

O relatório final da investigação, apresentado no dia 1° de outubro de 2019, mostra que existem práticas ilegais por parte das distribuidoras, mas não dos postos de comercialização 11 de novembro de 2019 Gabriel Pires, Gabriela Oliveira, Gil Santos, Naylla Peixoto e Thais Oliveira

No dia 17 de maio de 2019, a Câmara Municipal de Vitória da Conquista criou uma Comissão de Inquérito (CPI) para investigar os preços dos combustíveis estabelecidos pelos produtores, distribuidores e revendedores para comercialização nos postos de gasolina da cidade e também do GLP (Gás Liquefeito de Petróleo), mais conhecido como gás de cozinha. A CPI, que tem como presidente o vereador Professor Cori (PT), surgiu a partir de reclamações de pessoas como Allan Lima, que é estudante de Engenharia Elétrica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), campus de Vitória da Conquista, e trabalha como motorista de Uber há um ano.

Allan abastece o seu carro cinco vezes por semana e gasta entre R$50,00 e R$100,00 por abastecimento. Em média, ele paga R$ 4,79 por litro de gasolina comum. “Eu acredito que há cartel nos postos de Conquista e represália para aqueles que não aderem ao sistema, acho que deveria ter uma fiscalização”, ressaltou o estudante. O gerente administrativo, Cristovão García, também questiona a pouca diferença nos preços dos diferentes postos da cidade. “Eu pago entre R$4,72 e R$4,73 de gasolina, gasto mais ou menos R$150,00 a cada sete dias, e percebo que a diferença de um posto para outro é mínima.”

Enquanto o preço de revenda em Jequié é de R$4,25, em Conquista, a gasolina é comercializada por R$4,70. Foto: Gabriela Oliveira

Outro motorista de aplicativo, que pediu anonimato, disse que só abastece o seu carro com álcool porque o preço da gasolina está cada vez mais alto. “Eu sei que existe cartel nos postos de Conquista, todos nós sabemos, mas a gente não pode nem conversar sobre isso. Daqui a pouco, esse povo ‘vai querer matar nóis’. Eu sou do tipo que não vi, não sei.”

O preço do gás de cozinha também é motivo de reclamação dos moradores de Conquista. A estudante Aquelina Gama divide uma casa com mais três pessoas. Um botijão de gás de 13 quilos, no qual eles pagam R$68,00, costuma durar de 3 a 4 meses. Aquelina acredita que há formação de cartel na cidade por causa da pouca variação de preço nas vendas de botijão.

O cartel é uma prática ilegal no Brasil caracterizada como “crime contra a ordem econômica”, segundo a Lei 8.137, Art 4°. Ele acontece quando duas ou mais empresas do mesmo segmento se unem estrategicamente para prejudicar o consumidor e obter mais lucros. Para controlar o mercado em que estão inseridas, as organizações combinam a quantidade do produto que será produzida e também os preços pelos quais serão vendidos. Dessa forma, haverá uma alta nos valores devido a procura. Os empresários que realizam essa prática estão sujeitos a multa ou a uma pena de dois a cinco anos de prisão.

Resultado da CPI

A CPI dos Combustíveis e do Gás Liquefeito de Petróleo (Gás de Cozinha) composta, além do presidente, pelos vereadores Sidney Oliveira (Republicanos) – relator; Rodrigo Moreira (PP) – secretário; Cícero Custódio (PSL) e Hermínio Oliveira (Cidadania), apresentou o relatório final no dia 1º de outubro de 2019, no Plenário da Câmara de Vereadores de Conquista. O resultado das investigações apontou a formação de oligopólio e cartel por parte das distribuidoras de combustível e gás natural da cidade, não na revenda dos produtos realizada pelos postos de comercialização.

Segundo o presidente da CPI, vereador Professor Cori, a comissão considerou muito alto o preço da gasolina comum em Conquista. Para ele, é necessário uma intervenção imediata do governo do estado. “A tributação por parte da gasolina “C” é abusiva, chegando a quase 46% do preço final do produto. Também consideramos alta a margem de lucro das distribuidoras. Elas estão encarecendo os preços para o consumidor final”.

Trajeto da gasolina da Petrobras até o consumidor. Foto: Reprodução/Petrobras

De acordo com dados da Petrobras, 60% dos veículos em circulação no país são abastecidos por gasolina “C”, uma mistura de gasolina “A”, produzida pela empresa, com o etanol anidro. Segundo a lei do Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool (CIMA), a gasolina “C” deve ter entre 18% e 27% de etanol anidro. Caso a porcentagem dessa substância seja maior, a empresa revendedora pode ser interditada, como aconteceu em Conceição do Jacuípe, no Recôncavo Baiano, onde foram encontrados tanques de armazenamento de combustível com percentual de 77% a 79% de etanol anidro nas gasolinas comum e aditivada, respectivamente.

O relatório da CPI  comparou os preços da gasolina vendida em Conquista com os de outras cidades baianas. A capital do Sudoeste baiano ficou em sétimo lugar, em um ranking de 30 municípios pesquisados, à frente das duas maiores cidades do estado, Salvador e Feira de Santana. Enquanto o preço de revenda em Jequié é de R$4,25, em Conquista, a gasolina é comercializada por R$4,70.

Para o vereador Professor Cori, há uma variação nos preços por causa da concorrência do mercado e do controle de margem de lucro por parte das distribuidoras. “É preciso mais investigações para que esse preço possa ser reduzido em Vitória da Conquista.”, disse. O economista, Marco Antônio Longuinhos, explica que o sistema econômico brasileiro optou por fazer incidência tributária via consumo. “Isso torna toda relação de consumo mais cara porque a incidência cai sobre ela, principalmente quando falamos da questão dos combustíveis e do gás de cozinha, que são evidentemente caros no país”, esclareceu.

Gás de cozinha: preço alto

Dono de um restaurante em Conquista, Eleandro Signori costuma utilizar entre quatro e cinco botijões, por semana, em seu negócio. Geralmente, ele faz uma pesquisa de preços antes de adquirir o produto e disse que os valores variam entre R$ 57,00 e R$ 62,00 em um botijão de 13 quilos. Na casa de Lucivone Paiva, que mora sozinha, o gás de cozinha dura em média de dois a três meses. Ela compra sempre com uma conhecida que vende a R$70,00 à vista.

O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) também realizou uma comparação dos preços do gás de cozinha em 30 cidades da Bahia. Se no ranking da gasolina, Conquista ocupou o sétimo lugar, dessa vez, o município ficou uma posição acima, sendo a 6ª cidade com preço mais alto. O valor de revenda em Vitória da Conquista é de R$ 67,06 e em Jequié de R$ 52,83, uma diferença de R$ 14,23.

Comparado a gasolina “C”, que tem o valor de distribuição e revenda de 11%, a cada litro, o botijão de 13 quilos tem uma fatia de 46% de distribuição e revenda. Para o economista, Marco Antônio Longuinhos, essa porcentagem é maior por causa da margem de lucro do empreendedor final. “O preço se amplia fazendo com que tenhamos uma estrutura de preços mais elevada. Tanto no caso do combustível, como no gás de cozinha, devemos nos atentar para a formação de oligopólio. São um grupo menor de vendedores que, entre si, negociam preços, fazendo com que o preço se eleve a um patamar maior”.

Órgãos de fiscalização

O relatório final da CPI sugere que o Ministério Público Federal (MPF) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) responsabilizem as distribuidoras por “abuso de poder econômico quando praticam indevidamente assimetria da transmissão do preço”, o que caracteriza formação de cartel, crime contra a ordem econômica, segundo a Lei 8.137, Art. 4°. Essa prática acontece quando há um acordo entre empresas com o objetivo de fixar preços e quantidades de produção e, assim, controlar o mercado.

O relatório final da CPI dos Combustíveis e do Gás Liquefeito de Petróleo (Gás de Cozinha) foi apresentado no dia 1º de outubro na Câmara de Vereadores de Conquista. Foto: Ascom/CMVC

Além disso, a CPI da Câmara de Vereadores aponta que o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), juntamente com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), deve fiscalizar as redes de postos de combustíveis que apresentam preços mais altos em Conquista do que em municípios vizinhos nos quais também estão presentes. Por meio de nota, o Procon informou que a última fiscalização foi realizada no final de 2018 e que a mesma serviu de base para a CPI dos Combustíveis e do Gás Liquefeito de Petróleo (Gás de Cozinha). A instituição disse ainda que as fiscalizações não são frequentes por falta de recursos humanos para atender a todas as demandas, mas prometeram analisar a possibilidade de realizar uma nova fiscalização, caso solicitado.

O relatório também defende que o Ibametro deve realizar a “aferição volumétrica de todas as bombas dos postos de revenda de combustível em Vitória da Conquista e demais municípios”. Até o fechamento desta reportagem, o órgão não havia respondido os questionamentos do Avoador sobre o assunto, assim como o Ministério Público Estadual.

Sobre os preços do gás de cozinha em Conquista, o resultado da CPI recomenda que as revendedoras de GLP (Gás Liquefeito de Petróleo) sejam investigadas. Por meio de nota, o CADE informou que “não há investigação envolvendo distribuidoras e/ou revendedores de GLP em Vitória da Conquista até o momento”. O Ministério Público Federal não se manifestou sobre a questão.

Revendedores

Para o presidente da Associação dos Revendedores de Combustíveis, Jório Pereira, o relatório da CPI mostra que a revenda de combustíveis em Conquista é feita de forma legal. “Sem sombra de dúvidas, trabalhamos dentro da legalidade. Agora, a gente está a serviço da sociedade de uma maneira mais clara e sincera, sem ter que sofrer tanto com as pessoas querendo taxar os revendedores de combustíveis como os vilões dessa história. A CPI prova que existem outras questões que devem ser levadas em conta”, afirmou.

Já o diretor executivo do Sindicato dos Revendedores de Combustíveis da Bahia, Marcelo Travassos, considera que o relatório mostra o que realmente acontece dentro do setor, o que está por trás das bombas nos postos de gasolina. “Na realidade, o que a gente tem que fazer é o que foi feito. É uma avaliação científica, buscar as informações que nos façam refletir sobre o que realmente acontece dentro do segmento e trazer isso para a sociedade para que ela possa, a partir daí, formar o seu juízo de valor.”

Operação Posto Legal 

As denúncias contra postos de combustíveis envolvidos com possíveis irregularidades serão prioridade para a força-tarefa responsável pela Operação Posto Legal, que teve início na Bahia no mês de agosto. Até agora, 68 postos já foram fiscalizados no território baiano.

O cidadão pode fazer uma denúncia por meio do telefone 181 ou pelo site. As informações serão repassadas para as equipes operacionais.

Foto de capa: Reprodução/Tv Uesb

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