Mulheres estão à frente de 60% das ações extensionistas da Uesb; conheça quatro projetos

Conheça a história da extensão na universidade, qual o perfil de quem está à frente de programas e projetos na Uesb e quatro ações desenvolvidas por mulheres 22 de novembro de 2022 Morgana Poiesis

A extensão universitária surgiu no século XIX, na Inglaterra, seguida por movimentos das universidades populares europeias e por atividades em comunidades rurais, nos Estados Unidos, desenvolvendo-se na América Latina, a partir do século XX.

No Brasil, a extensão universitária surgiu em 1911, pautada nos modelos europeus e norte-americanos. Constitutiva ao ensino superior, é citada no Estatuto das Universidades Brasileiras (1931), passando a ser definida pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (1987) como um processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável, viabilizando a relação transformadora entre Universidade e Sociedade.

A responsabilidade social da extensão universitária também é prevista pela Constituição Brasileira de 1988,  que preceitua a “indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.  Em consonância com essa orientação constitucional, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 1996, estabelece a Extensão Universitária como uma das finalidades da Universidade.  (BRASIL, 1996, art. 43).

O ForProex (Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Insituições Públicas de Educação Superior Brasileiras) colaborou para a institucionalização da extensão universitária brasileira, através do Plano Nacional de Extensão (1998) e da Política Nacional de Extensão (2012). A Política Nacional de Extensão definiu suas diretrizes (interação dialógica, interdisciplinaridade e interprofissionalidade, indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, impacto na formação do estudante, impacto e transformação social) e áreas de atuação (comunicação, cultura, direitos humanos e justiça, educação, meio ambiente, saúde, tecnologia e produção, trabalho), tendo como um dos objetivos contribuir para que a extensão universitária seja parte da solução dos problemas sociais do país.

Em seus primórdios, a extensão universitária apresentou um caráter notadamente assistencialista, configurada através de prestações de serviços à sociedade. Tal caráter teria sido reafirmado pela ditadura militar no Brasil, na década de 1970. Desde então, ações libertárias influenciariam a extensão universitária brasileira, especialmente por parte dos movimentos estudantis. Também colaborou para essa perspectiva libertária a crítica radicalmente democrática que Paulo Freire fez da palavra Extensão, cujo significado linguístico denotaria seu caráter transmissivo, mecanicista, messiânico e até mesmo culturalmente invasivo. Em contrapartida, o educador brasileiro propõe a palavra Comunicação, dado seu caráter fundamentalmente dialógico entre agentes ativos da interlocução e, portanto, da produção de saberes. O pensamento de Freire foi basilar para a contextualização da extensão universitária no âmbito da educação popular brasileira.

Tendo como um dos objetivos, segundo a Política Nacional de Extensão, promover e garantir os valores democráticos, a equidade e o desenvolvimento da sociedade em suas dimensões humana, ética, econômica, cultural e social, de que maneira a extensão universitária está atuando no sentido de colaborar com a transformação das desigualdades de gênero, na sociedade brasileira?

O acesso das mulheres à educação foi vetado pela cultura patriarcal, ao longo dos séculos, como um sintoma da divisão sexual do trabalho, e sua consequente forma de controle do capital econômico e simbólico da humanidade. No Brasil, uma das primeiras escolas para meninas foi o Colégio Augusto, fundado pela escritora, educadora e feminista, Nísia Floresta, no Rio de Janeiro, em 1838.

Quando se trata do ensino superior, o acesso das mulheres à educação foi ainda mais tardio. No artigo “Mulheres e Educação: conhecendo a temática através da extensão universitária”, as autoras Rita de Cássia Fraga Machado e Amanda Motta Castro afirmam que os homens iniciaram a vida acadêmica quase 800 anos antes das mulheres. Segundo elas, a entrada das mulheres nos cursos de ensino superior teria começado nos Estados Unidos, em 1837, com a criação de universidades exclusivas para elas. Na Europa, esse fenômeno aconteceria mais tarde, sendo que as grandes universidades, como Oxford e Cambridge só abririam suas portas para as mulheres, a partir do século XX.

Pesquisadoras confluem para a informação de que o crescimento do acesso das mulheres à universidade, no Brasil, se deu a partir de 1960. Teria contribuído para isso o reconhecimento do magistério, já amplamente protagonizado por elas, como nível médio de ensino, requisitado para o vestibular.

Em sua dissertação de mestrado sobre “Mulheres e Extensão Universitária”, defendida na Universidade Federal de Lavras (2021), a pesquisadora brasileira Kreicy Mara Teixeira afirma que “discursos feministas, representatividade feminina, mudança no perfil de formação das mulheres, desmotivação institucional e estratégias para problematizar o debate de gênero são questões importantes a serem destacadas e incluídas na pauta universitária, pois muitas vezes a trajetória das mulheres na universidade é constituída em uma cultura baseada no modelo masculino de carreira, entranhado de princípios masculinos evidentes tanto na esfera representativa como no uso de comparações e sexismo na condução do desempenhar, do fazer, no método de coletivizar e no modo como as pessoas se comportam”. Segundo a autora, o sistema patriarcal ainda se apresenta como característica de muitos cursos e instituições, havendo pontos comuns ao ambiente universitário e ao ambiente de trabalho. Teixeira conclui que modificações nas próprias universidades podem resultar em relações profissionais com menos desigualdade de gênero.

Mulheres e a extensão na Uesb     

Propondo um recorte espaço-temporal no tema deste artigo, como a relação entre gênero, educação e sociedade se apresenta na extensão universitária da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, atualmente? Podemos afirmar que a representatividade das mulheres na extensão da Uesb se manifesta na própria gestão da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários, na Gerência de Extensão e Assuntos Culturais, assim como nos demais setores vinculados à administração direta da Proex (Pró-Reitoria de Extensão), cujas gestões vem sendo protagonizadas por mulheres, nesta última década.

Em 2022, 48 dentre os 79 projetos e programas de extensão aprovados no Edital 018/2022, para financiamento anual, são coordenados por mulheres, entre técnicas, analistas e docentes dos três campi, o que representa um percentual de mais de 60% do total.  Dentre os projetos e programas de extensão coordenados por mulheres na Uesb, alguns tratam especificamente da questão de gênero, a exemplo do programa Quebrando o silêncio: violência contra a mulher, coordenado pela docente Zoraide Santos Vieira (Departamento de Ciências Humanas, Educação e Linguagem, campus de Itapetinga), do projeto Lideranças Femininas: mulheres nas relações de poder no município de Vitória da Conquista, coordenado pela docente Marcela de Oliveira Pessoa (Departamento de Filosofia e Ciências Humanas, campus de Vitória da Conquista) e do projeto Aconselhamento em Amamentação, coordenado pela docente Marizete Argolo Teixeira (Departamento de Saúde II, do campus de Jequié).

Os demais projetos e programas referem-se a temas específicos das mais diversas áreas contempladas pela Extensão, em sua diretriz interdisciplinar. Conheça algumas dessas atividades extensionistas desenvolvidas na UESB, e suas respectivas coordenadoras:

ACONSELHAMENTO EM AMAMENTAÇÃO 

É coordenado por Marizete Argolo Teixeira, enfermeira e docente do Departamento de Saúde, campus de Jequié, líder e executora do Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Aleitamento Materno (NEPEAM), com pós-doutorado pela Université d’Aix-Marseille, França. O projeto, que está vinculado à área da Saúde,  foi idealizado para efetivar a promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno (AM), ao desenvolver a confiança e as competências dos profissionais de saúde, docentes e discentes para atuarem no aconselhamento e manejo clínico da amamentação, subsidiando-os de conhecimentos teóricos e práticos essenciais, com ações educativas e assistências às mulheres e seus familiares em processo de amamentação, nos diversos cenários onde transitam, seja na atenção básica ou hospitalar. Tem como objetivo capacitar profissionais de saúde das Unidades Básicas de Saúde, Rede Hospitalar, docentes e discentes dos cursos de graduação em saúde das Instituições de Ensino Superior de Jequié, quanto ao Aconselhamento e manejo clínico em amamentação, para muni-los com conhecimentos e habilidades, no sentido de transformar os locais de trabalho em protetores do aleitamento materno e sustentar mudanças em políticas e práticas. Dentre as atividades realizadas, destacam-se o Curso de Aconselhamento em Amamentação que vem sendo realizado de forma presencial, virtual e com práticas de campo. Até o momento, foram ofertados para 3 grupos, sendo que os próximos serão oferecidos nos meses de novembro de 2022, fevereiro e março de 2023. O projeto teve início em Abril de 2022, com data de finalização para abril de 2023, e tem como público-alvo discentes dos cursos de graduação em saúde de Instituições de Ensino Superior, docentes e profissionais de saúde da rede básica e hospitalar. Foi aprovado pelo Edital 018/22, contando com financiamento de bolsistas, material xerográfico e transporte. Segundo Marizete Teixeira, o retorno da sociedade tem sido positivo, especialmente com desenvolvimento de ações na maternidade. “Até o momento participei do treinamento dos profissionais de saúde desta instituição, na qual tenho desenvolvido ações do projeto (palestras com gestantes, atendimento para problemas de amamentação, orientando puérperas em alojamento conjunto), ademais venho participando de outras atividades promovidas pela instituição, como a Semana Mundial de Aleitamento Materno. Durante este período, houve um aumento do índice de aleitamento materno exclusivo nesta instituição, inserção de palestras com a gestantes que frequentam o pré-natal de alto risco. Vale salientar que a inserção de uma enfermeira para atender as demandas de aleitamento materno foi ponto muito positivo para a instituição e para fortalecer a integração ensino serviço”, afirma a coordenadora do projeto.

Aula do Projeto de Aleitamento Materno. Reprodução: Redes Sociais

EVOLUÇÃO PARA TODOS

É coordenado pela bióloga e docente do curso de Ciências Biológicas, campus de Vitória da Conquista, Luciana Aguilar Aleixo, doutora em Ciências Biológicas A/C Genética pela UNESP, que vem desenvolvendo atividades de ensino, pesquisa e extensão na área de Genética e Evolução. O programa, que está vinculado à área da Educação, no Departamento de Ciências Naturais, tem o objetivo de promover um debate interdisciplinar sobre diferentes temáticas de interesse geral, tendo a Evolução Biológica como eixo norteador. Objetiva também a divulgação do conhecimento científico por meio de material a ser veiculado nas mídias sociais do programa e na rádio universitária. Temas atuais são debatidos, esclarecendo dúvidas e promovendo diálogos entre ouvintes e palestrantes, gerando debates, promovendo a interdisciplinaridade e levando o conhecimento para além do meio acadêmico. Dentre as atividades realizadas, estão palestras e eventos que estreitam o contato dos executores do programa com o público da educação básica, em ações lúdicas que promovam o debate de Evolução entre crianças e os jovens. Também são realizadas atividades através das mídias sociais do programa, incluindo postagens no Instagram, socializadas via WhatsApp com amplo público, além de uma valorização ainda maior dos podcasts produzidos para veiculação na rádio Uesb, nas redes sociais e no WhatsApp. Recentemente, tem sido produzido vídeos curtos visando o público infanto-juvenil, que serão veiculados nas mídias sociais do programa, ampliando a gama de ações para socialização do conhecimento à luz da Evolução. O programa é realizado continuamente desde 2020, e atualmente é financiado pelo Edital 018/22, que contempla quatro bolsas de monitorias para discentes, além de transporte até escolas e feiras de Ciência. Segundo Luciana Aleixo, o Edital não contempla todas as demandas do progama, contando com seu investimento particular para impressões, compra de materiais de papelaria, dentre outras despesas. « Nas mesas-redondas e palestras online, além de um público amplo, recebemos elogios no próprio chat. No Instagram também temos recebido feedback positivo, além da excelente recepção da coordenação da escola com a qual mantivemos contato para realização da ação. Para além disso, enquanto coordenadora do programa já fui convidada para palestrar na UESB e em outras instituições, incluindo a UFBA, a Universidade do Estado do Amazonas e a Unipampa, do RS », afirma a coordenadora do programa.

Card do Projeto Evolução para Todos.

VIDA ATIVA 

É coordenado pela analista universitária Virginia Mendes Oliveira Coronago, licenciada em música, especialista em Musicoterapia e Alfabetização, mestra e doutora em Ciências Sociais (PUC/SP) e analista universitária da Coordenação de Cultura Proex, campus de Vitória da Conquista, o programa está vinculado às áreas de Educação, Cultura e Saúde, da Proex. Desenvolvido desde 2005, tem como principal objetivo oferecer atividades de extensão, com foco na promoção da qualidade de vida do ser humano que vive/envelhece. O programa envolve atividades idealizadas compondo um conjunto de procedimentos técnicos baseados em referenciais da qualidade de vida/envelhecimento, incluindo cursos, oficinas, palestras, workshops, rodas de terapia, seminários e pesquisas, atendendo em média 2000 pessoas entre público direto e indireto. Foi aprovado no Edital sem financiamento interno, em 2022. Segundo Virgínia Coronago, atualmente, o programa tem alcançado uma dimensão internacional, desenvolvendo ações em parceira com a Universidade de São Paulo, a Rymay Associação (Peru) e a Mismec/ VC. « Vale salientar que durante a pandemia o programa continuou atuante com ações online atendendo aos idosos, docentes e discentes, como espaço de pesquisa e ensino. Durante as restrições impostas, adaptamos todas as ações, considerando que o público alvo do projeto era também um dos principais grupos de risco, com mais probabilidade de desenvolver a forma grave da doença. Esse período rendeu alguns trabalhos, incluindo a conclusão de pesquisa de TCC de uma discente de psicologia da Uesb e um artigo publicado “Isolamento social de idosos frente a COVID-19: Afeto e cuidado em tempos de pandemia”, afirma a coordenadora do programa.

Card do Projeto Vida Ativa.

CORAL UESB

É coordenado pela analista universitária e coordenadora de Cultura da Uesb, Cláudia Cavalcante, que é educadora musical licenciada pela UFBA, musicoterapeuta, pianista, regente de coros, compositora, arranjadora e mestra em Educação musical pela UFBA, o projeto está vinculado à Coordenação de Cultura/Proex. O Coral Uesb foi fundado na década de 80 pelos professores Manoel Augusto Figueira e Eneida Oliveira com o objetivo principal de socializar os funcionários, professores, alunos e comunidade. Atualmente, o Coral UESB tem ensaios semanais no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima, com apresentações em eventos da Uesb e da comunidade de Vitória da Conquista e região, executando suas atividades sem financiamento. Tem como público-alvo todas as pessoas a partir de 14 anos que desejam fazer parte de um grupo de canto coral, desenvolvendo a musicalidade e melhorando a autoestima. “Percebemos o retorno no projeto “Encontro de Corais” quando visualizamos o auditório repleto com pessoas em pé emocionadas e ansiosas pela apresentação de cada coral”, afirma a coordenadora do projeto.

Reunião do Projeto Coral Uesb. Foto/Reprodução: Redes Sociais

Dentre as dificuldades mencionadas pelas coordenadoras a respeito da execução desses projetos e programas de extensão, destacam-se: os resquícios da pandemia da covid-19, que comprometeram os encontros com as comunidades, a escassez de verbas, a burocracia que envolve os financiamentos, a desvalorização da Extensão dentro dos critérios institucionais para os índices de produtividade acadêmica, a ausência de recursos humanos e materiais, bem como de espaços próprios, com equipamentos adequados.

Além dessas dificuldades relatadas no âmbito da Uesb, observamos, na realidade observada e na bibliografia consultada para fins deste artigo, diversas disparidades entre os preceitos da Política Nacional de Extensão, bem como os demais documentos que regulamentam a Extensão Universitária no Brasil, e sua aplicação prática, sobretudo no que tange à indissociabilidade do ensino e da pesquisa, em termos, até mesmo, formais, dentro das universidades.

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