Conheça escritoras de Conquista e as obras que publicaram durante a pandemia
Entre 2021 e 2022, quatro mulheres da capital do Sudoeste produziram seus livros e concretizaram as publicações em meio às dificuldade enfrentadas pelo gênero no mercado do livro 13 de julho de 2022 Morgana PoiesisTalvez seja repetitivo, mas ainda necessário dizer que nós, escritoras, encontramos impedimentos sexistas no mercado editorial historicamente dominado pelos homens, em diversos lugares do mundo. Como consequência dessas dificuldades estruturais de publicação e reconhecimento social, parece natural o fato de, ainda hoje, sermos menos lidas e citadas como referências, senão em iniciativas feministas.
Um dos giros decolonais que temos dado é reconhecer nossa própria produção como escritoras brasileiras, assim como nosso empenho redobrado para nos tornarmos públicas como sujeitas de nossas obras, e não como objetos de delírios poéticos clássicos.
Em contrapartida, um movimento notável é que, apesar das condições pouco favoráveis aos artistas durante a pandemia do covid-19, despontamos com livros inéditos, escritos ou organizados nesse período, ao mesmo tempo em que assistíamos ao aumento da violência doméstica de gênero, seja em nosso cotidiano, seja nos noticiários midiáticos. Outro fator que favoreceu essas publicações, especialmente no interior do Brasil, foi a política emergencial de incentivo à cultura implementada pelo governo federal, durante um período da pandemia, em resposta aos apelos dessa classe.
Se você quer girar conosco nesse novo movimento literário e enriquecer seu repertório com referências inusitadas, não perca a possibilidade de ler escritoras da sua cidade, do seu país e do mundo inteiro. Deixamos aqui algumas pistas das nossas produções como artistas naturais ou radicadas em Vitória da Conquista, na Bahia, com lançamentos de livros, entre os anos pandêmicos de 2021 e 2022.
Bia Lile (Fabiana Leite)
Nascida em Belo Horizonte, onde viviam seus avós maternos, muda-se para a cidade de Vitória da Conquista, onde seus pais já moravam, permanecendo até a juventude. Depois, retorna para BH, transitando entre esses dois territórios que, segundo ela, fundamentam suas relações familiares, amizades e redes de criação artística, “em um eterno ir-e-vir”. Iniciada no teatro conquistense pelos tios Sônia Penido e Gildásio Leite, desenvolve-se como fotógrafa e cineasta de reconhecimento nacional. Em Belo Horizonte, cursa bacharelado em Direito e mestrado em Educação, passando a se engajar na pauta antiprisional e nos estudos sobre gênero, pesquisando a representação das mulheres no cinema.
A escrita literária a acompanha desde a adolescência, em formatos variados, como poesia, contos e roteiros cinematográficos, influenciada pelo sertão de Guimarães Rosa e pela mineiridade de Carlos Drummond que, segundo a escritora, “fazem a minha devoção pela literatura coincidir com as geografias que hospedam e marcam o meu corpo e o meu caminhar”. Nos movimentos estudantis da adolescência, inicia leituras de Simone de Beauvoir e desperta para o feminismo, passando a buscar escrituras de mulheres como Clarice Lispector, Hilda Hilst, Anais Nin e Lou Andreas Salomé. Se torna uma estudiosa das questões de gênero, a partir da literatura de Betty Friedan, Joan Scott, Judith Butler, Angela Davis, bell hooks, Paul Preciado, Ann Kaplan, Teresa de Lauretis, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo, entre outres. Também foi influenciada pela novelle vague francesa inscrita na obra de Agnès Varda, pelos escritos e filmes da Marguerite Duras, e pelo cinema de Ana Carolina e Lucia Murat. Bia Lile, como assina seus textos, também cita em suas referências artísticas os escritos sobre fotografia de Susan Suntag, a arte visual de Sophie Calle e a fotografia de Francesca Woodman. Há alguns anos, frequenta slams de poesia e batalhas de rap que acontecem na capital mineira.
Apesar da escrita ter estado presente na sua trajetória, somente na pandemia Bia Lile debruçou sobre toda a escrita que trazia guardada, resultando em uma intensa produção poética. “O desejo pela publicação já me acompanhava desde antes, mas a pandemia, talvez por nos colocar de maneira concreta frente à iminência da morte, tenha me chacoalhado como nunca antes, em um movimento onde a necessidade de expressão se tornou mais visceral. (…) Entre novas escritas e releituras do material antigo se passaram quase 3 anos, onde fui bordando o conceito do livro, que se materializou em Sinais de Nascença. O título talvez reflita esta experiência limite da pandemia e a pulsão por vida que se traduz na escrita. A seleção pelos poemas que compõem a obra passou por um processo mais intuitivo, tentando entender como compor um rizoma a partir de tantos temas e questões que me atravessavam naquele momento. Ao final tinha um livro dividido em três partes: Dom de Terra abre o livro com os poemas que expressam de maneira mais marcante uma poética de luta. Gestos de chuva agrega poemas que expressam movimentos mais líquidos, tendo o amor erótico como guia. Ser Tao fecha o livro e encarna poemas com uma dimensão mais transcendente, ancestral, onírica”, afirma a escritora. Sinais de Nascença foi publicado pela Quintal Edições, de Belo Horizonte, editora que realiza um trabalho direcionado à publicação de mulheres escritoras. O livro é composto, ainda, por fotos Layla Motta, apresentação de Nívea Sabino e arte visual de Mirela Persichini. Interessades podem adquiri-lo no site da editora: Sinais de nascença – Quintal Edições (quintaledicoes.com.br).
Gisberta Khali
Natural de Vitória da Conquista, sempre teve os livros como amigos íntimos. Na infância, lia tratados diversos sobre a origem das espécies, história geral, filosofia, química etc, na Enciclopédia Barsa e na coleção Os Pensadores. Após percorrer o acervo particular das suas tias e irmãs, começou a frequentar a Biblioteca Nacional de Conquista, onde descobriu Balzac, Victor Hugo, Zola, Machado de Assis, Jorge Amado e sua preferida, Clarice Lispector. “O universo cheio
de mal estar e conflitos dessa escritora soava muito familiar. Era desconfortável viver dentro de mim e Clarice falava disso e mil outros assuntos”, declara Gisberta.
A escritora também buscou referências filosóficas em Sartre, Schopenhauer e Nietzsche. “Aos 15 anos eu era mais solitária e antissocial do que na infância e minha cidade se resumia a idas e vindas à Biblioteca e viagens psicológicas meu quarto. Só quando entrei na universidade aos 17-18 anos me arrisquei a frequentar outros espaços de convivência pública, como teatros, festivais de arte e finais de festas com pessoas “estranhas”. “Quando cheguei no oitavo semestre do curso de Letras da Uesb, iniciei um processo de transição de gênero, tranquei meus estudos e, novamente, me joguei na reclusão, quando não frequentava o submundo da prostituição da cidade. Nunca, entretanto, parei de ler e descobrir novos escritos e de desenvolver minha arte literária, cuja importância é máxima para minha sobrevivência”, relata a escritora sobre seu processo de arte e vida.
Entre 2021 e 2022, Gisberta Khali publicou duas obras literárias, Poética do Asfalto e Fricção. “Fricção veio primeiro, mas foi organizado depois. Ambos foram colocados em circulação durante a pandemia, quando finalmente consegui, via fomento do Governo do Estado, um apoio substancioso para adentrar o mercado editorial. Não tive um projeto literário bem articulado, com temas propositalmente colocados em sequência, muito menos um público-alvo. Eu faço os textos pra ninguém e minha escrita sempre foi experimental, apenas amarrei os pedaços dessa colcha de retalhos. O propósito disso tudo é sobreviver em um mundo que pretende sempre silenciar corpos em transgressão”, afirma a escritora que teve seus livros publicados com recursos da Lei Aldir Blanc. Poética do Asfalto é um livro artesanal e pode ser adquirido diretamente com a autora, ou através do e-mail do projeto poeticadoasfalto@gmail.com.
Jaya Magalhães
Natural de Vitória da Conquista, residiu também em Jequié, Poções, Salvador e Roraima, onde começou a construir seus alicerces literários. Graduada em Direito, se apresenta como uma ex-advogada. “Desde o ano passado estou vivendo uma transição de carreira, depois de algumas sequências de epifanias vividas durante a pandemia, que me empurraram para o meu real propósito: escrever. Acabo de concluir uma especialização de Produção em Jornalismo Digital na PUC Minas e estou começando o primeiro semestre de Jornalismo na UESB. Invertendo as ordens, mas finalmente experimentando os caminhos que entendi que gosto de caminhar. Atualmente trabalho com Marketing de Conteúdo numa Edtech, relata Jaya sobre o seu percurso acadêmico e profissional. “Comecei a escrever desde que tinha 4 anos. Escrevi diários até os meus 15 anos. Depois passei para escrita em blogues e, em 2012, publiquei meu primeiro livro, Líricas, uma coletânea de contos e crônicas em tons bastante intensos de prosa poética”, prossegue a escritora, que tem, dentre suas referências literárias, o colombiano Gabriel García Márquez e a brasileira Adriana Falcão.
Em 2021, Jaya Magalhães publicou Bem Ditas Cartas, livro que começou a escrever no ano anterior. “Bem Ditas Cartas surgiu como produto final de um projeto de vídeo-cartas que desenvolvi durante a pandemia, com uma amiga e duas outras pessoas. As cartas que escrevi para o livro foram resultado de uma tentativa de curar algumas ausências, entregar algum conforto para quem lesse e também para saber por onde guiar meus sentimentos. Nunca deixei de escrever cartas, mesmo que algumas delas jamais venham a ser entregues, porque, às vezes, a escrita acaba sendo um processo individual de cura”, declara a escritora sobre seu processo de criação.
O livro Bem Ditas Cartas foi publicado com recursos da Lei Aldir Blanc. “O projeto de vídeo-cartas que citei foi contemplado com o Prêmio das Artes Jorge Portugal aqui do estado. Inserimos o livro como parte da difusão literária e objeto da premiação. A publicação foi feita em cima desse investimento do Governo do Estado, de modo independente. Reunimos uma equipe muito competente para fazer diagramação, ilustração, revisão. Em seguida, fiz todo o processo de registros e demais burocracias on-line, pelo site da Biblioteca Nacional”, afirma Jaya Magalhães. Bem Ditas Cartas teve tiragem única e exemplares esgotados.
Morgana Poiesis
Aqui abdico do mito da imparcialidade jornalística, e quebro o que seria a quarta parede no teatro e no cinema, onde também atuo, me colocando ao lado dessas escritoras, em uma relação de cumplicidade literária. Sou uma mulher sertaneja, natural de Feira de Santana-BA. Renasci artista como Morgana Poiesis, e desde então não tenho outra identidade. Comecei a ler e escrever na infância, quando frequentava as bibliotecas das escolas onde estudava, e ficava horas perdida no mundo dos livros, durante as férias na casa da minha avó. Aos 10 anos, publiquei minhas primeiras poesias no livro infantil Meu mesmo poema, na Escola Mundo Colorido, em Caetité-BA. Na adolescência, comecei a escrever sonetos e cordeis. Aos 15 anos, me identificava com as protagonistas de Clarrisa e O mundo de Sofia, romances de Érico Veríssimo e Jostein Gaarder, respectivamente. Tinha os livros de Clarice Lispector como ora doce, ora amarga companhia. Tempos depois, mergulhei nos diários de Anais Nin e Fernando Pessoa. Nos últimos anos, tive o clássico Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estés, como livro de cabeceira.
Em meados de 2003, vim para Conquista fazer o curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na UESB. Em 2005, fui aprovada no concurso público para funcionária desta Universidade, passando a desenvolver projetos de extensão, na Coordenação de Cultura, desde 2013. Sou especialista em Comunicação e Política (UESB), mestra em Artes Cênicas (UFBA) e doutora em Performances Culturais (UFG), onde defendi uma tese epistolar que tem sido referência em diversas áreas. Desde 2015, produzo livros-objeto artesanais com poesias, contos, cartas e manifestos autorais, participando de feiras independentes, em diversas cidades brasileiras. Em 2020 e 2021, idealizei e produzi o podcast Maria Bonita: mulheres na literatura brasileira. Desde 2019, sou integrante do coletivo brasileiro Mulherio das Letras, com publicações em coletâneas da Bahia e de Lisboa. A filosofia também atravessa minha literatura, com influências da fenomenologia, do pós-estruturalismo e, mais recentemente, do feminismo decolonial.
Meu livro, Cordeis que não são, é composto por cinco cordeis escritos entre os anos de 2007 a 2022, na Bahia. Versam sobre temas diversos, como a construção geopolítica do Nordeste, a cultura digital, a primeira feira livre de Conquista, a cientista polonesa Marri Courie e a educadora, escritora e feminista brasileira, do século XIX, Nísia Floresta. O nome do livro é inspirado nos Sonetos que não são, do livro Roteiro do Silêncio, de Hilda Hilst, pois meus versos não seguem a métrica regular dos cordeis, propriamente ditos. A apresentação foi feita pelo escritor, editor e jornalista soteropolitano Ricardo Santos. Diferente das poesias que escrevo em versos livres, que vêm de um processo mais intuitivo de criação, experimento os cordeis como recurso didático, onde geralmente parto de um tema específico, faço uma longa pesquisa e depois escrevo.
Como fui acumulando escrituras de toda a vida, já vinha pensando em me dedicar mais à publicação. Até então, havia publicado em coletâneas, revistas, sites e programas de rádio. Sentia que era o momento de publicar meu primeiro livro autoral, a pandemia intensificou esse desejo. Navegando pelo Instagram, vi uma chamada para publicação de cordeis, pela Editora Urutau, de São Paulo. Rapidamente organizei uma pequena seleção de cordeis e fui selecionada. A editora trabalha com financiamentos coletivos, através da plataforma Benfeitoria. Publiquei e recebi uma quantidade de livros referente ao valor arrecadado na campanha. O livro Cordeis que não são pode ser adquirido diretamente comigo ou através da editora https://editoraurutau.com.