Mães universitárias da Uesb convivem com falta de infraestrutura e vagas reduzidas nas creches
Mesmo representando 59% do universo de estudantes na Uesb, as mulheres ainda não são priorizadas em suas necessidades específicas, como a maternidade 29 de abril de 2022 Por Carla Adrienny, Jéssica Muniz, Leiane Oliveira e Talyta BritoA vida universitária é desafiadora em suas mais diversas facetas. A rotina exaustiva, que inclui aulas, trabalhos, provas, estágio e atividades extracurriculares, torna- se ainda mais fatigante para uma mulher que é ou se torna mãe no processo de formação acadêmica. Essa é a realidade de diversas mulheres e mães na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), que encontram dificuldades no acesso à creche da instituição e na ausência de uma infraestrutura adequada para atender as crianças.
A estudante do quinto semestre do curso de Jornalismo da Uesb, Ana Carolina Bastos, 25 anos, passa por essa situação. Ela foi mãe aos 22 anos, e no início da graduação, seu material de estudo se misturava aos itens de uso do bebê, Victor Hugo. Na época, ele tinha apenas oito meses.
Durante todo o período do primeiro semestre, em 2019, Bastos se deslocava diariamente em um percurso que levava entre 40 minutos a uma hora, caso precisasse pegar dois ônibus, carregando o pequeno Victor, que naquele momento, não tinha com quem ficar. “No início, o pai do Victor não me ajudava em nada. Eu tive que fazer muito malabarismo para dar conta da faculdade e dele.”
Nas universidades brasileiras, que inclui a Uesb, as mulheres são a maioria dos estudantes. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), no ano de 2019, 29,7% das mulheres estavam cursando o ensino superior contra 21,5% dos homens. Na Uesb, em uma pesquisa interna realizada em 2021, entre o universo de estudantes, o gênero feminino, ocupava 59% das vagas enquanto, o masculino 41%.
Esse número maior de mulheres no ensino superior não significa que esses ambientes estejam preparados para as necessidades inerentes à condição feminina, como a maternidade, que exige a existência de creches com vagas disponíveis às estudantes. Na Uesb, o acesso à Creche do Bem-Querer, do campus de Vitória da Conquista, e ao Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol, em Jequié, não têm um número de vagas específico para as discentes, já que a prioridade são os docentes e demais servidores. Com isso, conseguir uma vaga é um desafio a mais enfrentado pelas mães universitárias. Em Itapetinga, estudantes nem contam com uma creche, pois não existe o serviço na unidade.
“Quem tem preferência nas vagas da creche são os professores e demais funcionários da Uesb. Então, a depender da classe da criança, sobra cinco vagas, seis vagas, no máximo dez”, segundo a estudante de Jornalismo, ao comentar sobre as dificuldades de acesso à Creche do Bem-Querer. “Durante todo o primeiro semestre, ele acabou indo comigo para a sala de aula, já no segundo, minha mãe acabou pagando uma creche, para que eu conseguisse prestar atenção nas aulas.” Porém, as dificuldades persistiram. No dia 4 de fevereiro de 2022, quando o Comitê Emergencial confirmou o retorno presencial das aulas, ela ficou impossibilitada de assistir às aulas porque seu filho adoeceu. “Fiquei um mês sem pisar na Uesb”. Durante esse período, a estudante cogitou a possibilidade de trancar o curso.
A estudante do curso de Biologia, Roberta Sá Fernandes, 34 anos, também compartilha de uma história semelhante. Ela é mãe de Alice, de 6 anos, e teve sua filha quando ingressou na universidade, em 2016. Terminada a licença-maternidade, ela também se deparou com a falta de vagas na creche da instituição. “Ela (Alice) teve que ficar na sala de aula comigo muitas vezes, entre junho e dezembro de 2016. Em 2017, consegui a vaga na creche, e ela ficou lá até 2019.” Atualmente, ela deixa a filha com a avó para dar continuidade nos estudos da graduação.
Além da creche, a discente de Biologia aponta a estrutura inadequada da Uesb para as necessidades básicas das crianças, como a troca de fraldas.“Os banheiros não têm estrutura nenhuma para uma mãe ou pai que esteja com uma criança pequena e precise trocar a fralda. Por isso muitas vezes tive que trocar quando as salas estavam vazias.” Fernandes mora em Poções, e se deslocava todos os dias para Conquista, com sua filha. “Eu moro em Poções com a minha mãe, mesmo tendo ela como apoio, era complicado deixar uma criança tão pequena na época e correr o risco dela desmamar cedo, sendo que a creche estava ali perto”.
O que ajudou a estudante de Biologia e tem dado um apoio a de Jornalismo é a solidariedade dos colegas e dos professores. Bastos relembra o quanto a comunidade acadêmica fez a diferença quando Victor começou a engatinhar. “Os professores me ajudavam em questões de estrutura porque como ele era pequeno, ele precisava engatinhar. Uma delas, inclusive, deu um tatame para ele de presente”. Já Fernandes destaca o quanto alguns docentes fizeram a diferença, para o bem e o mal, em todo o processo formativo e de mãe universitária. “Com alguns professores, eu não tive problemas, mas outros achavam ruim eu estar com ela na sala”.
Impactos psicológicos
O ambiente universitário atual, sem considerar as especificidades das mulheres, não é moldado para as necessidades de uma criança. A rotina acelerada somada às etapas evolutivas da infância e suas exigências pontuais tornam a universidade um espaço desagradável para as crianças. Para professora do curso de psicologia da Uesb, Carmem Virgínia Silva, essa experiência traz consequências para as crianças. “Uma mudança de cidade interfere no processo de desenvolvimento, o nascimento de um irmão interfere no processo de desenvolvimento. Se a mãe trabalha somente em casa e passa a trabalhar também fora de casa, isso interfere no processo de desenvolvimento. Então a vida acadêmica da mãe interfere no desenvolvimento da criança.”
No entanto, segundo a psicóloga, o nível de interferência depende do tempo que essa criança permanece no local inadequado para sua etapa de crescimento. “Quando uma situação pontual, essa criança pode sentir menos esse efeito, mas, quando é uma situação rotineira, então essa criança provavelmente sentirá mais. Ficar numa sala de aula, por exemplo, durante um turno inteiro.”
Os impactos afetam também o desempenho acadêmico dessas mães, que precisam se desdobrar para atender às necessidades dos pequenos e se dedicar às atividades acadêmicas. A sobrecarga de compromissos acaba dificultando o rendimento acadêmico dessas mulheres. Fernandes lembra uma ocasião em que abandonou uma prova por causa da filha, a Alice. Ela estava no corredor junto com o pai, meu companheiro na época, à minha espera, mas Alice começou a chorar. “Eu não estava aguentando a situação, de estar atrapalhando os meus colegas e os alunos das outras turmas, enquanto ela chorava, enquanto eu precisava estar com ela para que se acalmasse. Eu entreguei a prova incompleta e sai para cuidar dela.”
Creches: surgimento e estrutura
As creches na Uesb, dos campi de Conquista e Jequié, foram implementadas no ano de 1992, após reivindicações dos servidores por melhores condições de trabalho. O campus de Itapetinga ainda reivindica a sua unidade de atendimento.
Das quatros universidades estaduais baianas, atualmente, apenas Uesb e a Universidade Estadual de Federal de Feira de Santana (Uefs) dispõem de Creches nas suas estruturas, mantidas mesmo depois da municipalização da Educação Infantil. De acordo com Manuella Cajaíba, Assessora de Gestão de Pessoas (AGP), da Uesb, as creches surgiram para atender uma demanda existente dentro da instituição. “As creches se constituíram, e são, um espaço seguro e de referência no desenvolvimento pedagógico, no acolhimento e cuidado às dependentes de servidores, docentes, de técnicos administrativos e de discentes da Uesb.”
Além de um serviço à comunidade acadêmica, as duas unidades existentes na Uesb servem ainda para a realização de estágio, ensino e pesquisa dos cursos de Psicologia, Odontologia, Educação Física, Enfermagem, Fisioterapia, Teatro e Dança, Medicina, além da Pedagogia.
As creches da universidade nos campi de Conquista e Jequié atendem a uma total de 204 crianças, sendo 102 para cada unidade. O atendimento está dividido em quatro níveis da Educação Infantil (Berçário, Infância I, Infância II e Infância III), nas faixas etárias entre seis meses e quatros anos de idade. Quem tem direito ao serviço são mães estudantes, desde que estejam devidamente matriculadas, e também os servidores docentes, técnicos, analistas, Reda, livre nomeados. Há ainda o pagamento do valor de R$80,00 para estudantes e demais servidores, enquanto os professores, pagam o valor proporcional a 1% do valor do salário.
As vagas por turma nas unidades com creche da Uesb seguem o limite estabelecido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), que regula os deveres do Estado enquanto agente provedor da educação. A distribuição proporcional de um terço do total de vagas por categoria da comunidade acadêmica, entre professores, demais servidores e estudantes, também é estabelecida com base nessa lei. No entanto, essa mesma regulamentação, determina que as instituições educacionais têm autonomia para decidir como será feita a distribuição das vagas, conforme demanda e capacidade de manutenção das vagas.
A estudante do sétimo semestre de Agronomia, Denise Almeida Fiuza, também se descobriu mãe durante a graduação. Ainda no período da maternidade, entre quinto e sétimo mês de gestação, ela foi até a Creche Bem-Querer, mais conhecida como a Creche da Uesb, e foi informada que deveria colocar o nome dela na lista de um livro, cuja sequência determinava a ordem de acesso ao serviço. Ela só conseguiu a vaga quando sua pequena, Ana Maria Luíza, tinha 2 anos e 11 meses, para ficar no no período das 7h 30 às 12h. Segundo a estudante, tem sido importante para a filha conviver com outras crianças e para ela ter esse serviço disponível por um valor irrisório. “Eu não teria condições de pagar uma pessoa para estar cuidando dela no momento em que estou na faculdade.”
Luta e reivindicação
No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, ocorreu na Uesb, o Ato Contra a Violência Institucional de Gênero, no campus de Conquista. Reunidos na luta contra a violência institucional de gênero, os manifestantes entregaram à reitoria uma carta com reivindicações a respeito de políticas de enfrentamento contra as violências sofridas pelas mulheres e a comunidade LGBTQI+. Na ocasião, estudantes que participavam da atividade reclamaram ao reitor Luiz Otávio Magalhães sobre as dificuldades de acesso à creche por mães universitárias e da inexistência do serviço no campus de Itapetinga. As reivindicações eram para que as dificuldades enfrentadas pelos discentes não se repetissem com as futuras estudantes que passem pela maternidade durante o período da graduação.
De acordo com a professora do curso de História e pesquisadora das questões de gênero, Márcia Lemos, a violência institucional de gênero atinge as mães universitárias pela ausência de políticas públicas que garantam a equidade de gênero. “O Estado se porta, neste caso, como agente violador por meio das relações hierárquicas, por meio da violência institucionalizada que pode se apresentar não só na sua forma direta, mas também nas omissões. Isso ocorre quando uma mãe que tem acesso à universidade pública, mas não tem disponível uma vaga na creche para que possa deixar o seu filho, a sua filha em segurança, enquanto exerce seu pleno direito de cidadania de acessar o ensino público superior.”
Excelente a matéria. Muito bem escrita e estruturada. De suma importância o conteúdo, eu, por exemplo, não tinha noção dessa dificuldade. Saber dessa deficiência é importante até para possíveis apoios que estas mães precisam ter.
Sou a mãe da Roberta Sá Fernandes e avó de Alice, a 23 anos, residindo em Conquista, fazia História na Uesb e engravidei do meu segundo filho, André Luís, procurei a Creche e me foi negado o direito de deixá-lo, se não fosse eu voltar a morar em Poções e contar com a ajuda de minha mãe, não teria conseguido me formar. Hoje a história se repete, apesar de estar trabalhando, procuro ajudar Roberta nos cuidados com Alice para que a mesma consiga concluir o curso. E se não tivesse conseguido a vaga na creche teria sido bem difícil Roberta continuar.