A militância das mulheres negras: minoria e resistência
Debate acerca da representatividade da negritude feminina na política volta à tona com o assassinato de Marielle Franco 12 de junho de 2018 Carolina Cordeiro, Giulia Santana, Isis Pereira, Luana Lopes, Mariana LimaNum país com 54% da população negra, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é um paradoxo a sumária minoria de mulheres negras em papéis de representação social e política. Durante as eleições municipais de 2016, a candidatura de mulheres negras não chegou a 1%, de acordo ao Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Nas candidaturas ao cargo de vereador, essa porcentagem foi de 2,64%. E na Câmara dos Deputados, elas são hoje apenas 0,39%. A morte da vereadora Marielle Franco, no mês de março, reacendeu a discussão do caminho trilhado pelas mulheres negras que se dedicam às atividades políticas.
Na câmara legislativa de Vitória da Conquista, 85,7% dos vereadores são homens, ou seja, 18 num total de 21 eleitos. As outras três vagas são ocupadas por mulheres, mas apenas uma delas é negra: Nildma Ribeiro Lima, 39 anos. A vereadora é militante de movimento social, moradora do bairro Patagônia há 30 anos e ressalta que “há necessidade de mais mulheres, principalmente negras, nos espaços políticos”.
No entanto, a ocupação desses espaços é uma tarefa difícil quando se avalia o lugar reservado à mulher negra ao longo da história brasileira. Para Alessandra Leal, 27 anos, militante do Coletivo Pretas da Dió, existe um empecilho social para a participação da mulher negra nas atividades políticas representativas. “Como a mulher negra pode se enxergar numa representação hierárquica na política sendo que ela tem que estar preocupada (primeiro) em sobreviver?”.
Os locais onde as mulheres negras moram também não contribuem para uma participação mais ativa. Elas vivem, em sua grande maioria, nas periferias das cidades. Nesses lugares, a ausência do aparato público, como escolas, postos de saúde, transporte gratuito, esgotamento sanitário, impossibilitam um cotidiano com tempo, conhecimento e qualidade de vida para a atuação política. “Na periferia só chegam políticas paliativas. Na zona rural só chegam políticas paliativas. Não se vislumbra políticas que tendem de fato a mudar a perspectiva daquelas mulheres”, diz Juliana Oliveira, estudante quilombola do oitavo semestre de Direito da Uesb.
Aquelas que chegam ao cenário político lutam praticamente sozinhas contra a precarização no mundo do trabalho, as condições de vida insalubres, os altos índices de mortalidade e os estigmas em relação aos seus sentimentos e sua feminilidade. “Ser militante negra dentro desse contexto social em que estamos inseridos é solitário. Isso porque os movimentos, hoje em dia, estão muito mais separados, muito mais individuais, e isso dificulta a militância. Ao invés de vários movimentos se unirem em prol de uma causa só, tem-se vários movimentos que buscam seu objetivo particular”, diz Juliana.
Resistência e luta
A morte de Marielle Franco, que assim como Nildma, Juliana e Alessandra, era mulher negra, cria de comunidade carente e uma voz presente na luta pelo respeito aos direitos humanos e pela garantia de cidadania aos moradores da favela, se tornou um combustível na discussão sobre o lugar de submissão e de silêncio das mulheres, principalmente as negras. A socióloga e militante, que era contra a intervenção militar e criticava as ações violentas da polícia nas comunidades negras e periféricas, foi assassinada a tiros no Rio de Janeiro.
Nildma ressalta que a morte de Marielle só reforçou a luta por mais espaço das mulheres negras. “Para as mulheres terem direito ao voto foi uma luta. Para se candidatar, outra luta. Para estar na política, uma luta maior ainda. E o pior, tentar permanecer, porque, ao realizar nosso trabalho no espaço institucional, ainda enfrentamos muito machismo e preconceito”, diz a vereadora.
Juliana, que também é secretária e colaboradora da Oficina de Estética Negra, ação promovida pela Associação das Comunidades Periféricas de Vitória da Conquista (ACPVC), relacionou a baixa autoestima da mulher negra com o estigma de “objeto sexual” condicionado pela mídia, que expõe o corpo negro atrelado a vulgarização e sexualização. Na oficina, coordenada pela militante, as participantes aprendem sobre empoderamento feminino e negro para possíveis mudanças de comportamento. “Mesmo assim, a gente percebe que o protagonismo negro ainda é muito tímido. Precisa-se de políticas, de apoio e de mais ativistas no movimento para mudar esse cenário”, enfatiza.
Outra característica da militância das mulheres negras é a defesa de um feminismo direcionado a elas. Juliana tem atuado na universidade nessa frente de luta. O cotidiano universitário, além da formação, se transforma num espaço de enfrentamento. “Para pessoas como eu, que vim do quilombo, somos privilegiadas por estar na universidade”, afirma.
Mulheres negras em ação
Mesmo sem grande representativade política em Conquista, as mulheres negras têm realizado ações significativas na cidade. Nem os recursos escassos nem a ausência de apoio do poder público municipal e estadual tem inviabilizado por completo as ações dos coletivos negros em bairros periféricos e presídios. De forma pontual, elas marcam espaço e defendem mais cidadania entre a negritude feminina.
Juliana familiarizou-se com a pauta negra quando frequentava um cursinho pré-vestibular para jovens quilombolas entrarem na universidade. Ela e alguns primos criaram a ACPVC com o objetivo de atuar por meio de oficinas de argila, beleza e estética negra e de informática junto a adolescentes e jovens, com faixa etária entre 12 e 29 anos, que tinham relação com o tráfico e com a prostituição.
O cursinho pré-vestibular foi realizado até o ano passado por meio da parceria com a Brazil Foundation, organização filantrópica que atua como ponte entre doadores e organizações sociais. No momento, a ACPVC busca parcerias para dar continuidade ao projeto, especialmente, conseguir transporte para os estudantes.
O “Coletivo Feminista Negro Pretas da Dió” é outro projeto encabeçado por mulheres negras militantes de causas sociais. Criado em 2014, na Uesb, inicialmente como um grupo de estudo, as participantes viram suas ações de conscientização ultrapassar os muros da universidade. Alessandra Leal, estudante ativa no coletivo, diz que “o principal objetivo do grupo era, por meio de leituras e discussões, compreender o lugar da mulher negra e seu corpo na sociedade”.
Atualmente, as integrantes promovem debates, participam de mesas de debate como palestrantes ou eventos para formação política. Além da compreensão da sociedade e do lugar da mulher negra, o coletivo luta por igualdade racial, pelo protagonismo negro, ainda que não institucionalizado. Coletivos como o “Pretas da Dió” provam que a luta da mulher negra sobrevive por meio de iniciativas e do esforço de uma minoria engajada por fazer a diferença na sociedade e transformar a realidade.