Max Perkins, um editor de gênios
Perkins mudou a literatura norte-americana ao descobrir autores como F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway 29 de setembro de 2019 Ricardo SantosWilliam Maxwell Evarts Perkins, filho de duas famílias tradicionais de Nova York, aluno de Harvard, tornou-se uma lenda no mundo editorial dos EUA no início do século 20. Na sisuda editora Scribner, Perkins mudou a literatura norte-americana ao descobrir autores como F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway. A Scribner tinha uma reputação consolidada, publicava clássicos universais e autores americanos do século 19, mas o jovem editor Perkins queria trabalhar com linguagens e visões de mundo mais modernas.
Perkins respeitava os autores do passado, mas sua vontade era trabalhar com novas ideias, novas abordagens da vida americana. Porém, outros editores da Scribner e seus superiores não tinham o mesmo entusiasmo. Perkins teve que comprar briga (na verdade, insistir muito, já que era notório seu comportamento comedido) para publicar autores talentosos, mas erráticos. A biografia de Perkins, escrita por A. Scott Berg, foca nos três mais famosos e encrenqueiros: Fitzgerald, Hemingway e, principalmente, Thomas Wolfe.
Para o bem dos autores e do investimento da editora, e para azar do próprio Perkins, o editor era uma pessoa obcecada em ser correta, leal e justa, além de achar que um texto devia ser melhorado à exaustão antes de chegar às livrarias. O envolvimento de Perkins com os seus autores prediletos era íntima, enriquecedora, mas também problemática. Perkins se tornava amigo, conselheiro, fiador, participando da vida pessoal conturbada dos seus eleitos, com relações amorosas loucas, falta de dinheiro, gastos excessivos, problemas de saúde, violência física e bloqueios criativos. Permitia até que esses autores participassem de sua vida familiar, o que causou muita satisfação, mas também muita dor de cabeça para o tranquilo e conservador Perkins.
Outros autores da Scribner tinham uma relação mais discreta com ele, mais relacionada ao trabalho de editor, como mudanças nos originais, ideias para novos livros e redirecionamento de carreiras.
Perkins não editava só gênios. Uma editora é um negócio de risco. Por isso, é preciso publicar de tudo. Inclusive, títulos mais comerciais, como romance policiais, biografias de personalidades históricas e memórias de celebridades. Perkins também era conhecido pelo faro em descobrir best-sellers, mesmo que essa classificação de comercial se torne questionável. Um Hemingway vendia mais livros do que muitos autores considerados menos exigentes, voltados para as massas. Por outro lado, o renovador e elogiadíssimo texto de Fitzgerald nunca vendeu bem, o que causava muita angústia para o autor e problemas para o seu editor.
O caso mais cativante da biografia de A. Scott Berg é a relação entre Perkins e Thomas Wolfe. Serve principalmente para percebemos como opera um editor dedicado. Claro que o exemplo de Perkins é bastante particular, mas, de maneira geral, todos os mecanismos da função estão presentes. Chegando ao extremo com Thomas Wolfe, autor talentoso, indisciplinado e de temperamento difícil. Perkins logo ficou fascinado com o texto poético e ambicioso de um sujeito de quase dois metros de altura e, de certa maneira, de aspecto bruto, antiliterário. Wolfe escrevia milhares de páginas em pé, num fluxo intenso, principalmente, versões ficcionais de sua própria trajetória, da infância rural à vida adulta errante.
Wolfe não ligava muito para a coesão de sua escrita. Terminava manuscritos de milhares de páginas e cabia a Perkins achar um livro ali dentro. O editor lia tudo minuciosamente, sugerindo mudança de ordem de capítulos, supressão de outros, desenvolvimento de personagens e de cenas, e mais clareza em certas ideias. A maior briga entre autor e editor era em relação a cortes nos imensos originais e que ficavam ainda maiores quando Perkins pedia para Wolfe fazer alterações. No final do processo, chegavam a um resultado que agradava aos dois. Mesmo que Wolfe quisesse mexer no texto eternamente, era Perkins quem dava um basta com sua autoridade de editor. Afinal, o livro precisava ser rodado, distribuído e vendido. Cada romance de Wolfe que ia para as livrarias tinha entre 600 a 900 páginas. Muitos acreditavam na época que, sem a orientação de Perkins, Wolfe nunca seria o autor aclamado que se tornara. O próprio Perkins desmentia isso, afirmando que a discrição do editor era a coisa mais importante do ofício. Ele chegou a dizer: “Gostaria de ser um anãozinho no ombro de um grande general, aconselhando-o sobre o que fazer e o que não fazer, sem que ninguém percebesse”.
O texto de A. Scott Berg é ágil, sem ser superficial. A pesquisa é cuidadosa, com informações de documentos e entrevistas sempre inseridas de maneira orgânica à narrativa. O leitor conhece mais a vida pessoal de Max Perkins para entender melhor sua atuação como editor. Perkins era um leitor voraz, um homem culto, mas seus gostos eram restritos. Adorava a literatura americana, mas não tinha muito apreço por obras de outros países. Apesar de Guerra e Paz ser seu romance predileto, relido inúmeras vezes. A intuição apurada era um dos segredos do sucesso de Perkins como editor.
“Max Perkins, um editor de gênios” foi originalmente publicado em 1978. Deve haver novos dados sobre Perkins por aí, mas a biografia não parece datada. Leitura obrigatória para quem deseja conhecer mais sobre os bastidores do mercado editorial porque certas coisas nunca mudam.
*Ricardo Santos é escritor, editor e servidor público. Nasceu em Salvador e é formado em Jornalismo pela Uesb. Ele possui um blog e seus contos foram publicados em sites, coletâneas e revistas, como Somnium e Trasgo. Organizou a coletânea Estranha Bahia (EX! Editora, 2016; 2ª edição 2019), finalista do prêmio Argos. Também é autor do romance juvenil Um Jardim de Maravilhas e Pesadelos (2015) e do livro de viagens Homem com Mochila (2018). Seu mais recente livro é a coletânea Cyberpunk (Draco, 2019).
Foto destacada: Amanece Metropolis