Brechós como opção de negócio para mulheres em Vitória da Conquista: sustentabilidade, conscientização e empoderamento
Empreendedoras conquistenses transformam peças usadas em negócio lucrativo e alternativa ecológica ao consumo tradicional 8 de junho de 2025 Inara Silva Santos, estudante do 5º semestre - Colaboradora do Site AvoadorAs sequelas da moda
Roupa velha, artigos antigos e… até roupa de defunto? O que causa espanto em muita gente, é oportunidade de negócio para mulheres de Vitória da Conquista. No terceiro maior município da Bahia, conhecido como Suíça Baiana, elas movimentam o mercado da venda de vestuário usado, por meio dos brechós.
Com tendências surgindo a cada dia, a demanda pela produção de novas roupas é cada vez mais alta. Esta necessidade de produção é chamada de “fast fashion”. E, apesar de atender às necessidades do consumidor, essa dinâmica traz muitas problemáticas.
Problemáticas estas que poucas pessoas conhecem, já que não pensam no processo que leva o seu vestuário até chegar no guarda-roupa. São etapas de confecção, tratamento e distribuição que passam pelas mãos de muitos operários.
A indústria da moda brasileira, segundo a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), tem o segundo maior setor empregador da indústria de transformação, com mais de oito milhões de trabalhadores, sendo 60%, mulheres.

Visão de entrada do BShop Brechó. Foto: Inara Silva
Isso porque a criação de novas peças, gera o descarte das antigas – na maioria das vezes, nem tão antigas assim –, acumulando toneladas de resíduos têxteis prejudiciais ao meio ambiente, que levam até séculos para se decompor. Para se ter uma ideia, apenas no Brasil, são 4 milhões descartadas anualmente.
O meio ambiente não é o único prejudicado. Trabalhadores de muitos países, como a Índia e Paquistão, são explorados para oferecerem sua mão-de-obra barata. Muitas empresas utilizam, também, da exploração infantil para a fabricação de roupas que chegam baratas ao consumidor.
As contraventoras
Para conter um pouco destes impactos, o debate sobre a moda sustentável começou em meio ao movimento hippie dos anos 60 e, com o passar dos anos, essa discussão passou a ter mais evidência. Assim, nasceu a contraventora da fast fashion: a moda circular.
Ela prega a reutilização e o reaproveitamento de peças antigas. Com este movimento, surgiram os brechós, que são, resumindo em poucas palavras, lojas de vestuário usado.
Segundo Vanessa Carneiro, empreendedora de 36 anos e proprietária do BShop Brechó, localizado no bairro Candeias, um dos mais movimentados da cidade, esse seguimento tem um enorme potencial de crescimento.

Vanessa Carneiro, dona do BShop Brechó. Foto: Inara Silva
“Vitória da Conquista é um lugar muito próspero quando se fala de comércio. Se espelhando em pesquisas do varejo nacional e global, a perspectiva é que daqui a três ou quatro anos, a gente entre no mesmo patamar de crescimento do varejo tradicional”, destaca a empreendedora.
Com o brechó funcionando há mais de dois anos e uma filha de oito meses, Vanessa equilibra a vida de mãe com a de empresária: “é difícil equilibrar todos os pratinhos, mas a gente dá um jeito”.
Outra mulher que fomenta o mercado da moda circular de Conquista é Chirle Miriam Almeida, dona do Brechó Toda Graciosa, no bairro Ibirapuera. O nome da loja veio de uma maneira inusitada, por meio de um sonho. Depois disso, Chirle passou a ser conhecida como Graciosa.
Conquistense, ela foi morar em São Paulo aos nove, retornando para a cidade natal apenas 25 anos depois. Como auxiliar de dentista, ficou decepcionada com os salários oferecidos e teve a ideia de montar o brechó, que hoje, tem quase uma década de existência.

Chirle Almeida, mais conhecida como Graciosa. Foto: Inara SIlva
Percebeu uma grande diferença de estilo entre as mulheres da Suíça Baiana e da capital paulista. “As mulheres daqui são super elegantes. Em São Paulo, nunca que a gente vai pro centro de salto!”, comenta Graciosa sobre uma conversa que teve com a mãe, quando decidiu empreender em Vitória da Conquista.
Assim como Graciosa, Mônica Lemos, de 44 anos, saiu de São Paulo e enxergou nas roupas antigas uma mina de ouro. Bem em frente à feira movimentada do bairro Alto Maron, ela gerencia o Brechó M Bazar. Há três anos, ela acorda apaixonada pelo seu ofício. É um prazer enorme atender às clientes e encontrar verdadeiros tesouros escondidos em forma de roupa.
Combate ao preconceito
Há quem se engane ao achar que por se tratar de peças antigas, não são bem cuidadas. Ainda hoje, muitas pessoas evitam ou têm vergonha de ir aos brechós pela questão espiritual – por não quererem utilizar algo que foi de alguém que já morreu – ou por acreditarem no estigma de que roupas velhas não têm qualidade e são sujas. As três empreendedoras chegam num consenso ao dizerem que o maior desafio que encontram no ramo é este preconceito.
Mas a realidade é bem diferente. O processo de seleção das peças é bem criterioso. Mônica, sozinha, separa toda a mercadoria, encaminhada por fornecedores de todo o Brasil, higieniza, apura e precifica até chegar ao consumidor final.

Mônica Lemos faz, sozinha, o processo de seleção das peças. Foto: Inara Silva
Graciosa segue o mesmo processo e realiza alguns ajustes por costura, se necessário. E vai além, faz até uma oração, benzendo todas as peças que chegam à sua loja. Tudo isso para garantir que o cliente receba a roupa sem nenhuma falha.
Moda e sustentabilidade podem andar juntas?
Apesar da resistência de alguns, os brechós das três abrangem um grande público, com clientela majoritariamente feminina, dos 30 aos 70 anos. Há também uma crescente do público jovem, que segundo Graciosa, teve influência de grandes atrizes e influenciadoras, que aumentaram a “glamourização” dos brechós.
Embora a maioria dos clientes busque economia ao ir numa loja de peças usadas, o segundo fator para esta escolha é o consumo consciente. A discussão sobre os impactos da fast fashion também virou moda.
“Para se lavar uma calça jeans, você vai precisar de 60 litros de água. Agora, imagine quantas vezes se joga água fora, água poluída, que é pior ainda”, revela Graciosa. Esses dados podem ser ainda mais assombrosos. Segundo o relatório Fios da Moda, a pegada hídrica de uma calça é de 5,2 mil litros e o Brasil se destaca com a terceira maior produção de jeans do mundo.
Uma pesquisa feita pelo Sebrae em 2023, revelou que das 170 mil toneladas das roupas fabricadas ao ano, apenas 20% são reaproveitadas. Além de retalhos, tecidos e peças de couro não utilizados, a indústria da moda também deixa ao planeta 10% das emissões anuais de dióxido de carbono, conforme o grupo ambientalista Stand.earth.

Utiliza-se mais de 5 mil litros para a fabricação de apenas uma calça jeans. Foto: Inara Silva
“Uma roupa, para ser considerada gasta, deve ser lavada, pelo menos, 70 vezes. Se a gente for fazer essa reflexão sobre nosso guarda-roupa, estas roupas são poucas”, diz Vanessa.
A empresária destaca que seus clientes, que nunca pensaram nestas questões num primeiro momento, ao frequentar o BShop, passam a ter essa visão e se tornam, além de consumidores, fornecedores de suas peças antigas.
Brechós no mundo virtual
Para fora do âmbito ecológico, outro agente que ajuda no crescimento dos brechós é a internet. Com base em dados de uma pesquisa do seguimento da Sebrae de 2024, as redes sociais são o canal de marketing mais popular entre as donas de brechó. Graciosa, Vanessa e Mônica fazem parte disso, divulgando suas peças em suas redes, permitindo que pessoas de diversos locais consigam comprar o look desejado.
Além delas, outras empreendedoras conquistenses utilizam a internet como fonte de renda. Ana Clara Ferraz, jovem de 24 anos, durante a pandemia, passou por um ganho de peso e precisou passar para frente roupas que não a serviam mais. Foi assim que teve a ideia de montar o Brechó Acervo, totalmente digital. Ela abrange o público feminino dos 17 aos 50 anos e consolidou a confiança da clientela nesta meia década.
Força feminina
Através da moda sustentável, acessível e consciente, as mulheres mostram sua força no mundo do empreendedorismo. São histórias como as de Chirle, Mônica, Vanessa e Ana Clara, que inspiram outras a serem escritas.
Segundo Graciosa, o brechó tem um papel muito importante para as mulheres empreendedoras. Para iniciantes no ramo, ressalta que é preciso de muito estudo e esforço para administrar o negócio, mas que no final, tudo vale a pena.“Se você tem o sonho de montar uma loja, comece pelo brechó!”, aconselha.
“Eu super indico para quem tá querendo trabalhar. Hoje, não me vejo fazendo outra coisa. Eu tenho tesão de sair de casa, de garimpar, de procurar tesouros no fundo do baú” fala Mônica, empolgada.
Elas encontram novos donos para artigos que seriam descartados, potencializando a discussão sobre os efeitos que uma simples “blusinha” geram à sociedade e ao ecossistema.
Contrapondo a resistência e o preconceito, mostram que roupa velha não é sinônimo de roupa inútil e que sua versatilidade perpassa gerações. Provando, assim, que a moda sustentável nunca saiu de moda.