Educação sexual nas escolas: um diálogo necessário
Riscos de gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis, entre outros problemas, podem ser reduzidos a partir do debate aberto sobre sexo e sexualidade 3 de novembro de 2018 Analu Aguiar, Jhou Cardoso, Laire Carvalho, Patrícia SouzaO excesso de informações nos meios de comunicação tradicionais e na internet têm levado os jovens a conversar mais abertamente sobre sexo. No entanto, as dúvidas sobre o assunto, muitas vezes, ficam sem respostas, e o tema ainda assusta pais e educadores, tanto que, no currículo do ensino básico, não há uma disciplina específica sobre Educação Sexual. Com isso, o que era para ser uma fase de descobertas pode se transformar em um momento conturbado. Tornam-se maiores os riscos de gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis e até de conflitos sobre o desconhecimento do próprio corpo e orientação sexual.
Para a psicóloga e professora do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Selma Noberto, o trabalho sobre Educação Sexual é vital. Até a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) defende que a sexualidade é um direito fundamental e aponta a necessidade das escolas tratarem do tema como parte do processo de desenvolvimento humano.
“Educação Sexual envolve sentimentos, envolve discussão de gênero, de identidade, de orientação sexual. Portanto, faz parte da vida, e as crianças e os adolescentes precisam estar debatendo sobre isso”, afirma Selma. Para a professora, a resistência das escolas em trabalhar a disciplina “tem a ver com a dificuldade em compreender o tema, a sua amplitude e importância”.
A estudante do 1° ano do Ensino Médio, Ana Luiza Vasconcelos, 14 anos, confirma o quanto a discussão em sala de aula tem sido insuficiente. “Eu acho que tinha, sim, que haver um interesse maior das escolas para ensinar [a disciplina] aos alunos”. Ela afirma que, apesar da vergonha, procura conversar sobre sexo e sexualidade em casa. “A gente tem uma conversa sempre em relação a essas coisas quando, principalmente, passam em novela, na mídia”, relata.
Ana Carolina Moura, 17 anos, também estudante, sabe a importância de se discutir Educação Sexual nas escolas, pois, ao contrário de outras adolescentes, ela teve contato com o tema no Ensino Fundamental. “Na oitava série mesmo, ensinaram como usar camisinha, como se pega doenças e tudo mais”. Quando precisa saber algo mais, Ana recorre à mãe ou aos amigos.
Aelly Pires, 17 anos, aluna do 3º ano, que atualmente está em um relacionamento afetivo, contou que já recebeu informações sobre Educação Sexual no Ensino Fundamental, e que agora no Ensino Médio, procura sempre o apoio familiar para esclarecer suas dúvidas. “Aqui, na escola, geralmente não se fala nada disso, mas em casa meus pais são bem compreensivos e sabem falar essas coisas, é tudo aberto”.
A pedagoga e mãe de três filhos, Gleide Moura, acredita que a discussão sobre sexo deve ser iniciada pelos pais e complementada na escola. Apesar de mostrar abertura, ela diz que ainda percebe timidez por parte dos filhos. “Sinceramente, nenhuma das minhas duas (filhas) nunca me perguntou nada. Eu quem sempre falo para terem cuidado, se prevenir, evitar uma gravidez, coisas assim”. Contudo, ela confessa que acaba priorizando a conversa com as filhas. “Eu sempre falo, principalmente para as meninas, os meninos nem tanto. Porque menino acho que sente vergonha, mas, mesmo assim, eu ainda falo para ter cuidado, usar camisinha, porque não é só gravidez, é doença também”, relata.
A sexóloga Adriene Leite considera que a conversa sobre educação sexual na família é essencial e serve para evitar barreiras e conflitos. De acordo ela, jovens que tiveram informações do pai e da mãe acerca do tema são mais capazes de tomar decisões conscientes e responsáveis e desenvolvem uma vida sexual mais saudável na fase adulta.
Para Adriene, a educação é o caminho para combater as opressões, principalmente aquelas relacionadas à sexualidade feminina. Ela defende, porém, que esse tipo de formação deve acontecer de forma igualitária para ambos os sexos. “O empoderamento da mulher tem que se dar em todos os campos da sua vida. Para isso é preciso trabalhar de forma igual ambos os sexos para o que o respeito possa prevalecer entre eles”, explica.
Apesar de estudantes, professores e profissionais da educação e da psicologia salientarem a importância da educação sexual na escola, essa é uma realidade distante do currículo. É o que admite o professor de Biologia Maximiliano Machado. Segundo ele, não há políticas de educação sexual eficazes. Na escola em que atua, ele aborda essa questão na sala de aula por iniciativa própria. A única iniciativa regularmente adotada pela instituição são as atividades letivas diferenciadas para as alunas que engravidam. “A escola tem uma legislação específica que trata sobre exercício domiciliar, que oferece orientação à alunas gestantes. Aqui, existe isso, mas não sei por que razão os alunos não solicitam esse suporte”, comenta.
Gravidez precoce
A gravidez na adolescência é um dos problemas que podem ser enfrentados por meio do debate sobre educação sexual. Segundo a OMS, no Brasil, a taxa de natalidade a cada mil adolescentes de 15 a 19 anos caiu de 70,9 para 68,4 no período de 2010 a 2015, mas o país continua em primeiro lugar nessas estatísticas, seguido do Chile e da Argentina. O relatório da Organização, divulgado em agosto de 2018, coloca o Brasil acima da média latino-americana e mundial, que é estimada em 46 nascimentos a cada mil adolescentes. Em nível regional, a Bahia é o estado do Nordeste com o maior número de mães com idade entre 10 e 19 anos, conforme um levantamento do Ministério da Saúde feito nos últimos anos.
Val Brito, 25 anos, mãe de três filhos, entrou para essa estatística aos 15, quando engravidou pela primeira vez. Durante sua vida escolar, nenhuma matéria abordou sobre Educação Sexual ou métodos contraceptivos. “Na escola, a gente estudava português, matemática, história, essas disciplinas, nada que nos ajudasse de fato a entender o nosso corpo ou a nossa sexualidade.”
Aos 15 anos, Val teve seu primeiro namorado, um rapaz mais velho, com mais experiência, e foi com esse rapaz que ela teve seu primeiro filho. “Minha primeira relação sexual foi na adolescência e já tive a sorte de ficar grávida. O rapaz era mais velho, e eu achava que ele estava usando camisinha. Não estava!”, relembra.
Ela acredita que se tivesse mais acesso a informação na escola ou se sua família tivesse conversado sobre métodos contraceptivos, talvez, não tivesse ficado grávida tão precocemente. “A gente comete o erro por não ter conhecimento! Hoje, o povo fala mais sobre sexo, sobre camisinha, têm campanhas na televisão ensinando a usar, e na minha época não se falava sobre isso, nem na escola”.
Doenças sexualmente transmissíveis
As doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) também são um grande risco à saúde dos adolescentes. No Brasil, apenas casos de HIV e sífilis em gestantes e bebês são notificados obrigatoriamente ao Ministério da Saúde, tornando mais difícil o acesso a dados e informações sobre outras doenças e, consequentemente, diminuindo as chances de prevenção.
O HIV assustou e matou milhares de pessoas nas gerações passadas, mas, apesar de hoje em dia haver tratamento e melhor qualidade de vida para as pessoas que convivem com o vírus, o perigo ainda não passou. Em 2017, o Boletim Epidemiológico HIV/AIDS registrou 16.371 pessoas com o vírus, uma queda de 21.513 casos em relação ao ano anterior. Apesar da redução, observa-se um comportamento inconsequente da geração atual apesar de toda a informação e meios de prevenção disponíveis. Segundo o Relatório de Monitoramento Clínico do HIV do Ministério da Saúde, entre os 18 e 24 anos, 34% dos diagnosticados não realizam tratamento com antirretrovirais.
Além disso, o uso do preservativo, método mais indicado para prevenir as DSTs, é negligenciado. Em 2015, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que, dos 27,5% dos estudantes sexualmente ativos do nono ano do ensino fundamental, somente 66,2% tinham usado camisinha na última relação.
Em Conquista, o Centro de atenção e Apoio à Vida – CAAV – registrou 27 novos casos de incidência do vírus do HIV em 2017, no período de janeiro a julho. O CAAV oferece atendimento médico especializado e assistência social aos portadores de Doenças Sexualmente Transmissíveis e do vírus da Aids, principalmente direcionados a jovens e adolescentes.
Foto destacada:Afonso Ribas/Site Avoador