Mentiras dão três vezes mais acessos no YouTube que verdades
O canal do pastor Silas Malafaia, por exemplo, deturpa dados científicos para embasar suas teses 24 de maio de 2020 Sara DutraEstudo mostra o alcance de canais que propagam fake news, disponibilizados no YouTube, e comprova que eles são vistos quase três vezes mais do que os vídeos que contém informações reais. Nos vídeos, propagados por figuras públicas e políticas, há teorias da conspiração e tratamentos médicos não comprovados.
O presidente Jair Bolsonaro publicou em suas redes sociais um vídeo do médico Belmiro D’Arce, de Presidente Prudente, São Paulo. Na publicação, Bolsonaro dizia: “Uma aula para toda a vida. Como conseguir a sonhada imunidade.” O médico dá fórmula milagrosa: “Tome banho de sol, onde entra o sol, sai a doença. Fuja do envenenamento mental de notícias que criam tensão e evite o açúcar, leite de vaca, industrializados. Eles criam no corpo ambiente propício para multiplicação dos vírus”.
Esse canal foi um dos analisados no estudo “Ciência Contaminada – Analisando o contágio de desinformação sobre coronavírus via YouTube”, realizado por pesquisadores do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa) da USP, do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), sediado na Universidade Federal da Bahia.
Na primeira fase do estudo, os canais que circulavam desinformação sobre a doença tiveram três vezes mais visualizações do que as redes com informação verdadeiras sobre a covid-19. Foram 73.429.098 visualizações contra 27.712.722.
O canal em que foi identificado maior número de fake news foi o Desperte de Thiago Lima, que tem mais de um milhão de inscritos. O canal é 4,3 vezes maior que o do Ministério da Saúde (233 mil inscritos), e tem “temáticas conspiratórias religiosas, místicas e de cunho geopolítico”. Há canais com discurso religioso que rejeitam a doença e a explica a partir da Bíblia. É o caso do canal do pastor Silas Malafaia que deturpa dados científicos para embasar suas teses.
A maioria dos vídeos contém informações de como aumentar a imunidade, sobre consumo de produtos saudáveis e teorias conspiratórias. No entanto, as ações preventivas indicadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde), como lavar as mãos e o distanciamento social, foram raramente identificadas.
De acordo com o pesquisador do LAUT e Cepedisa, Caio Vieira Machado, essa é uma forma de atacar universidades, mídia, entidades públicas e a ciência. “Não existe vacina nem tratamento específico para a covid-19. Todo enfrentamento da epidemia agora depende de medidas comportamentais, que estão ligadas diretamente à informação”, disse Daniel Dourado, pesquisador do Cepedisa. Ele ainda acrescenta: “A única coisa que comprovadamente pode conter a epidemia é informação correta chegando às pessoas.”
Por meio de porta-voz, o YouTube informou que a plataforma não foi procurada pelos pesquisadores responsáveis pelo estudo e por isso não iria comentar nada sobre o assunto. “Desde fevereiro, já removemos milhares de vídeos relacionados à Covid-19 por infringirem nossas regras. Também estamos exibindo uma prateleira de notícias sobre a doença, que mostra conteúdos de fontes jornalísticas e autoridades locais, e direcionamos dezenas de bilhões de usuários para sites de organizações de saúde, como o Ministério da Saúde no Brasil, por meio de nossa página inicial e nossos painéis de informações”, dizia o comunicado.
Fonte: Folha de S. Paulo
Imagem em destaque: Reprodução/Depositphotos
Infeliz realidade do nosso país! Ótima matéria!