E se Hitler tivesse vencido a guerra?
O romance "Pátria Amada", do escritor e jornalista britânico, Robert Harris, acontece no ano de 1964 em um cenário no qual o regime nazista venceu a Segunda Guerra Mundial 19 de janeiro de 2020 Ricardo SantosEm tempos de governo fascista, com direito a secretário da cultura emulando Goebbels, essa é uma pergunta que não quer calar. Talvez Hitler tenha vencido a guerra indiretamente, ao conseguir propagar ideias tão nefastas que nos assombram até hoje. O romance Pátria Amada, do escritor e jornalista britânico Robert Harris, foi publicado no Brasil pela editora Record. O livro está fora de catálogo, mas vale muito a pena procurá-lo em sebos e bibliotecas.
A trama se passa em 1964. Estamos a uma semana das comemorações dos 75 anos do aniversário de Hitler. Os domínios do Terceiro Reich se estendem por quase toda a velha Europa. O Dia D nunca aconteceu, pois os nazistas souberam da existência da máquina Enigma, que decodificava as mensagens secretas dos alemães. Além disso, a Grã-Bretanha sofreu um eficiente cerco de submarinos alemães, deixando-a sem recursos e acessos. Os britânicos se renderam em 1944. Churchil foi para o exílio no Canadá. Membros da família real, simpatizantes do nazismo, subiram ao trono.
Os americanos voltaram para seu país com o rabo entre as pernas. Em 1946, os alemães fabricaram sua bomba atômica. A União Soviética, ainda governada por Stalin, continua a resistir os alemães ao Leste. Além do aniversário do Führer, as comemorações são importantes porque, depois de 20 anos, o governo americano voltará a manter relações com a Alemanha. O Presidente Joseph Kennedy, pai de JFK e notório anti-semita, vai ao encontro de Hitler para assinar um acordo de paz. O acordo é fundamental para que os alemães consigam apoio para derrotar de vez os soviéticos.
Dias antes do encontro entre os presidentes, o corpo de um homem é encontrado em um lago. O oficial da SS, a polícia secreta, Xavier March é designado para investigar o ocorrido. Logo ele vai descobrir que o morto era um ex-alto oficial, amigo pessoal de Hitler, mas que tinha caído em desgraça por corrupção. Tudo se complica quando uma jornalista americana, Charlotte Maguire, que está em Berlim para cobrir a assinatura do acordo, envolve-se nas investigações de March. A vida de ambos passa a correr perigo quando descobrem que um segredo de guerra pode comprometer o acordo de paz. Hitler, através da sinistra Gestapo, fará de tudo para que nada atrapalhe seus planos.
Vários livros, inclusive de não-ficção, especularam sobre possíveis cenários em um mundo pós-guerra em caso de vitória do regime nazista. O próprio Robert Harris admitiu que usou informações de outros autores para criar o seu mundo. Em Pátria Amada, os desdobramentos históricos depois do fim da 2ª Guerra Mundial estão muito bem articulados com fatos e personagens reais. Harris usa a imaginação para especular o que fariam certas personalidades da História se elas continuassem ou tivessem o poder nas mãos. Como ele mesmo afirmou, não se trata apenas dos crimes dos alemães, mas dos crimes de guerra em geral, e do esquecimento deles, por conveniências políticas.
Acima de tudo, o romance é uma bem sucedida trama de suspense. Como os melhores autores do gênero, Harris coloca personagens muito bem desenvolvidos em meio a uma trama intrincada. Seu protagonista, Xavier March, é um daqueles homens da lei atormentados, questionando seus atos a todo momento. Por isso, ele é não muito bem visto pelos seus pares. É um homem que não concorda com as ideias do Fürher.
Harris é um autor de romances de suspense, mas aqui ele criou um dos melhores exemplos de um subgênero muito popular da ficção-científica: a história alternativa. Em 1994, a HBO produziu uma adaptação. No Brasil, chamou-se A Nação do Medo. É um telefilme fraco. Foi dirigido com mão pesada, o roteiro simplifica demais as nuances do livro, e as atuações são preguiçosas, inclusive a de Rutger Haeur, como March. Miranda Richardson, no papel da jornalista Charlotte Maguire, é o melhor do filme. A abertura em forma de documentário, com imagens reais, mostrando os desdobramentos da 2ª Guerra ganha pelo nazismo, causa impacto.
*Ricardo Santos é escritor, editor e servidor público. Nasceu em Salvador e é formado em Jornalismo pela Uesb. Ele possui um blog e seus contos foram publicados em sites, coletâneas e revistas, como Somnium e Trasgo. Organizou a coletânea Estranha Bahia (EX! Editora, 2016; 2ª edição 2019), finalista do prêmio Argos. Também é autor do romance juvenil Um Jardim de Maravilhas e Pesadelos (2015) e do livro de viagens Homem com Mochila (2018). Seu mais recente livro é a coletânea Cyberpunk (Draco, 2019).
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