Desejo e destruição: os malefícios por trás da pornografia
Estudo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, aponta que o alto consumo de pornografia tem efeito no cérebro semelhante ao uso de drogras. 13 de dezembro de 2023 Gabriel Goes, Matheus Marinho, Michael Costa“Aos 14 anos, me pegaram vendo pornografia numa lan house. Falaram para a minha mãe, que me bateu muito, e não me deixaram mais voltar”. Foi na adolescência que Thiago Souto começou a consumir pornografia. Aos 23 anos, ele relembra as dificuldades que esse hábito lhe causou. “Hoje, só consigo contar isso porque procurei ajuda, mas eu sinto vergonha de tudo o que eu fiz.”
Pesquisas apontam que o sexo ainda é um tabu entre as famílias no Brasil. Segundo levantamento do Instituto Datafolha, 40% das pessoas, entre 15 e 29 anos, não abordam o tema com a família. O assunto é tratado como proibido e resulta numa preocupante falta de diálogo. O acesso à indústria pornô está disponível, de maneira gratuita, para o consumo. De acordo o Similarweb, plataforma que atua na análise de dados sobre o tráfego gerado para páginas da internet, no mês de novembro de 2023, o Xvideos, site de conteúdo adulto, ficou entre os 10 endereços eletrônicos mais acessados no Brasil.
“As pessoas estão vinculadas a um ciclo de recompensa. A sensação de compensação que o acesso à pornografia traz cria o interesse em repetir o ciclo de desconforto, tensão, prazer e alívio, explica a psicóloga Mariana Macedo. Foi o que aconteceu com Thiago, que buscou na pornô um refúgio mental para o estresse causado pelos problemas no trabalho e no seu relacionamento. “Tudo começou a ficar chato. Era o trabalho e a minha mulher, (pois) a gente sempre acabava brigando. Foi aí que eu resolvi voltar a assistir os filmes para aliviar. Eu só falava que ela estava certa ao invés de discutir.”
“Nesse momento em que atravessamos uma passagem significativa quanto ao desenvolvimento da tecnologia, a produção de materiais audiovisuais com conteúdo sexual explícito movimenta um mercado expressivo e o acesso com poucas restrições alimenta um público considerável no mundo todo”, aponta a psicóloga Mariana Macedo.
As histórias contadas pelas produtoras de filmes pornô influenciaram na relação de Thiago com a sua namorada. “Eu fiquei muito viciado, procurava todo tipo de pornô para ver. Cheguei a entrar em grupos onde eu mandava a foto da minha namorada para outros homens verem. Foi quando ela ficou sabendo de tudo. Dizia que iria se matar, mas, embora, eu afirmasse que não faria mais, ela não aceitou.”
O vício em pornografia, além de afetar as relações com o outro em sociedade, também pode impulsionar atos preconceituosos na vida sexual. “A linguagem da pornografia endossa e reforça estereótipos violentos que envolvem misoginia, racismo e a simbolização do sexo como um conteúdo sustentado pelo poder, opressão e objetificação”, explica a psicóloga.
Esse descontrole no consumo de pornografia se configura em um vício, que á enquadrado como uma doença, e pode levar a danos individuais e coletivos. Segundo Mariana, há danos severos às relações interpessoais, ao desenvolvimento cognitivo, à produção da subjetividade e da experiência existencial, que vai sendo drenada para o núcleo de um vício que consome o tempo, a energia psíquica, as emoções e a afetividade do indivíduo”.
“Eu sinto vergonha de tudo o que eu fiz. Comecei a ir para a igreja, (pois) eu quero provar que eu mudei. Já voltei a trabalhar e, se eu pudesse, nem celular tinha para não ter ideia de procurar de novo, porque muitas vezes eu quero, não vou mentir”, desabafou Thiago. O vício em pornografia tem cura, como De acordo com Mariana, atualmente há tratamento. “Clínicas, centros de reabilitação, psicoterapia e acompanhamento psiquiátrico são possibilidades acessíveis para que quem esteja enfrentando este processo possa receber ajuda e acompanhamento especializado”, finaliza a psicóloga.
“EU VIA PORNOGRAFIA TODO DIA, ATÉ PAREI DE TRABALHAR”
Estudo desenvolvido por investigadores do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, publicado na revista “Plos One”, apontou que o alto consumo de pornografia tem efeito no cérebro semelhante ao uso de drogas, podendo provocar depressão, ansiedade e distanciamento social. “Comecei a juntar dinheiro para comprar um celular, e, no final do ano, consegui. Os créditos iam embora com a internet. Eu via pornografia, até parei de trabalhar”, relatou Thiago Souto.
De acordo com o neurologista Márcio Siega, responsável pela Clínica Modula Dor e membro da Academia Brasileira de Neurologia, em entrevista ao Correio Braziliense, todo ser humano possui um sistema de sistema de recompensa mediado pela dopamina, neurotransmissor conhecido como o hormônio da felicidade. E o ato de assistir conteúdos pornográficos libera altas doses dessa substância no cérebro. Entretanto, a gradação dessa busca pelo momento de prazer é capaz de colocar os consumidores em um ciclo vicioso, uma busca insaciável por uma sensação de recompensa cada vez mais difícil de ser alcançada. “Tudo se inicia no gatilho, um cansaço físico ou mental, solidão, saudade ou outro motivo muito específico que a pessoa tenha. O resultado disso traz uma recompensa imediata e fácil a esse gatilho. Caso esses aspectos se perpetuem ou fiquem frequentes, o consumo aumenta.”
PORNOGRAFIA E AS MULHERES
Segundo a presidente da Comissão Nacional de Sexologia da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e coordenadora do Serviço de Saúde Sexual da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, a ginecologista, obstetra e sexologista, Lúcia Alves da Silva Lara, em entrevista ao Portal Ela, o vício em pornografia, aumenta a possibilidade de objetificação da mulher. “Principalmente a partir de 2011, vários estudos mostram que, quanto mais jovem o menino que consome pornografia, maior é o risco de ele, na vida adulta, considerar a mulher um mero objeto de prazer. E, do lado das meninas, maior é o risco delas não valorizarem a sua satisfação sexual, e de se submeterem ao prazer masculino como mero objeto sexual.”
Para Vivian Mendes*, 25 anos, a relação com um homem viciado em conteúdo pornográfico foi uma das piores experiências da vida. “O que aconteceu foi que ele projetava as inseguranças em mim. O vício dele fazia eu me sentir insuficiente. Com o tempo, eu deixei de ser procurada, porque o sexo normal já não o satisfazia. Ou ele não tinha energia para fazer comigo, ou não tinha interesse. Foi um golpe duríssimo para a minha autoestima. Apesar dele tentar esconder, eu sabia o que vinha acontecendo. Era horrível saber que uma tela era mais atraente que eu. Me sentia um lixo nessa época. Precisei fazer terapia.”
TRATAMENTO
O vício em pornografia, assim como qualquer outro, atua no sistema de recompensa do cérebro. O seu tratamento exige uma série de estratégias, que envolve desde mudanças de hábito até o acompanhamento profissional.
Segundo o Instituto de Psicologia Aplicada (IMPA), existem alguns diagnósticos que parecem estar relacionados ao vício em pornografia: problemas de concentração, diminuição da memória, TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), depressão, ansiedade de desempenho e TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Pesquisas já indicam que esses sintomas poderiam ser diminuídos ou suprimidos, se o vício em pornografia for abandonado.
Buscar ajuda é a melhor maneira de cuidar dessa condição. Psicólogos, terapeutas, sexólogos e grupos de apoio são profissionais preparados para tratar e auxiliar no tratamento contra o vício. O primeiro passo é reconhecer que o problema existe e ir atrás de auxílio. , “Atualmente, há tratamento para pessoas com comportamento sexual compulsivo; clínicas, centros de reabilitação, psicoterapia e acompanhamento psiquiátrico são possibilidades acessíveis para que quem esteja enfrentando este processo possa receber ajuda e acompanhamento especializado”, explica a psicóloga Mariana Macedo