Perfil anônimo no Instagram denuncia casos de violência sexual em Conquista
Em resposta à mobilização, homens criaram os perfis “meninos de rosa” e “faloutudo.mesmo” na tentativa de desqualificar os relatos das vítimas 31 de maio de 2020 Karina Costa, Carmen Carvalho e Poliana BomfimMulheres de Vitória da Conquista denunciam, por meio de um perfil anônimo no Instagram, casos de violência sexual, moral, estupro e pedofilia. Criada na terça-feira (26/05), a página já tem mais de 25 mil seguidores e incentivou o surgimento de iniciativas similares em cidades como Poções e Feira de Santana. Em resposta à mobilização, homens criaram, em Conquista, os perfis “meninos de rosa” e “faloutudo.mesmo”, nos quais realizaram uma série de publicações na tentativa de desqualificar as vítimas.
Enviados via direct para a administradora do perfil, os relatos são publicados nos Stories da conta. Os posts preservam as identidades das vítimas e expõem os nomes dos agressores. “Mesmo sabendo que não estava nem conseguindo ficar em pé direito, e nem falar, ele continuava botando minha mão dentro da cueca dele”, é o que diz um depoimento publicado neste sábado (30/05).
Diferentes mulheres relataram abusos de um mesmo agressor. Cleiton* é mencionado em pelo menos cinco denúncias. “Ele fez chamada de vídeo e do nada apareceu se masturbando, eu era menor de idade”, contou uma das vítimas. A página também recebeu relatos de mulheres que sofreram violência psicológica dentro de um relacionamento. “Palavras como “louca, esquizofrênica ou vai procurar tratamento” golpeiam a autoestima, enfraquecem a autoconfiança, ferem a dignidade humana”, relatou uma delas.
ALERTA DE GATILHO: Os próximos relatos são fortes. Há detalhes de estupro e violência sexual.
Em depoimento ao perfil @isisnina_, uma das vítimas relatou um caso que aconteceu em 2017. Ela, que já conhecia o agressor, estava em um bar da cidade acompanhada de uma amiga. “Fui ao banheiro e ele me empurrou para o masculino. Lá, ele me prendeu, foi abrindo a calça e colocou tudo pra fora. Queria me obrigar a fazer algo com ele. Eu gritava muito e ele só falava: ‘não adianta, ninguém vai te ouvir por causa do barulho lá fora’.”
O sofrimento de Laísa* não parou por aí. “Eu entrei em desespero. Comecei a dar vários tapas nele. Ele ainda ficou com raiva de mim, me xingou. Na hora que consegui sair, tinha uma fila de homens esperando, ainda fui obrigada a ouvir piadinhas dos caras que estavam na fila… Me senti muito humilhada”, contou.
Para se manter em segurança, a mulher por trás do perfil permanece em anonimato. Desde que começou a publicar os desabafos, ela tem sido ameaçada, principalmente, pelos homens denunciados e as famílias deles. “Um grande empresário de Conquista me ameaçou, disse que caçaria meu IP e faria com que eu pagasse por tudo que estava fazendo com o filho dele.”
O perfil surgiu depois que Vera* teve acesso a conversas de um grupo de amigos no WhatsApp. “Fiquei revoltada quando vi, inclusive conhecidos meus, falando de muitas mulheres, apontando defeitos, expondo a mulher ao ridículo com palavras de baixo calão, com desrespeito de todas as formas”, contou em entrevista à reportagem.
Vera* não imaginava que o perfil fosse crescer tanto, mas, depois da primeira publicação, muitas mulheres decidiram contar suas histórias e compartilhar traumas do passado. Na quinta-feira (28/05), a página já tinha recebido mais de duas mil denúncias e, segundo a administradora, cerca de 600 mulheres foram encaminhadas para advogadas que se propuseram a ajudar. “É um processo difícil. Eu tenho que chamar uma por uma e convencê-las de que estarão seguras.”
A reportagem tentou saber a versão de três dos perfis de homens mais citados pelas mulheres no Instagram, mas, até o final desta publicação, eles não tinham respondido.
Perfis difamatórios
Após a divulgação do perfil de denúncias, homens criaram uma página na rede social para se defender das acusações e desqualificar os relatos das vítimas de violência. A primeira publicação nos Stories do @meninosderosa321 diz: “para os homens que tem desabafos e denúncias das santas que gostam de ser vítimas podem mandar aqui!!!!”.
Com mais de dois mil seguidores, o perfil publicou mensagens de pessoas, inclusive mulheres, que criticavam as roupas e comportamentos das denunciantes. “Quando elas estão nas festas dançando músicas que diminuem as mulheres com um short mais curto que tudo (embora elas usem o que quiser masss…), isso aí ninguém conta?”, disse uma usuária. Na sexta-feira (29/05), o administrador anônimo anunciou, em uma publicação no feed, que não iria continuar com a conta do Instagram ativa e pediu desculpas aos prejudicados pela página.
Já neste sábado (30/05), um outro perfil intitulado “faloutudo.mesmo” foi excluído depois que 10 mulheres prestaram queixa no Distrito Integrado de Segurança Pública (Disep). Segundo a advogada Kellma Christiane Farias, a página foi criada em resposta ao perfil de denúncias. “Eles estavam expondo algumas mulheres com fotos e comentários degradantes, tentando coagi-las. Foi uma retaliação às denúncias que começaram a expor esses crimes absurdos.”
A criação dos dois perfis, de acordo com a advogada das 10 mulheres expostas, Kellma Farias, se encaixa na categoria de crimes virtuais. “No caso das vítimas do perfil ‘falotudo.mesmo’ e ‘meninos de rosa’ , estamos falando de crimes digitais, que estão descritos na Lei Carolina Dieckmann.”
Até o final desta reportagem, não havia ainda nenhuma denúncia registrada na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Vitória da Conquista (Deam). As vítimas ainda estão se organizando para realizar as denúncias seguindo as orientações de uma rede de apoio da cidade.
Rede de apoio
A União de Mulheres de Vitória da Conquista/União Brasileira de Mulheres (UMVC/UBM), seis advogadas e a Clínica de Direitos Humanos da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) estão orientando as vítimas que relataram abusos por meio do perfil no Instagram. De acordo com a presidente da UMVC/UBM, Lídia Rodrigues, casos como esse mostram que os homens jovens ainda reproduzem comportamentos e atitudes machistas há muito tempo naturalizadas. “Reproduzem o machismo na sua forma mais grosseira, tratando as mulheres jovens, meninas e adolescentes, como objeto sexual, sem qualquer respeito ao corpo e à pessoa.”
A presidente da UMVC/UBM destacou o papel dos pais e mães das jovens vítimas que, na maioria das vezes, as culpam pela violência sofrida. “Eles as responsabilizam pelo abuso ou estupro, como se ao homem tudo fosse permitido. ‘Cuidem de suas cabritas porque meu bode está solto’. Muitos acham engraçado e crianças crescem com essa percepção.”
Sobre a realização de denúncias por meio de rede social, Lídia disse que é uma ferramenta útil, principalmente para estimular outras vítimas a contarem suas histórias, mas ainda assim, é necessário procurar os órgãos de justiça. “Não é suficiente. É preciso procurar uma delegacia especializada, o disque 180 ou 100, percorrer todos os caminhos até o júri. Estamos aqui para ajudar”, esclareceu.
A Clínica de Direitos Humanos da Uesb, coordenada pela professora do curso de Direito, Luciana Silva, informou que está acompanhando as denúncias e que as vítimas estão sendo assistidas por advogadas. A entidade disse também que, até o momento, não fez intervenção direta no caso.
Em uma publicação no feed do perfil, Vera* agradeceu o apoio dos seguidores e disse que as vítimas já estavam sendo assistidas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Conquista. “Queria dizer que a OAB mulher de Vitória da Conquista está conosco, juntamente com outros grandes advogados, dando total apoio as vítimas, instruindo-as para que as denúncias sejam feitas de maneira sigilosa ao DEAM.”
A reportagem procurou o presidente da OAB, Ronaldo Soares, que negou o envolvimento da entidade no caso. “Essa informação de que a OAB estaria auxiliando essas mulheres não procede. Na verdade, nós não temos nem conhecimento oficial do que esteja realmente acontecendo”, disse.
A equipe do Avoador tentou contato com as advogadas que acompanham o caso, mas não foi possível devido a necessidade de manter o sigilo e a segurança das vítimas. Na segunda-feira (01/06), de acordo com Lídia, a União de Mulheres de Conquista irá realizar uma reunião para discutir a situação das denunciantes. “Algumas iniciativas serão feitas e a OAB deve ser comunicada”.
Caso Orcione
Em maio de 2019, um outro perfil anônimo no Instagram denunciou casos de assédio sexual em Conquista. Por meio do @diganaovdc, mulheres relataram os abusos do médico ginecologista e obstetra Orcione Júnior. O profissional, que trabalhava nas redes pública e privada, foi acusado por 27 mulheres que prestaram queixa na Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam).
Orcione se declarou inocente e criou um perfil na mesma rede social para se defender das acusações. No @digasimaverdade, foram publicados vídeos e textos com depoimentos de pacientes que agradeciam pelo bom serviço prestado pelo médico.
Em abril de 2020, um dos processos contra o médico foi arquivado pelo Judiciário. Segundo a professora do curso de Direito da Uesb, Luciana Silva, a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) enquadrou o caso como estupro, enquanto o Ministério Público não o classificou dessa forma por considerar que a vítima não se tratava de “vulnerável”.
A professora Luciana ressaltou que esse foi o resultado de apenas um dos processos contra Orcione Júnior. “Eu não sei dizer se houve ou não recurso dessa sentença, mas acredito que existe essa possibilidade jurídica. Não posso dizer sobre as outras denúncias contra ele, não tenho essas informações.”
Na sentença, o juiz da 2ª Vara Criminal de Conquista, Clarindo Lacerda Brito, disse o seguinte: “considerando que o suposto delito criminoso ocorreu no dia 16 de maio de 2016, e tendo a vítima oferecido a representação em 20 de maio de 2019, transcorreu o prazo previsto no Código Penal vigente à época dos fatos para o oferecimento da representação”. Para preservar a vítima, o processo nº 0500518-71.2020.8.05.0274 correu em segredo de Justiça.
Procure ajuda
Em casos de violência contra as mulheres, é possível realizar uma denúncia anônima por meio do Disque 180, número da Central de Atendimento à Mulher, serviço telefônico gratuito do governo federal que recebe denúncias e presta orientações às vítimas de violência doméstica. Criado pela Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), o canal está disponível por 24 horas, em todo o país.
O Disque 100 é uma outra plataforma que funciona todos os dias, de 8h às 22h, inclusive nos feriados e finais de semana.
Esse serviço visa proteger crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. As denúncias são analisadas e encaminhadas para os órgãos de defesa responsáveis. O denunciante tem a sua identidade preservada.
* Os nomes foram alterados para garantir a segurança das vítimas envolvidas no caso.
*Poliana Bomfim, do site Notícias VCA, atuou em parceria para a produção desta reportagem.
Imagem de capa: Shutterstock/rudall30
Boa tarde, sou advogado de um dos suposto agressor, denunciado nessa página e venho respeitosamente, pedir o direto de defesa, que pelo o que vi a citada Página não deu. Um vez que só relatou a versão de uma das partes sem ao menos questionar se as supostas vítimas fizeram um B O ou coisa parecida. Não sou contra as denúncias, sou contra expor nomes e profissões sem antes ouvir a outra parte. Esse rapaz que defendo é pai, esposo e filho, imagina como está seus familiares agora. Peço que as pessoas que se sentirem agredidas de alguma forma, procure a justiça que lá, ela será ouvida e dará direito a outra parte de se defender. Hoje procuramos a delegacia de fizemos um B O a respeito da injúria e difamação sofrida por ele.
Obs. Me coloco a disposição para esclarecer quaisquer dúvidas.
Olá, Paulo. A nossa reportagem ocultou todos os nomes e quaisquer outros detalhes sobre os acusados pelo perfil no Instagram, como é possível observar ao ler o texto. Caso o seu cliente queira se manifestar sobre o assunto, basta enviar um documento para o e-mail siteavoador@gmail.com.