Inauguração do Aeroporto Glauber Rocha exclui o povo da cerimônia oficial

Uma multidão gritava "mito" na parte externa do aeroporto enquanto convidados dentro das novas instalações participavam da cerimônia 24 de julho de 2019 Jade Dias

Em uma solenidade marcada pela divisão entre os cerca de 500 convidados especiais que ficaram dentro de instalações fechadas e a população em geral em meio ao frio de 18 graus e chuvas e sol alternados, o Aeroporto Glauber Rocha de Vitória da Conquista foi inaugurado nesta terça-feira (23/07) pelo presidente Jair Bolsonaro e o prefeito de Vitória da Conquista, Herzem Gusmão Pereira, sem a presença do governador do estado, Rui Costa (PT-BA). Além disso, a segurança esteve reforçada pela presença do Exército, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e guardas de empresa privada, uma multidão que veio em caravana de diferentes cidades da região Sudoeste gritava “mito” a cada momento e aconteceram agressões e insultos aos manifestantes contrários ao mandatário federal. Foi um evento histórico.

Foto: Avoador

Jair Bolsonaro e sua comitiva, que incluía também o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, chegou a Conquista às 10h45 e foi recepcionado no Aeroporto pelo prefeito, Herzem Gusmão, e por Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM). Por exigência do Cerimonial da Presidência da República, a cerimônia de inauguração foi realizada dentro do aeroporto com um grupo de pessoas convidadas. A área externa ficou reservada para o restante da população, onde foi colocado uma estrutura com teto e um telão para a transmissão da solenidade realizada dentro das instalações do aeroporto. Nesse local ficaram, então, cerca de duas mil pessoas, em grande maioria, apoiadores do “mito”, que tinham bandeiras do Brasil usavam diferentes camisetas com a sua foto, e alguns manifestantes contra ele. Para chegar até o local era necessário passar por barreiras da Polícia Rodoviária Federal e, na entrada, pela revista de guardas de segurança privada.  O espaço externo, que tinha cobertura, ficou lotado, deixando os demais participantes desprotegidos da chuva e do sol. E todos do lado de fora estavam sob a vigilância de seguranças à paisana no espaço externo e de atiradores de elite em cima do prédio do novo aeroporto.

Telão instalado na área externa do aeroporto. Foto: Avoador

“É um ato bem importante para nossa cidade, para o desenvolvimento de Vitória da Conquista. Eu creio que vai trazer muito investimento. E estou aqui porque o nosso presidente está visitando a nossa cidade. É diferente a presença de um representante nacional”, afirmou empolgada Marilene Silva, corretora imobiliária. Marilene não era a única seduzida pela presença do chefe de planalto. Maria de Lurdes Silva, aposentada, saiu da Barra do Choça para prestigiar o evento: “sou evangélica, vim porque votei em Bolsonaro pelos bons costumes da família e também pelo desenvolvimento da região.” Havia uma presença representativa de idosos que não estavam incomodados por ficarem do lado de fora da solenidade.

Grupos menores pleiteavam pautas individuais. O mais evidente foram os representantes das cooperativas de transporte alternativo da região Sudoeste. Entoando “oh Bolsonaro, cadê você? O nosso emprego só depende de você”, eles pediam a revogação da Lei que proíbe o transporte alternativo sancionada pelo presidente. “A gente tá aqui contra um lei que foi aprovada, e entra em vigor em 90 dias, que permitirá que nosso transporte seja autuado pela polícia militar e federal. Pedimos que o presidente ouça o nosso apelo”, declarou Rogério Pereira, representante do transporte alternativo.  Pleiteando pautas ambientais, Zé Castor, secretário de Agricultura  do município de Malhada, também esperava ser ouvido pelo presidente Jair Bolsonaro: “estamos aqui com um projeto que vai gerar 30 mil empregos e está há 40 anos no papel. A nossa única esperança é Bolsonaro”.

Apesar do número reduzido, a presença de manifestantes foi sentida durante a inauguração do equipamento. Representantes do Sindicato do Magistério Municipal Público de Vitória da Conquista (SIMMP), vestidos como a personagem Maria Bonita , reivindicaram direitos perdidos na reforma da Previdência, principal projeto do governo federal até o momento. Membros da Juventude Socialista Brasileira (JSB) também estiveram presentes num “ato de resistência à truculência do presidente e à truculência do prefeito Herzem Gusmão que impediram a população de participar da inauguração de um patrimônio público”, desabafou Esdras Tenório, vice-presidente estadual da entidade. Os professores da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) também estiveram presentes. “Nós fomos com uma delegação, e tivemos muitas dificuldades para chegar ao aeroporto, com várias barreiras, várias revistas, mas conseguimos chegar lá. Fizemos então o nosso protesto pacífico com as nossas faixas, em defesa da educação pública e de mais investimentos para a educação”, explicou o vice-presidente da Associação dos Docentes da Uesb (Adusb), Alexandre Galvão.

Agressão

Houve hostilidade dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro aos manifestantes contrários as políticas e os posicionamentos do seu “mito”. A presidente do Sindicato do Magistério Municipal Público (Simmp), Ana Cristina Novais, foi insultada de “maconheira” e agredida quando estava no espaço externo próximo ao telão. “Estávamos com o nosso chapéu de nordestino, e começamos a ser hostilizados pelo grupo que não aceitava que estivéssemos com aquele chapéu. Eles começaram a bater na gente, puxando o chapéu, deram murros e chutes”, disse. Os seguranças à paisana chamaram o Exército e a Polícia Federal para resolver a questão. O agressor foi retirado do local e a sindicalista foi fazer um Boletim de Ocorrência na Polícia Civil. O Exército aconselhou Ana e os demais professores municipais a se retirarem do local para a própria segurança. Da mesma forma, integrantes da JSB foram chamados de “vagabundos” e “vergonha para o país”. Os jovens retrucaram entoando “Lula livre”.

Print do post do professor Cláudio Carvalho no Instagram. Foto: Reprodução/Instagram

Os professores da Uesb também consideraram o ambiente ameaçador. Segundo o vice-presidente a Adusb, havia hostilidade dos simpatizantes pró-Bolsonaro em relação ao docentes. “Não havia uma segurança que pudesse garantir a integridade física de todas as pessoas que lá estavam protestando”. Por conta disso, os professores não ficaram até a realização da solenidade de inauguração do aeroporto. “Não ficamos para a chegada do presidente porque poderia desembocar em algum tipo de conflito que pudesse colocar em risco a segurança dos filiados da Adusb”. O professor Cláudio Carvalho, que também estava no local, escreveu em seu perfil do Instagram o seguinte desabafo: “Fiquei impressionado com o olhar de ódio, desprezo, ressentimento de jovens até pessoas idosas. Fiquei verdadeiramente perplexo com a vontade de ‘eliminar’ o outro pelo simples fato de termos uma faixa (que na verdade era para @ruicostaoficial). O medo não é mais imaginário, mas bem real.” Veja o depoimento completo acima.

A cerimônia 

A cerimônia teve início com a fala do prefeito Herzem Gusmão que afirmou ter ouvido “palavras proféticas, de bênçãos, e de que coisas maravilhosas aconteceriam em Vitória da Conquista”. Direcionando sua fala à Jair Bolsonaro, Herzem Gusmão mencionou a seca no Nordeste citando Pedral: “nós temos água, só não temos as vasilhas”. Foi dessa forma que o prefeito evidenciou os projetos hídricos em que tem trabalhado. “Nos empenhamos em protocolar um belíssimo projeto da barragem do Rio Pardo que vai representar a redenção de várias cidades do sudoeste”, frisou.

Entre os convidados, ACM Neto disse estar “emocionado” com a inauguração do aeroporto Glauber Rocha. “Estamos realizando um grande sonho da população de Vitória da Conquista.” Em sua fala, o prefeito de Salvador criticou a ausência do governador Rui Costa: “Vejo, presidente, nos últimos dias instaurar-se uma polêmica absolutamente desnecessária, e quero parabenizar a postura do senhor, que disse claramente: essa obra não é obra do político A, do político B, do partido A, do partido B, essa obra é obra do povo de Vitória da Conquista”. A colocação do político foi contestada nas redes sociais.

Internautas questionam a ausência da população na cerimônia. Foto: Reprodução/Twitter

Durante o discurso, Bolsonaro mencionou o político soteropolitano. Na sua fala, definiu o “garoto” ACM Neto como um “parceiro de longa data” e chegou a profetizar que um dia o veria na Presidência da República: “chamo de garoto porque é mais novo que eu. Lá na frente você ocupará um dia a honrosa cadeira que ocupo”. O presidente disse também que “com fé e com patriotismo nós colocaremos o Brasil no lugar que ele merece”. Sobre o aeroporto, afirmou ter determinado aos ministros para “não deixar uma obra parada”.

Além de saudar os companheiros, Bolsonaro disse lamentar a ausência do governador Rui Costa durante a inauguração. “Lamento muito o governador não estar aqui, afinal de contas ele estaria ao lado do seu povo. Não queremos dividir partidos. Não aceitaremos, evidentemente, querer impor a nós o socialismo ou o comunismo”.

Após ter sido gravado em entrevista coletiva para correspondentes estrangeiros, na qual se referiu a governadores do Nordeste como “paraíbas”- termo usado de forma preconceituosa, principalmente no Rio de Janeiro, para se referir a migrantes nordestinos -, em Conquista, Bolsonaro afirmou amar o Nordeste: “eu amo o Nordeste, afinal de contas a minha filha tem em suas veias sangue de cabra da peste”. Apesar da recente declaração de amor, Bolsonaro será alvo nos próximos dias de uma ação movida em conjunto por parlamentares na Procuradoria-Geral da República (PGR) em virtude das declarações contra os governadores nordestinos, acusando-o de cometer os delitos de racismo e de ameaça.

Ao final da celebração, o presidente se direcionou até um palanque na área externa, onde novamente se dirigiu ao povo e declamou o seu slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Usando um chapéu nordestino, semelhante aos que motivaram as agressões aos professores, Bolsonaro se despediu dos conquistenses e de Conquista em meio a chuva que caia e levou uma parte da multidão a sair correndo do local.

Segurança

De acordo com informações do inspetor da Polícia Rodoviária Federal, Luis Sérgio de Souza Queiroz, a segurança do evento foi garantida por cerca de 50 homens da sua instituição mais uma tropa de Exército e uma equipe da Polícia Federal. A PRF foi responsável por cuidar da fluidez do trânsito e pela fiscalização dos veículos, como ônibus e vans. No início e no fim houve engarrafamento com duração de quase uma hora, primeiro por conta da fiscalização do transporte coletivo para a entrada no aeroporto e, depois, para sair do Km 832 e entrar na BR 116, gerando uma fila de carros até a garagem da empresa Novo Horizonte. “Apesar do grande fluxo de veículos e pessoas, não foi registrado acidente ou incidente”, comentou Sérgio.

Já a Polícia Federal esteve mais próximo do presidente Jair Bolsonaro e sua Comitiva Presidencial. Além disso, também havia atiradores de elite em cima do prédio do aeroporto Glauber Rocha, que ficaram apontadas para a multidão na parte externa.

Atirador de elite em cima do prédio do aeroporto Glauber Rocha. Foto: Avoador

Na entrada das instalações da parte externa, ficou localizada uma equipe da empresa Tecnoguard que fez a revista de cada pessoa e seus pertencentes. Foram realizadas várias proibições, como de portar caneta, pente, estilete, maça e até guarda-chuva, mesmo com a água que cai durante o evento. De acordo com o técnico da empresa, Magnovaldo Fernandes, só houve um incidente em que foi encontrado na mochila de um rapaz um bodoque e algumas pedras. Ele foi impedido de entrar no local.

Como o governador da Bahia, Rui Costa, cancelou a sua participação no evento, não havia nenhum efetivo da Polícia Militar presente para também garantir a segurança das atividades da solenidade.

Obras inacabadas

O aeroporto batizado com o nome Glauber Rocha, em homenagem ao cineasta conquistense, está com as obras do entorno, na rotatória de acesso, inacabadas . Operários e máquinas foram vistos trabalhando às margens da BR-116, no acesso ao terminal, durante a inauguração. A obra, da empresa Via Bahia, concessionária da rodovia, ainda não tem previsão de conclusão.

Foto: Avoador

Inicialmente o terminal absorverá os voos do antigo aeroporto, Pedro Otacílio de Figueiredo, com destino a São Paulo e Minas Gerais, mas tem capacidade para receber Boings 737-700, para até 138 passageiros, e airbus A300, de até 300 passageiros. A expectativa é de que o aeroporto chegue a movimentar mais de 500 mil passageiros por ano até 2020.

Foto destacada: Avoador

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