Pesquisadores da UFRJ descrevem como a funciona a desinformação no Brasil
A pesquisa aponta o quanto a desinformação nas eleições 2022 se tornou complexa e sofisticada 27 de outubro de 2022 Malu LimaHá menos de uma semana para a votação do segundo turno das eleições no Brasil, o país enfrenta um clima tenso de polarização. Essa divisão intensifica um problema ainda maior, que é anterior às eleições, a desinformação. De acordo com pesquisa do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (LabNet), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), neste ano, a desinformação no país esteve voltada para os conteúdos religiosos e a descredibilização das pesquisas eleitorais, em formato massivo e segmentado. O Telegram foi superado pelo Whatsapp na propagação desse material.
“O que a gente está vendo em 2022 é bem diferente do que a gente viu em 2018, em termos de complexidade e de estratégia. É lógico que a desinformação sempre foi comum em qualquer eleição, mas com as plataformas, com as redes sociais, isso tem outra escala. Uma capacidade de segmentação”, explicou a coordenadora do estudo, a pesquisadora Marie Santini, ao portal G1.
No relatório, os pesquisadores reuniram os principais dados recolhidos a partir da análise de grupos de mensagens em diversas plataformas. Ao todo, foram monitorados 550 grupos e canais ativos no Telegram, tendo sido analisados 19,7 mil usuários ativos e 180,3 mil mensagens enviadas. Dessas mensagens, 57,41% foram em formato de texto, 15,33% em imagens, 14,73% de link externos, 10,93% de vídeos e 1,46% de áudios.
No Whatsapp, apesar de serem números altos, ainda foram menores do que no Telegram. A análise foi feita a partir de 193 grupos ativos, com 7,1 mil usuários ativos e 115,9 mil mensagens. Dessas mensagens, 30,59% são em formato de texto, 26,18% são imagens, 24,63% são vídeos, 12,05% são links externos e 6,43% são áudios.
A partir da análise das informações, o LabNet concluiu que as principais estratégias de desinformação foram executadas a partir de mensagens com forte apelo religioso, vinculando valores cristãos ao antipetismo; o uso de infraestrutura de desinformação pré-montada, capaz de disseminar desinformação massiva e segmentada e ativação da campanha “firehose” que consiste na intensificação de ataques às pesquisas eleitorais e acusações de fraude.
O movimento maior foi notado entre as 20h e 22h da noite do primeiro turno, quando a equipe de pesquisa percebeu que no Telegram e no Whatsapp circularam mais de 20 mil mensagens com ataques às urnas, em que ela era acusada de fraude. Em seu trabalho, os pesquisadores salientaram que neste horário, o candidato Lula (PT) ultrapassou o candidato Jair Bolsonaro (PL) em números de votos.
Segundo a pesquisa, diferentes plataformas são utilizadas de forma coordenada para combinar estratégias de desinformação, para amplificar alcance e participação dos usuários. “A desinformação hoje funciona por meio de uma campanha permanente, que vai reduzindo a resistência das pessoas a determinadas narrativas e aumentando a resistência à checagem. A pessoa começa a ser bombardeada por diferentes fontes. Uma narrativa repetida muitas vezes tem o efeito de começar a gerar dúvida em outro público que não seria o segmento principal de uma estratégia de desinformação”, destaca Marie.
No trabalho laboratorial, os acadêmicos da UFRJ também descreveram o caminho que um conteúdo desinformativos percorre na internet:
- Primeiro a narrativa é produzida e compartilhada em sites desconhecidos, chamados de “Junk News” e em canais no Youtube com poucos seguidores.
- Depois, acontece o que foi chamado pelos doutores de “preparação de terreno”, em que é testada a receptividade dos internautas a determinada informação. Nesse momento, o conteúdo é compartilhado em grupos segmentados de Whatsapp e Telegram, onde é possível obter o retorno dos participantes.
- Em seguida, o conteúdo procura atingir as bolhas sociais, sendo compartilhado em grupos do Facebook e sendo aplicado teste de anúncios.
- Após isso, o conteúdo se torna audiovisual, o que facilita que os usuários absorvam o material. Essas informações são compartilhadas em redes sociais como TikTok, Kwai e canais médios e grandes do Youtube.
Nesse momento, é ativada a campanha “firehose”, que é caracterizada por um grande volume de material, sendo compartilhado em diversas plataformas. Esse conteúdo é rápido, contínuo, repetitivo e não tem consistência e compromisso com a realidade. Dessa forma, a desinformação passa a ser também participativa, uma vez que o seu grande volume e a alta presença em todas as redes sociais, facilita que os usuários que recebem esse conteúdo, compartilhem, atingindo cada vez mais pessoas.
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