Em meio ao aumento de mortes por covid-19, você tem cuidado da sua família?
No dia 7 de março, foi divulgado, em Brumado, cidade do Sudoeste baiano, a morte por covid-19 de um rapaz de 33 anos. Ele já tinha perdido o irmão, o cunhado, o pai e a mãe para a doença 9 de março de 2021 Luan Ferreira“A família, como vai?”. Uma pergunta que nos últimos anos apareceu pelo menos duas vezes em campanhas realizadas pela igreja católica – na Campanha da Fraternidade de 1994 e na Semana da Família de 2019.
Pergunta simples, repetida inúmeras vezes nos encontros de pessoas que se conhecem, mas, por seja lá qual motivo, há muito não se viam. Pergunta boa pra iniciar uma conversa. “E aí, a família, como vai? Como está a sua família?”
“Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor” é o tema da campanha da fraternidade deste ano. E não, este não é um artigo religioso, ou talvez seja, depende de você, do que você vai tirar de interpretação destas linhas.
Família. Para cada pessoa um significado. Para boa parte dessas pessoas, lugar de abrigo, porto seguro, origem, identidade. Ao ser divulgado no último domingo, dia 7 de março, a morte de um rapaz de 33 anos em Brumado, cidade do Sudoeste baiano, para muita gente a sensação foi de coração despedaçado.
Ao olhar para a história de Cleiton, que dias antes tinha perdido o irmão, um pouco mais velho que ele, e no último mês o cunhado, o pai e a mãe, os olhos de gente que nem conhecia essas pessoas se encheram de lágrimas. Para alguns, a sensação foi de puro silêncio se instalando, mesmo que estivesse assistindo TV, ouvindo música, conversando com alguém.
Temos essa capacidade de nos imaginarmos no lugar do outro, e dessa vez não foi no lugar de nenhum dos que faleceram sem saber da morte um do outro; nem tentando vislumbrar um encontro entre eles num lugar que a gente não sabe como é, mas imagina ser bom. Nos imaginamos no lugar dos que ficaram.
Irmãos, esposas, filhos e netos ficaram. Cleiton tinha uma filha, o irmão dele duas, o cunhado, um filho. Todos estão sem os seus pais. Perderam para covid-19. Não houve velório. O carro da funerária passou na frente da casa da família; da calçada, vizinhos e familiares fizeram uma oração. O carro funerário seguiu para o cemitério. Choro. Silêncio. Solidão. Enterro.
A família, como vai?
Despedaçada.
A analogia que vimos de muitos estabelecimentos comerciais ao fecharem por causa de decretos, que tentam minimizar as perdas de vidas para a covid-19, faz muito mais sentido aqui. Você nem precisa ter visto o rosto de alguns dos parentes para imaginar que, ao ver, de longe, o caixão de seu ente, eles tentavam respirar, mas o choro e soluço impediam. Foi, e talvez ainda seja, como se eles, agora, também, estivessem sem fôlego.
Conversei com uma vizinha da família. Pouco mais de um mês atrás, ela e o patriarca dessa família falavam da expectativa de serem vacinados. Ele e a esposa não viam a hora de chegar a vez deles. Faltou vacina. Ainda falta. E, pelo jeito, vai continuar faltando. Até quando?
Vejo as pessoas comentando que não aguentam mais ouvir histórias assim. Eu sei, não é fácil, não está fácil pra ninguém. Mas a gente precisa falar sobre isso, porque se a gente não falar, conversar sobre esse assunto, a gente corre o risco de achar que não há mais risco.
Leu as notícias dos últimos dias? Reparou na quantidade de pessoas que foram presas, bares que foram fechados, festas clandestinas que aconteceram e foram interrompidas pela fiscalização? Pois é, a gente precisa falar, contar essas histórias pra que vejam que o risco ainda existe. Você não é um super-herói.
Precisamos desse diálogo franco.
Na última semana, questionaram um colega de trabalho sobre o que a mídia estava fazendo em relação a tudo isso. A resposta dele foi simples: estamos fazendo o nosso papel, estamos noticiando. É fazendo o nosso papel de noticiar que ajudamos as pessoas a encontrarem soluções, a fazerem escolhas, que damos subsídios para que as pessoas possam tomar decisões.
Não estou fazendo uma defesa da mídia, estou dizendo que contando histórias como a dessa família, mostrando essa realidade dolorosa, todos têm a possibilidade de abrir o diálogo. De conversar com os seus.
É preciso conversar. É essa conversa sincera que pode salvar vidas, e uma dessas vidas pode ser a de quem você tanto ama. É preciso cuidar da gente pra que, assim, os nossos estejam seguros e, numa reação em cadeia, todos estejam – na medida do possível.
É assim que você não terá lembranças dolorosas e o silêncio como resposta quando te perguntarem: a família, como vai?
*Luan Ferreira é jornalista formado pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Atualmente é repórter da TV Sudoeste e colunista do site Avoador.
Foto Ilustrativa: Rovena Rosa/Agência Brasil