Falta de investimentos sociais provoca revoltas na América Latina
Cortes dos investimentos públicos em saúde, educação, transporte e previdência levaram a população às ruas no Chile, Equador e Argentina 4 de novembro de 2019 Marcos TavaresApesar do avanço de governos neoliberais nos últimos anos em vários países do mundo, a derrocada na América do Sul parece ocorrer primeiro, já que aqui é primavera. Nos últimos dias, a população de países como Equador e Chile foram às ruas lutar contra as medidas de austeridade fiscal promovidas pelos seus respectivos governos. Na Argentina, desde o ano passado, a população vai às ruas protestar contra os efeitos nefastos das políticas neoliberais do governo de Maurício Macri, derrotado no último domingo, 27 de outubro.
No Equador, Lenín Moreno, depois de eleito, passou a se distanciar do viés progressista do seu antecessor, Rafael Correa, ao mesmo tempo que se aproxima de forma subserviente dos interesses imperialistas dos EUA. Em fevereiro deste ano, Moreno efetivou o acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) que assegurou um empréstimo de mais de quatro bilhões de dólares. A contrapartida exigida é sempre a mesma, adotar o receituário neoliberal advindo do Consenso de Washington (1989) e agradar o seu senhor. Para tanto, em abril deste ano, depois de sete anos de asilo político concedido a Jullian Assange, o governo equatoriano autorizou a entrada da polícia inglesa na sua embaixada em Londres e permitiu a prisão de Assange, fundador do WikiLeaks. Continuando com a postura subserviente a cartilha neoliberal, Moreno publicou o decreto 883 que promovia mais um ajuste fiscal na economia do país e desta vez retirava subsídio do preço dos combustíveis. A reação popular foi imediata e forçou o governo a recuar e revogar o decreto.
No Chile, o presidente Sebastián Piñera recuou diante da luta dos trabalhadores e trabalhadoras nas ruas de várias cidades com destaque para Santiago. A capital chegou a reunir quase 7% da população total do país nas ruas em ato contra o governo. Para se ter uma ideia da representação política dessas manifestações, imagine se esse mesmo percentual da população brasileira se reunisse nas ruas de São Paulo ou Brasília, teríamos mais de 14 milhões de pessoas. É como se quase toda população do Estado da Bahia, de pouco mais de 15 milhões, fosse às ruas protestar. Diante da força política da classe trabalhadora cansada da espoliação cotidiana em que o aumento da passagem do metrô foi só estopim, o governo chileno demitiu ministros, pediu perdão ao povo chileno e apresentou um pacote de medidas sociais na tentativa de conter as manifestações de rua.
Na Argentina, os fiéis representantes do neoliberalismo também estão sendo derrotados. O país que já vinha passando por manifestações/protestos de rua durante o governo neoliberal de Macri, no último domingo, 27 de outubro, elegeu um candidato peronista e crítico das políticas econômicas vigentes até então. A derrota do projeto neoliberal de Macri nas ruas e nas urnas pode apontar para um processo de derrubada do credo liberal e se dá de forma mais rápida do que aconteceu na longa década neoliberal, que na argentina começou com Carlos Menem, em 1990, se prolongou até o início do século XXI, e encerra-se em 2003 com a vitória eleitoral de Nestor Kirchner.
Agora, quatro anos após o retorno dos neoliberais com Macri em 2015, o peronismo volta ao governo ao derrotar o atual presidente Macri no pleito de 2019. No ano em curso, os argentinos sofrem com os resultados da economia neoliberal que apresenta uma taxa de desemprego de 10%; a inflação galopante que chega a 54,5%; o PIB depois de cair 2,5% em 2018, não se recupera e estima-se que cairá mais em 2019; a moeda Argentina derrete; e seu comércio exterior paradoxalmente apresenta fraco desempenho com redução de fluxo comercial, isso mesmo tratando-se de um governo liberal. Na verdade, esse desempenho já era esperado pelos críticos da política de livre comércio. No mundo da imaginação, nas ideias, essas políticas podem parecer ter lógica, mas, ao se confrontarem com a realidade, elas não se sustentam porque as condições de vida das pessoas só pioram. Isso é o que nos mostram os indicadores sociais de organismos oficiais.
No Brasil parece que a primavera ainda não chegou, mas os resultados das políticas neoliberais continuam fazendo seus estragos com a taxa de desemprego acima de 12%; a economia não apresentando poder de recuperação a ponto de não ainda alcançar o PIB de 2014; e com a informalidade e a pobreza crescentes.
Apesar das experiências fracassadas das políticas neoliberais nos países vizinhos, pelas bandas de cá os apologistas do neoliberalismo continuam a defendê-lo e a propor mais medidas que levam a população ao sofrimento presente e futuro, como as advindas das contrarreformas trabalhista e da previdência e dos cortes nos orçamentos dos governos, nas esferas federal, estadual e municipal.
Estas políticas garantidoras dos lucros dos rentistas precarizam os serviços públicos e atingem diretamente os trabalhadores e trabalhadoras, com ou sem emprego, uma vez que essa população é a que mais faz uso dos serviços de educação e saúde públicos. Enquanto os dejetos do capitalismo avançam nas nossas praias, nos arredores as sementes germinam e viram brotos porque a primavera pode ser mais do que uma estação!
*Marcos Tavares é professor do curso de Economia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).
Foto de capa: Antonio Brasiliano e Zarella Neto (Jornalistas Livres)/ Autorizado para reprodução
Texto bastante esclarecedor sobre a situação econômica da América Latina, bom constatar que a primavera pode ser mais que uma estação. Parabéns Marcos Tavares!! Continue a escrever para nos elucidar sobre as complexas questões políticas e econômicas. Gratidão profunda.
Excelente texto!!