Entenda porque o Auxílio Emergencial deveria ser uma política permanente no Brasil

O auxílio de 600 reais liberado pelo Governo Federal é um avanço, mas o direito à vida com dignidade não pode ser reconhecido apenas em momentos de pandemia 18 de abril de 2020 Andréa Braz da Costa e Marcos Tavares

A proposição da renda básica emergencial vem à tona de modo hegemônico para combater os impactos econômicos e sociais da pandemia do covid-19. Em âmbito nacional e internacional, surge como instrumento que possa garantir renda às pessoas em função da necessidade de isolamento social.

No Brasil, o Congresso Nacional aprovou uma Renda Básica Emergencial, por três meses, que focaliza a população de baixa renda, os desempregados, trabalhadores informais e microempreendedores. Também há um limite, pois só pode receber o auxílio apenas duas pessoas por família quando se sabe que nas famílias de baixa renda há mais de duas pessoas que não possuem empregos formais.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o programa de renda emergencial destina aos cidadãos 1.200 dólares e mais de 500 dólares adicionais por criança, o equivalente a 6 mil reais por pessoa para quem tem renda anual até 75 mil dólares ou 375 mil reais. Apesar do avanço importante da lei aprovada no Brasil, nota-se a sua timidez diante do acúmulo de experiências exitosas no mundo e de pesquisas que apontam para sua importância em várias dimensões.

O cadastro para receber o Auxílio Emergencial do Governo Federal deve ser realizado pelo site auxilio.caixa.gov.br ou por meio do aplicativo. Foto: Reprodução/Auxílio Caixa

Esse debate trata de uma questão humana universal que perpassa várias formações sociais. Desde o século VII, há registros de políticas em diversas sociedades ocidentais e orientais que buscavam assegurar as condições de subsistências dos pobres, idosos e deficientes. Contudo, só em finais do século XVI na Escócia, e no início do século XVII na Inglaterra, a renda mínima passa a ter existência legal, mas ainda de modo limitado e esporádico.

A primeira metade do século XX foi marcada por duas Grandes Guerras Mundiais e pela crise de 1929. Esses eventos revelaram a incapacidade do mercado de solucionar os problemas sociais e econômicos que se explicitavam com o crescimento dos conflitos, do desemprego e da pobreza, ai mesmo tempo em que as economias dos países socialistas – socialismo real – registravam baixas taxas de desemprego e de desigualdade.

Foi nesse contexto que voltaram as discussões acerca de renda mínima na Europa e que levou pós 1945 a implantação do estado de bem-estar social. Essa nova postura do Estado foi capaz de promover a expansão do emprego formal e a redução da pobreza. Com isso, as políticas de renda mínima hibernaram.

Mais tarde, com a crise do capitalismo nos anos de 1970 e o desmantelamento do estado do bem-estar social na década de 1980, o debate em torno do tema da renda mínima ganha força e as políticas de proteção à população vulnerável se concretizam principalmente na Europa como uma das alternativas frente a elevação das taxas de desemprego e o empobrecimento da população. Desse modo, verifica-se que diante da incapacidade do mercado de reverter os processos intensos de exclusão social, as políticas estatais são necessárias para evitar o caos e o aprofundamento da crise econômica e social.

O debate acerca de Programas de Transferência de Renda (PTR) não é novo no Brasil. A origem data de 1975 com a publicação de um artigo de Antônio Maria da Silveira. Seguiram-se a ele: Eduardo Suplicy, em 1976, Edmar Bachar, Roberto Mangabeira Unger, ambos em 1978. Os PTRs são caracterizados como formas de intervenção do Estado no combate à pobreza, podendo ser universal ou focalizar na população mais vulnerável. Nesse contexto, em 1975, foi criada a Renda Mensal Vitalícia de meio salário mínimo para idosos com mais de 70 anos e pessoas portadoras de invalidez.

Mais tarde, na Constituição de 1988, esse benefício passou a valer um salário mínimo, tendo como beneficiários idosos com mais de 65 anos de idade e pessoas com deficiência, conhecido agora como Benefício de Prestação Continuada (BPC). Até hoje esta é a única transferência de renda garantida como direito na Constituição de 1988 para aqueles que se encaixam nos critérios de elegibilidade, tendo atualmente no Brasil 4.636.436 beneficiários.

Fonte: Reprodução da Internet

A Constituição de 1988 estruturou institucionalmente as bases da seguridade social brasileira, assegurando status de direito social para a assistência social, fortalecendo o direito a renda mínima a pessoas que não contribuíram diretamente para o fundo público. Paradoxalmente, isso ocorreu no Brasil em um contexto de crise econômica e de redução do papel do Estado nas economias capitalistas.

Na década de 1990, surgem propostas consolidadas de renda mínima com o Projeto de Lei 80/1991, do senador Eduardo Suplicy, propondo a instituição do Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM). Desde então, o tema é recorrente e abriu caminho para experiências pioneiras no ano de 1995 em municípios paulistas – Campinas, Ribeirão Preto, Santos – e em Brasília, Distrito Federal.

No âmbito federal foram criados o Bolsa Escola em 1997, governo Fernando Henrique (1995-2002), e o Programa Bolsa Família em 2004, governo Lula (2003-2010). Este último ampliou o investimento e o número de beneficiados, o que fez o país se destacar internacionalmente no combate à pobreza, pois o Programa Bolsa Família atingiu a população vulnerável nos quatro cantos do país, passando de 6 milhões em 2004 para 14 milhões de famílias em 2014.

“O Programa Bolsa Família atingiu a população vulnerável nos quatro cantos do país, passando de 6 milhões em 2004 para 14 milhões de famílias em 2014”, Andréa Braz e Marcos Tavares. Foto: Reprodução/Caixa

A partir dos dados do Cadastro Único (2019), considerando o tamanho da população beneficiada, existem estados que possuem quase 50% de sua população atendida, é o caso do Maranhão com 44,4%, chegando em alguns municípios, como em São Raimundo do Doca Bezerra (MA) a 85,1% da população é beneficiária. Na Bahia, o número é de 35,2%, mas em vários municípios passa de 50%, como em Anagé(BA) com 67,7%. A média para o Nordeste é 36,3% da população, o que só reforça o grave problema da pobreza e a necessidade da implementação de políticas de transferência de renda, entre outras políticas sociais.

Diante da crise do coronavírus, no Brasil, foi aprovada a renda básica emergencial de 600 reais para beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) e aos inscritos no Cadastro Único, trabalhadores informais, desempregados e microempreendedores individuais. Até a aprovação dessa lei, no Cadastro Único do governo federal eram atendidos 14 milhões de beneficiários do PBF de um total de 29 milhões de famílias cadastradas, assim já havia um déficit de 15 milhões de pessoas na fila. Com a lei aprovada, estima-se que 54 milhões de pessoas vão ter acesso e custará ao cofre público ao longo de três meses 98 bilhões de reais, o equivalente a 1,4% do PIB.

Ações como estas de transferência de renda são duplamente positivas: primeiro, porque se faz justiça social ao transferir parcela da renda gerada pelos trabalhadores e apropriada pelo Estado, através de impostos, voltar para os trabalhadores socialmente mais vulneráveis; segundo, porque essa renda atua no sentido de manter a economia funcionando, podendo expandir a demanda em condições normais ou manter o consumo das famílias e diminuir a queda do PIB em tempos de crise.

Esse dinheiro que é transferido para população de baixa renda volta todo para economia, pois essas famílias irão consumir 100% do que receberem. Considerando o multiplicador de gastos do governo de 1.5, em condições normais, o investimento de R$ 98 bilhões no auxílio quarentena tende a gerar uma renda adicional de 147 bilhões ao longo de três meses. Como parte desse recurso volta para o governo em forma de tributos, logo o custo do programa fica em torno de 49 bilhões.

O gasto do governo em nada se assemelha aos gastos das famílias. O governo ao gastar amplia sua base arrecadatória, enquanto que o gasto da família finda o processo. Assim, o programa de transferência de renda, além de ser um instrumento de política social importante, também estimula a atividade econômica, a geração de emprego, o aumento da renda nacional, e, por conseguinte, a elevação da arrecadação. Como, neste momento, vivemos uma crise, essa ação fará com que a economia caia menos e assegure o direito à vida das pessoas.

Apesar do avanço que representa esse auxílio emergencial, acreditamos ser necessário que ele passe a condição de permanente e universal. Pensamento este que coaduna com a defesa feita pela Rede Brasileira de Renda Básica e com as formulações do Papa Francisco na Carta da Páscoa que aponta para a necessidade de um salário básico universal. Como apresentado neste texto, há várias razões que justificam a manutenção e expansão da política de transferência de renda no Brasil, pois o direito à vida com dignidade não deve ser só reconhecido em momento de pandemia.

Andréa Braz da Costa e Marcos Tavares são professores do curso de Economia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e colunistas colaboradores do site Avoador.

Imagem de capa: Pixabay

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