Analfabetismo digital e o risco à soberania nacional

Comunicadores digitais podem formar uma rede essencial para a construção de uma política nacional de comunicação 29 de julho de 2024 Por Emília Mazzei

A humanidade conectada vive um momento de insegurança nesse novo mundo, que passa do analógico ao digital, e que cujas rotinas profissionais, bancárias, escolares, sociais passaram a incluir um aparelho celular com internet. Nas redes sociais cada usuário passou a ser gerador de informações e a nova moeda capitalista tornou-se a atenção dispensada a esse dispositivo. A rotina mudou gradativamente sem nenhum preparo para essa nova realidade e formou uma massa de analfabetos digitais sobrevivendo ao novo mundo.

Plataformas digitais se apossam diariamente dos dados dos seus usuários, traçando seus perfis, seus gostos, sua rotina, suas tendências políticas, econômicas, sociais e emocionais. E fica a pergunta: Como assegurar a integridade dessas informações? Ataques cibernéticos para roubo de dados são noticiados com frequência, em todo o mundo. Segundo o relatório anual The State of Ransomware da Sophos, empresa global de cibersegurança, o registro de empresas brasileiras que sofreram ataques de hackers para roubo de dados chegou a 68%, em 2022, e esse número tem aumentado e coloca o Brasil no topo do ranking dos mais atacados.

O judiciário brasileiro vem tentando desenvolver os regulamentos, princípios, direitos e obrigações desse ambiente digital, enquanto os algoritmos trabalham para difundir desinformação e os golpes se alastram a passos largos. Enquanto isso, parlamentares protelam a votação do projeto de lei sobre as fakenews.

Mães e pais são bombardeados por estudos que comprovam o aumento da depressão em crianças associado ao abuso da exposição a telas. Mas esses danos não se resumem a essa categoria, apenas. Estresse, depressão e ansiedade estão relacionados ao uso de celulares em todas as gerações, segundo tese defendida no Programa de Pós-graduação da UFMG. E uma nova doença ganha CID 11 (Classificação Internacional de Doenças), a nomofobia, ou seja, diagnóstico para viciados em celular.

Na tentativa de compreender o atual momento, Pierre Lévy, filósofo francês, tem se debruçado na questão da expansão da inteligência coletiva a partir desse mar de dados que compõem o mundo digital. Para ele, desde o surgimento da escrita, passando pela imprensa, rádio e televisão, todas essas mudanças proporcionadas pela criação do homo sapiens, ampliaram nosso poder cognitivo e aumentaram a inteligência coletiva da humanidade. O desafio é esse.

A proposta de letramento digital é a formação desse usuário, para que cada cidadão e cidadã possa exercer seu livre arbítrio nesse ambiente. E o mundo está atento a essa necessidade, e desenhando políticas públicas para que as pessoas passem a compreender os limites, as condições e as utilizações políticas e econômicas que estão por trás das tecnologias e das mídias digitais.

Na Bahia, desde 2017, o projeto Jovens Comunicadores trouxe a temática da comunicação e cidadania para que cada indivíduo seja responsável pelas suas publicações e possa avaliar criticamente as informações que chegam até ele. Projeto pioneiro do governo para as juventudes de comunidades tradicionais do estado.

Além das ferramentas de áudio, vídeo, edição e texto, a proposta do projeto baiano é ampliar repertório, capacitar para a produção de conteúdo de qualidade e possibilitar essa análise crítica do mundo, incluindo aí o digital.

Desenvolver tecnologia própria, regulamentar o uso de inteligência artificial, as plataformas, comprar tecnologia nacional e softwares livres, faz parte de todo o arcabouço necessário para o enfrentamento dos desafios apresentados por essa nova tecnologia digital. Mas o letramento digital organizado, estabelecendo o diálogo sobre essa nova sociedade, com as diversas comunidades, em todas as suas diversidades, em diálogo direto e presencial com a base, com os quilombolas, indígenas, ribeirinhos, fundos e fechos de pasto, é fundamental, necessário e urgente. Nada substitui o contato direto, o olho no olho.

Existem comunicadores digitais, populares e projetos isolados trabalhando com essa temática da comunicação, e uma rede composta por esses atores poderá ser o caminho para a construção dessa política nacional de comunicação.

É urgente o trabalho de conscientização da população em relação ao funcionamento do mundo digital, não somente com ferramentas, mas compreendendo o capitalismo digital e o funcionamento desse sistema. A conectividade, o acesso à internet, deve estar aliada à consciência, garantindo, assim, a soberania nacional.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *