Prefeitura de Conquista fecha R$ 70 milhões em contratos com empresa criada há 5 meses; gestão municipal diz que conduta é “comum e legalmente aceitável”

A Consorcio V. da Conquista, que possui o mesmo dono de empreiteira ligada ao chamado “cartel do asfalto”, recebeu cerca de 37% das despesas com obra no município em 2024 27 de agosto de 2024 Por Victória Lôbo / Conquista Repórter

R$70.237.167,72. Esse é o valor total de contratos fechados com dispensa de licitação entre a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista (PMVC) e a Consorcio V. da Conquista, de acordo com o Portal da Transparência do município. O montante chamou a atenção do Conquista Repórter durante uma pesquisa sobre as despesas com obras de infraestrutura urbana na cidade. Ao buscar o CNPJ da empresa e quem está em seu comando, descobrimos que essa história vai além dos contratos milionários e envolve personagens já conhecidos pela mídia nacional.

A empreiteira, que é responsável por obras de drenagem e pavimentação nos bairros Bateias II, Jardim Guanabara, Cidade Modelo e Vila Marina, tem contrato inicial de R$56.329.456,72 e um aditivo de R$13.907.711,00. Somados, os dois valores correspondem a cerca de 37% das despesas com obras no município em 2024. Até 21 de agosto deste ano, foram gastos R$188.586.302,26 no total, valor aproximadamente 69% maior do que o gasto durante todo o ano de 2023 para a mesma destinação, conforme o gráfico abaixo.

Na ficha de empenho do contrato inicial (nº 006-35/2024) realizado com a Consorcio V. da Conquista consta que o processo de contratação foi feito em conformidade com o edital de concorrência eletrônica 01/2024, realizado no dia 28 de fevereiro de 2024. Menos de um mês depois, em 21 de março, o contrato com a empresa selecionada foi efetivado. Mas o que chama mais atenção é que ela foi criada no dia 13 de março deste mesmo ano, apenas 14 dias após a abertura do edital e 8 dias antes da publicação do convênio.

Além disso, ao buscar a aba “Outras informações” na ficha de empenho, é possível verificar ainda que a modalidade da contratação tem base na Lei 14.133/2021, Dispensa, Art. 75, Inciso I. A legislação estabelece que é dispensável a licitação para contratações diretas de pequeno valor, que não ultrapassem os R$100.000,00 no caso de obras e serviços de engenharia, um custo muito abaixo do que foi fechado com a Consórcio V. da Conquista.

Vale ressaltar que a gestão Sheila Lemos tem recorrido com constância a essa modalidade, como aconteceu com os vários contratos emergenciais firmados com as empresas Viação Rosa e Viação Atlântico para operação do sistema municipal de transporte coletivo antes da abertura da licitação do serviço. Mas por que a Prefeitura fechou um contrato milionário na mesma modalidade para obras de drenagem e pavimentação no município com uma empresa cujo Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) havia sido registrado há apenas oito dias?

Ligação com o “cartel do asfalto”

Ao investigar mais a fundo, verificamos que a Consorcio V. da Conquista é como uma “irmã mais nova” da Liga Engenharia, empreiteira baiana que ficou conhecida nacionalmente por ser suspeita de integrar o chamado “cartel do asfalto”. Ambas têm o empresário Pedro Garcez Souza como administrador e sócio.

A Consorcio V. da Conquista tem ainda a Liga como sociedade consorciada ao lado da CBS – Construtora Bahiana de Saneamento. No próprio cartão CNPJ da empresa, consta o email liga@ligaengenharia.com. Entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2023, a empreiteira também fechou contratos com a Prefeitura de Vitória da Conquista que totalizaram R$11.755.182,46 para realizar obras de drenagem e pavimentação.

A suposta relação da Liga Engenharia com o cartel do asfalto foi destaque em uma reportagem da Folha de São Paulo publicada no dia 10 de outubro de 2022, com o título: “Empreiteira ligada a ex-líder de Bolsonaro atuou em cartel do asfalto, diz TCU”. A denúncia veio à tona após uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) revelar indícios da ação de um grupo de empresas do qual a Liga faz parte em fraudes a licitações bilionárias da estatal Codevasf no governo Jair Bolsonaro (PL).

Na matéria, Pedro Garcez Souza ainda é citado por ter elos familiares com Fernando Bezerra Coelho (União), que chegou a ser líder do ex-presidente no Senado federal. Segundo o TCU, sua empreiteira ganhou um contrato de R$200 milhões com a sede regional da Codevasf em Pernambuco, sendo uma das beneficiadas do cartel.

Relação com o “Movimento Invasão Zero”

Em fevereiro de 2024, Garcez Souza voltou a ser citado pela mídia nacional em uma reportagem publicada pelo observatório “De olho nos ruralistas”, uma iniciativa jornalística que busca mapear os impactos sociais e ambientais do agronegócio no Brasil. A investigação aponta o empresário como sobrinho da coordenadora nacional do “Movimento Invasão Zero”, a advogada Renilda Maria Vitória de Souza, filha do ex-deputado estadual Osvaldo Souza.

Conhecida como Dida, a proprietária de fazendas integra uma família que fez fortuna com a produção do cacau. Seu nome, ao lado do empresário Luiz Uaquim, ganhou notoriedade após terem sido apontados pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) como líderes do “Invasão Zero”. A articulação indígena entrou com representação criminal contra o movimento depois do assassinato da pajé Nega Pataxó, durante um ataque armado no Sul da Bahia.

Já no Sudoeste do estado, a gestora Sheila Lemos (União Brasil) recebeu em seu gabinete representantes do “Invasão Zero”, em junho de 2023. Na ocasião, Luis Uaquim esteve presente. Ele chegou a afirmar que, na Bahia, Vitória da Conquista seria a cidade onde iniciaria uma “campanha que visa combater a invasão ilegal” e que para realizar tal feito contaria com o apoio da prefeita.

A reunião da prefeita com representantes do “Invasão Zero” também contou com a presença dos vereadores Edivaldo Ferreira Júnior e Ivan Cordeiro. Foto: Secom/PMVC.

Outro lado

Conquista Repórter solicitou esclarecimentos da Prefeitura acerca dos contratos fechados com a Consorcio V. da Conquista. Por e-mail, questionamos os critérios para a escolha da empresa no processo de contratação citado nesta matéria e se o tempo de existência do seu CNPJ não foi observado no momento da escolha.

Também perguntamos se as obras de drenagem e pavimentação para a qual a organização foi contratada já foram iniciadas e se a gestão municipal tinha conhecimento da vinculação da Liga Engenharia com o “cartel do asfalto”. Pedimos ainda esclarecimentos a respeito da modalidade de contratação utilizada. Não recebemos respostas até esta publicação. A Liga Engenharia também não respondeu ao nosso pedido de posicionamento. O espaço segue aberto.

Atualização

Às 22h47 desta segunda-feira, 26, a Secretaria Municial de Comunicação (Secom) respondeu aos questionamentos enviados pela nossa reportagem. Por e-mail, destacou que as duas empresas que formam o Consórcio V. da Conquista, a Liga Engenharia e a Construtora Baiana de Saneamento, estão ativas desde 23 de março de 2012 e 18 de novembro de 2009, respectivamente. “O CPNJ do Consórcio foi registrado no dia 13 de março de 2024, com o intuito do processo licitatório em si”, diz a nota.

E acrescentou que se trata de um consórcio de empresas em licitações públicas: “Nesse sentido, refere-se à formação de um grupo de empresas ou entidades que se unem para apresentar uma proposta conjunta em um processo licitatório, quando nenhuma das empresas individualmente tem capacidade técnica ou financeira para atender a todos os requisitos da licitação, mas juntas conseguem cumprir com todas as exigências estabelecidas no edital. Dessa forma, compartilham responsabilidades e podem distribuir entre si os diferentes aspectos do contrato ou da prestação de serviço, conforme acordado previamente.”

Ainda de acordo com a Secom, “um consórcio formado por empresas com muito tempo de mercado, a fim de juntas poderem participar de um processo como esse, é comum e legalmente aceitável”. Quanto ao tempo de existência do CNPJ, o órgão afirmou que “pode ser um fator relevante, mas não é necessariamente um critério eliminatório. O que importa é se a empresa cumpre todos os requisitos estabelecidos no edital”. A Secretaria disse também que a contratação não foi por dispensa, conforme consta na ficha de empenho, “mas uma concorrência por menor valor global”.

Por fim, informou que as obras “já foram iniciadas e se encontram dentro do esperado pelo cronograma da Administração Municipal”. Entretanto, não respondeu se a Prefeitura tinha conhecimento da relação apontada pelo TCU entre a Liga Engenharia e o chamado “cartel do asfalto”. Veja aqui o e-mail completo.

Essa é uma republicação do Site Conquista Repórter em Parceria com o Site Avoador.

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