“A Cafona”: uma experiência de teatro horizontal

O ator Anselmo Vasconcellos possibilitou à plateia de Vitória da Conquista experienciar uma relação mais próxima com a obra teatral   27 de outubro de 2023 Dayse Maria Souza

A peça “A Cafona”, que é um espetáculo em comemoração aos 50 anos de profissão do ator Anselmo Vasconcellos, foi apresentada, no dia 27 de outubro, no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima. Com texto de Maíza Tchelli Viana, o artista criou uma obra única por meio da horizontalidade, quando a plateia é mobilizada para interferir na história.

A história gira em torno do ciúme de uma mulher de sua prima. Esse conflito da personagem é narrado de forma cômica e sentimental. A peça inicia com a construção da caracterização do personagem em cena, o ato de vestir-se, a luz que aos poucos cria uma paisagem intimista dando destaque aos objetos cênicos. Em seguida, a fumaça que delineia, assim como em um passo de mágica, a transposição do ator para o personagem.  Os primeiros diálogos trazem reflexões sobre a rejeição, a falta, as rupturas, ganhando dimensões mais complexas no decorrer da narrativa por meio das sensações provocadas pelo objeto de desejo, da impotência, da dor, do riso, do prazer, da vingança, da perversão.

À medida que espetáculo ia acontecendo, o ator foi incorporando diálogos e dinâmicas também a partir da conexão com a plateia. Assim, o que seria um monólogo se tornou quase coletivo, já que o ator consegue dar profundeza a personagem de forma magistral. O drama que seria algo individual vira de todos os presentes. Quem foi assistir acabou submergiu às sensações e às características do sujeito invejoso.

O Anselmo Vasconcelos domina a cena. Sua interpretação é minuciosa e carregada de detalhes. Sua habilita conquista a plateia que é levada ao passado e ao presente da personagem. Os atos invejosos da personagem se sobressaem, como desejar ser bem-sucedida como Lizete (a prima, o objeto da inveja), possuir bens, ter “beleza”. O ato de cobiçar, que guia a Cafona, é traçado por caminhos tortuosos, movidos a terapias, calmantes e solidão.

O espetáculo cria provocações do início ao fim. Ao delinear uma proposta horizontal da arte de encenar, ao final, o ator ainda abriu um diálogo com a plateia. Aos poucos, revelações surgiram de quem assistia. Surgem histórias de experiências vividas do cotidiano que acabam atravessando diferentes situações em que a inveja é protagonista. Em “A Cafona”, o ato da inveja gera desejo, que provoca tristeza ao se não conquistar aquilo que se é desejado. Disso tudo, ficou a reflexão sobre as várias faces do ser humano, sendo a inveja uma delas, e o ator experiente soube fazer as provocações necessárias.

*A autora é professora, atriz e produtora cultural. Graduada em Geografia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb),  mestre e doutora em Geografia Humana pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).  Como atriz, participou dos filmes Alice dos Anjos, do diretor Daniel Leite Almeida, e do Sonho de Zezinho de Edmundo Lacerda. Atualmente é professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), em Feira de Santana. 

 

Fotos: Gabriela Nascimento

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