Site Coreto denuncia transfobia contra adolescente em Poções
Segundo reportagem, mãe e filho viveram dias de terror dentro de casa por causa das agressões de desconhecidos 9 de junho de 2022 Rebeca SpínolaA casa de um adolescente transgênero de 12 anos foi apedrejada por quatro vezes na cidade de Poções, entre maio e junho, por desconhecidos. A agressão transfóbica aconteceu após ele reivindicar o direito de ser chamado pelo nome social na sua escola, que se recusou a atender o pedido dele. A denúncia do caso foi publicada, em reportagem especial, no site Coreto, das jornalistas Leila Costa e Raquel Lemos.
ALERTA DE GATILHO: a partir daqui, os relatos são fortes. Há detalhes de preconceito, transfobia, medo e angústia.
Tudo começou quando a mãe do menino, Janaina Brito, procurou a escola pública da rede municipal da cidade de Poções para que o nome social do filho fosse incorporado ao seu registro escolar. Ela tomou a decisão depois do filho relatar que estava passando constrangimentos na escola, sendo chamado pelo nome de batismo feminino, o qual não corresponde ao gênero que se identifica, que o masculino.
Apesar da solicitação, nada foi feito a respeito na escola. Janaína buscou então a Secretaria de Educação do município, onde foi informada de que a inclusão do nome social na escola dependia de uma resolução municipal, que não existe.
Janaína decidiu entrar em contato com a vereadora Larissa Laranjeira (PCdoB), que luta pelos direitos da população LGBTPQIA+ em Poções. “Larissa me deu um apoio, e montou um projeto para a inclusão do nome social no município por meio de uma resolução que também abrange outras situações, não só nome social na escola, abrange outros gêneros também”, relembra a mãe do adolescente em entrevista ao site Coreto.
A vereadora criou um projeto de lei para regulamentar normas para pessoas LGBTPQIA+, o PL 021/2022.A proposta propõe o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas transexuais no campo da administração pública municipal e, principalmente, nos registros das escolas. De acordo com a vereadora, cada estado e município têm feito sua própria regulamentação para instituir essas políticas. “Os municípios funcionam como um sistema de educação, então eles têm autonomia, ou não, para seguir as resoluções”, explicou a vereadora.
Contrário a aprovação do projeto, o pastor Luciano Novais, da Primeira Igreja Batista de Poções, compartilhou um áudio por meio da rede social WhatsApp, no dia 23 de maio, onde convocava seus fiéis à comparecem à sessão da Câmara Municipal, em que a PL 021/2022 seria votada. O pastor tinha como objetivo intimidar os vereadores para votarem contra o projeto. “Para que, na hora que os vereadores forem votar, olhar (sic) que a comunidade evangélica também está atuando, faz parte da cidade, e eles se sentirem assim inibidos e não votarem a favor dessa aberração, desse projeto ruim”, disse o pastor na gravação. Em um segundo áudio, ele ainda reforçou o convite aos fiéis e afirmou ter apoio de um vereador da câmara.
Após a circulação do áudio, que teve grande repercussão em Poções por meio dos aplicativos de mensagens, Janaína e seu filho passaram a viver uma tensão constante, com receio do que poderia acontecer. Nove dias depois começou a tragédia: pessoas ainda não identificadas passaram a apedrejar e até quebraram a janela da casa onde mora a família. “Nesse mesmo dia, eu sofri o primeiro ataque, que foi na madrugada, quase uma hora da manhã. Começaram a dar tapa nas paredes, a balançar o portão e gritar: ‘Levi vem aqui se você é homem!’, ‘deixa eu ver se você é homem’, chamava ele de viado. Na terça-feira, eu pensei: ‘não vai ter nada, eu vou dormir’… Mas não foi o que aconteceu. Por volta das duas horas da madrugada, meu filho me acordou falando que estavam invadindo a casa. Quando eu levantei, estavam jogando pedra no portão e balançando a janela, coloquei meu filho no quarto do fundo e tive que ficar acordada novamente. Na quarta-feira, aconteceu novamente. E deu uma parada.” Em duas semanas, foram quatro ataques, além da luz da casa ter sido cortada.
A articulação do pastor conseguiu pressionar os vereadores e a votação foi cancelada. A expectativa é de que o tema volte a ser pautado na próxima segunda-feira (13\06).
Repercussão em Poções
Desde as agressões, organizações LGBTPQIA+, coletivos e instituições jurídicas, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), têm acompanhado o caso e agido para que o adolescente tenha seus direitos garantidos. Além disso, estão tentando combater o fim das diversas manifestações de ódio que o menino tem recebido. A OAB Subseção de Vitória da Conquista também tem ajudado na mobilização junto aos outros setores da sociedade, como Defensoria Pública e movimentos sociais.
Já a Prefeitura de Poções, em questionamento do site Coreto, informou que não tinha conhecimento do caso de forma oficializada. Também deixamos claro que não compactuamos com tal crime, principalmente quando estiver o sujeito de direito em peculiar desenvolvimento. Por fim, acrescentamos que o executivo não tem a capacidade de responsabilização. Tal responsabilização cabe aos sistemas de justiça e segurança pública.”
O site Coreto também buscou um posicionamento do pastor envolvido, porém ele não se manifestou.
Transfobia
No Brasil, esse conceito está ganhando cada vez mais notoriedade devido à associação da transfobia com atos de preconceito contra as pessoas que se identificam como transgêneros. No sentido estrito da palavra, o termo trans é utilizado para caracterizar indivíduos transexuais e transgêneros, enquanto “fobia” significa “aversão a algo ou a alguém.”
Sendo assim, a definição de transfobia envolve atos de preconceito contra esse grupo, assim como toda forma de discriminação e intolerância. Nesse conceito estão incluídos comportamentos que incitam práticas de violência física, verbal, psicológica ou moral contra essas pessoas. Portanto,o que que aconteceu em Poções pode ser considerado transfobia
No âmbito federal, em 2019, em julgamento de Ação de Inconstitucionalidade por Omissão, o Supremo Tribunal Federal (STF) criminalizou a prática da LGBTfobia. Ficou estabelecido que “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito”, em razão da orientação sexual da pessoa, poderá ser considerado crime e a pena será de um a três anos, além de multa. Se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa.
No estado da Bahia, no dia 1º de junho, a Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) aprovou a lei Millena Passos, Projeto de Lei (PL) 22.845/18, que penaliza administrativamente agentes públicos e/ou estabelecimentos privados que discriminem pessoas em razão da sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Já a Polícia Militar da Bahia informou que foi iniciado um processo administrativo para apurar “a ausência da guarnição logo após o acionamento, após conversar com a família”. A corporação acrescentou que foi acionada na última quarta-feira (1º|06) para verificar mais uma denúncia de pessoas jogando pedras em uma residência onde mora um adolescente transgênero. Na ocasião, os suspeitos não foram localizados e os policiais orientaram a família a registrar ocorrência na delegacia.
Repercussão Nacional
A partir da reportagem realizada pelo site Coreto, a violência da família virou notícia na TV Sudoeste, Correio da Bahia, Correio Brasiliense, O Globo , Uol , Último Segundo e no site nacional Quebrando Tabu.
Foto destacada: Istock