Pobreza menstrual: um problema de higiene pessoal que atinge mulheres de baixa renda
Segundo levantamento, no Brasil, pelo menos uma em cada quatro jovens já faltou a aulas por não ter dinheiro para comprar absorventes higiênicos 8 de outubro de 2021 Por Gabriela Matias, Luana Carvalho e Talyta Brito/No Brasil, e em Vitória da Conquista, milhares de meninas e mulheres em situação com problemas financeiros sofrem com a pobreza menstrual, termo utilizado para se referir à falta de recursos e até de conhecimento sobre os cuidados que envolvem a menstruação. Segundo levantamento coordenado pela antropóloga Mirian Goldemberg, no Brasil, pelo menos uma em cada quatro jovens já faltou a aulas por não ter dinheiro para comprar absorvente, o que pode acarretar problemas de saúde e evasão escolar.
Helena* menstruou pela primeira vez aos 13 anos. Na época, ela foi orientada pela mãe a usar pedaços de tecido para conter o fluxo, já que o dinheiro que Dona Maria* recebia pelo trabalho como ajudante de cozinha era pouco e não dava para ser usado na compra de absorventes. O salário da matriarca tinha que ser destinado a outras prioridades dentro de casa, como alimentar a família.
Denise*, 18, filha de Helena, também já teve que usar panos ao invés de absorventes quando menstruou. A jovem, que cursa o 9 º ano na modalidade de Ensino para Jovens e Adultos (EJA), contou que sofreu bullying na escola por causa da menstruação. “Fui para o colégio e menstruei, não tinha percebido, eles começaram a rir. Aí, outras vezes, tive que usar pano porque não tinha dinheiro para comprar absorvente”.
O uso dos panos causou assaduras em Denise, que ficou impossibilitada de ir à escola por um tempo. Sua mãe, de 49 anos, assim como sua avó, Dona Maria, enfrenta dificuldades para sustentar a família. Helena, que estudou até a 4ª série do ensino fundamental e engravidou aos 16 anos, tem oito filhas e dois filhos.
Hoje, a principal renda da família vem do benefício social do Governo Federal, o Bolsa Família. “O pessoal não está colocando ninguém para fazer faxina por causa desses problemas da pandemia”, disse Helena. Antes da crise sanitária, ela também revendia roupas e bijuterias na feira que ocorre aos sábados no Bairro Brasil.
O tabu e a estigmatização
Apesar de ser um processo natural do corpo feminino, há um grande estigma em torno da menstruação. Com a falta de diálogo e de educação das meninas sobre esse momento de amadurecimento, é comum o medo e o pânico com a chegada da menarca, como é chamada a primeira menstruação.
A filha primogênita de Helena, que hoje tem 30 anos, disse ter ficado desesperada quando menstruou pela primeira vez. Na época, ela tinha 12 anos e morava com o pai e a madrasta. “Eu fiquei morrendo de vergonha, fui ao banheiro e coloquei um pedaço de papel higiênico”.
De acordo com a médica ginecologista Jacqueline Maia Ferraz, para se desconstruir o estigma em torno de algo tão natural, é preciso que o tema seja abordado de forma mais aberta pela sociedade. “As famílias deveriam ter mais informações sobre a menstruação e, nas escolas, desde cedo, deveria existir a educação sexual, para que meninos e meninas se instruam. Quanto mais se conversa sobre um tema, ele deixa de ser uma coisa obscura”.
Ações sociais
Em ações humanitárias realizadas pela Patrulha Solidária, Maria Alice de Santana, tenente PM do Comando de Policiamento da Região Sudoeste (CPR-SO), disse que meninas e mulheres atendidas pelo projeto já admitiram não ter conhecimento sobre a menstruação. “Uma adolescente atendida pelo programa me chamou no Whatsapp e falou: olha tenente, a minha menstruação chegou e eu não sei o que fazer. É uma coisa nova pra mim e a minha mãe não conversa comigo.”
Durante visita da patrulha ao assentamento Carlos Lamarca, em Conquista, Maria Alice observou outra situação de pobreza menstrual. Em conversa com a tenente, uma moradora relatou que precisava usar panos de camisetas velhas para a absorção do sangramento. A partir dessas experiências, surgiu a campanha “Dignidade Feminina é a Regra”, que se iniciou em agosto de 2021 com o objetivo de arrecadar itens essenciais e distribuir kits para mulheres em vulnerabilidade social.
Os kits contém produtos de higiene capilar, sabonetes, absorventes, papel higiênico, calcinhas, sutiãs, entre outros. Inicialmente, serão distribuídos para as localidades do Bruno Bacelar, Morada Nova, Vila Elisa, assentamento Carlos Lamarca, Nossa S. Aparecida e Pedrinhas, além de famílias quilombolas que também são acompanhadas pela equipe.
A tenente PM Alice destacou que o objetivo é manter as doações de forma contínua. Por isso, é essencial a colaboração de todos para contribuir com a campanha. Os pontos de entrega estão em todas as unidades da Polícia Militar. Helena e suas filhas foram beneficiadas pelo projeto.
No último dia 14 de outubro, União de Mulheres de Vitória da Conquista (UMVC) a organizou a primeira distribuição de produtos higiênicos para mulheres, na Praça Barão do Rio Branco, a partir das 11 horas. O material foi arrecadado na campanha Dignidade Menstrual.
A UMVC decidiu pela realização da ação social depois que o presidente Jair Bolsonaro vetou, no dia 7 de outubro, parte da Lei que distribuiria absorventes íntimas para estudantes da rede pública e mulheres em situação de rua. As doações podem ser entregues na Creche Dinaelza Coqueiro ou por transferência bancária.
A entidade foi criada em novembro de 1983 e, desde então, atua na luta feminista do município. Atualmente, a sede da associação fica situada na Avenida Amapá, nº44, bairro Ibirapuera, e tem como presidente a geógrafa Lídia Ferreira Rodrigues. A campanha Dignidade Menstrual pretende ajudar as pessoas que vivem em situação de pobreza menstrual na cidade.
Projetos em andamento
Foi aprovado pelo Senado, no dia 14 de setembro de 2021, o projeto que visa a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias. O Projeto de Lei nº 4.968/2019, da deputada Marília Arraes (PT-PE), cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) relatou o projeto da Câmara, que seguiu sem mudanças e foi encaminhado para sanção presidencial.
Mas no dia 7 de outubro, o presidente Jair Messias Bolsonaro, vetou parte da lei aprovada na Câmara e no Congresso na parte que determinava a distribuição gratuita de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade. Bolsonaro aprovou a lei que torna efetivo o Programa da Saúde Menstrual, mas alegou que não há recursos para a distribuição gratuita de itens de higiene voltada à pessoas de baixa renda que menstruam. Em resposta ao veto, a deputada Tabata Amaral (PSB-SP) levantou a hashtag #LivresParaMenstruar, visando contrapor a decisão do presidente.
Em nível estadual, o governo baiano divulgou, em 30 de agosto, a realização do Projeto Dignidade Menstrual, que visa atender a todas as pessoas que menstruam matriculadas na rede pública de ensino, e que vivem em pobreza ou extrema pobreza. Os estudantes contemplados devem estar na faixa etária de 11 a 45 anos. A licitação para compra do material já está em andamento.
Segundo a secretária de Política para Mulheres, Julieta Palmeira, o programa atenderá meninas, homens trans e pessoas não binárias, em conjunto com a Secretaria da Educação e Secretaria de Administração Penitenciária. A distribuição dos absorventes será pelo período de 12 meses, mas a meta é adotar a iniciativa como uma política permanente.
Já em Conquista, a prefeita Sheila Lemos declarou, em agosto deste ano, que a distribuição de absorventes de forma gratuita para estudantes e mulheres em situação de vulnerabilidade será uma das prioridades da gestão. Na ocasião, ela se reuniu com a tenente PM Maria Alice de Santana, com o vereador Ricardo Babão (PCdoB), que apresentou o projeto à chefe do Executivo Municipal, e outros representantes da Prefeitura. O projeto de lei nº16 de 10 de setembro de 2021, do Programa Municipal para Distribuição de Absorventes Higiênicos (PDAH) em escolas públicas do município, está em tramitação na Câmara de Vereadores, incluído como pauta prioritária.