O jornalismo na era digital
Com o surgimento das novas tecnologias e a participação da audiência na produção de conteúdo, o trabalho do jornalista continua o mesmo: apurar antes de levar a informação ao público 10 de março de 2019 Mário BittencourtDirijo-me, no momento, apenas para agradecer à professora Carmen Carvalho pelo convite de ser ombudsman deste jornal digital e também a vocês, estudantes, por me verem como colaborador no aprendizado da disciplina Jornalismo Digital.
Sinto-me lisonjeado em poder transmitir um pouco do que sei como jornalista, depois de 11 anos de formado nesta escola, e tenho consciência de que atuar como ombudsman não será tarefa fácil, ainda mais quando se está dos dois lados do balcão.
Espero que o exercício seja enriquecedor para todos. Da minha parte, já está sendo de grande importância refletir sobre a produção deste jornal, tendo em vista que estas reflexões servem para me autocriticar enquanto jornalista profissional.
A crítica é essencial para o bom desenvolvimento de qualquer atividade. Saber absolvê-la é um exercício que às vezes não é fácil, mas com paciência qualquer barreira pode ser quebrada para alcançarmos a razão.
Ditas estas palavras, faço breve comentário sobre jornalismo digital, disciplina que nem existia quando estudei nesta escola e cujo aprendizado é hoje essencial para melhor preparar os futuros profissionais para o mercado de trabalho.
O surgimento das novas tecnologias transformou a maneira de a sociedade se informar. De sujeito passivo, aquele que era mero receptor de notícias virou hoje transmissor de informações, sem passar por escola alguma de jornalismo.
Não é necessário mais que o jornalista esteja em um local para que certa informação seja dada como verdade pela sociedade. Em muitos casos, basta, para isto, algum cidadão estar com um smartphone e divulgar imagens em foto e vídeo.
Para nós, jornalistas, estas imagens sempre serão vistas com desconfiança em um primeiro momento, pois temos de ter certeza de que o que está sendo mostrado se trata realmente de um fato verdadeiro para que possa ir a público.
Mas essa desconfiança não será exercitada pela maioria da sociedade, a qual tende a fazer a mesma coisa quando se está diante de um fato que julgue ser de interesse coletivo, como um acidente de trânsito, um crime ou algum milagre da vida.
Esse cuidado de levar ao público a informação de maneira que ela seja a mais próxima da realidade é algo exclusivo de nós jornalistas. É um exercício diário de responsabilidade com a verdade, com a informação e de respeito com a sociedade.
É algo basilar na nossa profissão desde os primórdios e que nada tem a ver com novas tecnologias, as quais, na verdade, impõe outros desafios, incluindo a própria forma de sobrevivência financeira dos meios e, por consequência, do jornalista.
As novas tecnologias oferecem maneiras variadas de o jornalista levar informação ao público, e nesse contexto o consumo de informação pode se tornar até banal, caso não haja certo controle por parte do consumidor de notícias.
Para exemplificar como estamos hoje, descrevo meu cotidiano matinal: acordo, geralmente, às 7h, e eu ou minha esposa ligamos o rádio para ouvir o noticiário local. Entre 7h40 e 8h iniciamos nosso café da manhã.
Enquanto ouvimos o rádio, conversamos, e eu e ela olhamos os respectivos smartphones – no meu caso, prefiro abrir páginas de jornais, geralmente a do Correio*, a da Folha de S.Paulo e a do UOL – as outras, olho durante o dia.
Abro também o Facebook, configurado para visualizar primeiro as páginas de jornais ou de outras entidades públicas e privadas. Tenho Instagram, mas não o abro muito e não o vejo como uma fonte de informação. Também olho pouco o Twitter.
Para finalizar apenas meu início de manhã, ainda durante o café, desligo o rádio e ligo a TV em algum canal de notícias 24 horas – geralmente Globo News ou Band News. Ainda olho resumos de notícias de algumas newsletters que recebo no email.
E assim começa minha enxurrada de notícias diárias – sem falar que enquanto faço isso tudo ainda sou informado pela minha esposa de outros fatos que chamaram atenção dela naquele início de manhã ou que ela viu no dia anterior.
Essa rotina de início de manhã é a mesma de muitas pessoas. Todos, em certo grau, somos submetidos e um emaranhado de notícias desde o acordar ao dormir – basta abrir o WhatsApp.
Somente se desligando do mundo – ou desligando o celular – para isso não ocorrer. E isso é bom ou ruim para a sociedade? É aí que entra o jornalismo profissional, hoje voltado quase exclusivamente para o mundo digital e novas maneiras de informar.
Apesar de muitas vezes termos a impressão de que a sociedade está mal informada, devido à divulgação de informações de meias verdades em redes sociais ou de notícias falsas, a verdade é que o que hoje há é tão somente a quebra do monopólio na maneira de consumir informação, antes restrita a basicamente jornal, rádio e TV.
Esse panorama é o que indicam pesquisas diversas sobre jornalismo, como relata Marcela Ransêra, neste artigo.
“Pessoas estão passando mais tempo consumindo notícias em diferentes formatos do que faziam antes em um único meio”, ela escreve. “A diferença então é que as pessoas não estão mais se prendendo a um só meio ou à apenas uma marca como fonte única de informação.”
Além disso, ela destaca, “houve a fragmentação da audiência”, e “logo, as empresas midiáticas perceberam que a única maneira de atingir esse público fragmentado é por meio da adoção de uma abordagem multimídia”.
Nesse contexto, continua, “em um mercado onde o consumo da noticia é amplamente incidental, um provedor de noticias bem sucedido deve estar em todos os lugares, em todas as horas, nos mais diferentes formatos”.
Claro que não vamos dizer – muito menos exigir – que o Avoador faça isso, até porque produzir jornalismo de qualidade exige custo e tempo, algo que falta na própria grande imprensa nacional e internacional.
E nesse sentido as novas tecnologias também têm muito a contribuir. Hoje vemos, por exemplo, em telejornais pessoas sendo entrevistadas à distância, com áudio e vídeo.
Uma ligação via Skype, por celular ou notebook evita que o meio tenha de gastar tempo e dinheiro com o transporte de um ou mais profissionais para ir até o local onde está o entrevistado. Isso, claro, não pode se tornar uma regra no exercício profissional.
Ir ao local do fato, nem que seja somente para entrevistar, fazer foto ou gravar vídeo de um “boneco”, é melhor que à distância, pois sempre há mais oportunidades de se conseguir mais informação no contato direto com a fonte.
Mas é importante que estudantes e profissionais tenham essas possibilidades de uso das novas tecnologias em mente para produzir bons conteúdos e trabalhar melhor o hipertexto, assunto que abordarei em outra oportunidade.
Penso que as novas tecnologias vieram mais para auxiliar o trabalho do jornalista do que para prejudicar a profissão, cuja base continua a mesma: apurar e apurar antes de levar a informação ao público.
O que temos de aprender – e isto é um exercício diário nos grandes meios – é como melhor distribuir a informação nas mais variadas plataformas e a partir disso consolidar a audiência. Já temos bons exemplos de sucesso na grande mídia.
Aqui reside, nesse sentido, a importância da disciplina Jornalismo Digital: ela é para clarear desde já a mente dos futuros profissionais sobre a realidade que eles enfrentarão no mercado de trabalho, onde, certamente, outros desafios virão.
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Mário Bittencourt é Jornalista formado pela Uesb, é repórter do jornal Correio e colaborador da Folha de S. Paulo, UOL e BBC News Brasil. Especialista em Análise do Espaço Geográfico e em Comunicação e Marketing em Redes Sociais, está como Ombudsman do Avoador. Email: mariobitten@yahoo.com.br.