“Quem tá no erro sabe”: 20 anos depois tem cocaína sendo traficada no avião da FAB
O vice-presidente Mourão acredita que o militar se envolveu com tráfico de cocaína por causa de dinheiro, mas os dados mostram que essa explicação não vale para a população negra, pobre e semi analfabeta do país 28 de junho de 2019 Henrique OliveiraEm 1999, o coronel Washington Vieira da Silva, o tenente coronel Paulo Sergio Pereira e o major Luiz Antônio da Silva Griff, da Aeronáutica, foram presos pela Polícia Federal, na “Operação Mar Aberto”, por transportar 32 quilos de cocaína em suas malas, quando embarcavam para a Europa, utilizando um avião da Força Área Brasileira. Na justiça comum o coronel Washington foi condenado a 17 anos de prisão, mas somente em 2015, o Superior Tribunal Militar determinou que ele perdesse o posto e a patente, os outros dois foram condenados a 16 anos.
Segundo matéria do jornal O Globo, a cocaína tinha 98% de pureza e estava avaliada em 3 milhões de euros. Esse fato, inclusive, rendeu um verso de Black Alien, na música “Um bom lugar”, gravada juntamente com Sabotage, que fez parte do álbum “Rap é compromisso”, lançado no ano 2000: “quem tá no erro sabe, cocaína no avião da FAB.”
Hoje, 20 anos depois, o sargento Manoel Rodrigues, foi preso na Espanha, com 39 quilos de cocaína durante uma viagem presidencial para o Japão. O sargento Manoel Rodrigues, acompanha pessoalmente os presidentes em missões desde 2017, e acompanhava o alto escalão do Planalto em aeronaves desde 2016, segundo informações do Portal da Transparência. Com Bolsonaro, o sargento viajou em fevereiro, entre São Paulo e Brasília. No mês seguinte, participou do transporte do escalão avançado da presidência, passando por Brasília, São Paulo e Porto Alegre. A viagem mais recente registrada pela Transparência havia sido para o Recife, onde o presidente esteve no final de maio. Militar na ativa, Rodrigues é segundo-sargento da Aeronáutica e recebeu, em março, data da última atualização do portal, 6.081,90 reais de salário líquido.
Na terça-feira, Rodrigues estava junto ao escalão avançado da presidência novamente, acompanhando a ida de Bolsonaro a Osaka, no Japão, onde o presidente participa de reunião do G20. O sargento foi detido em Sevilha, na Espanha, durante uma escala.
A droga foi detectada quando as bagagens da tripulação passaram pelo controle alfandegário. Ao abrir a mala de mão, os agentes encontraram 37 tijolos de pouco mais de um quilo cada de cocaína. “Não estava nem mesmo escondido entre as roupas”, disseram as fontes da Guarda aos repórteres María Martín e Óscar López-Fonseca. As autoridades da Espanha agora querem saber qual era o destino final da droga.
Enquanto isso, o vice presidente Hamilton Mourão disse que o militar preso na Espanha é uma “mula qualificada”, e que as forças armadas não estariam “imunes” ao “flagelo das drogas”. A questão é que as mulas costumam carregar uma média de 2 quilos de droga para fora do Brasil, o que é muito diferente do caso do sargento Manoel Rodrigues, que com certeza estava à serviço de algum qualificado traficante, um superior hierárquico? Não seria surpresa.
Demonstrando todo seu conhecimento óbvio sobre o mercado de drogas, o vice – presidente Mourão, em uma entrevista concedida a Rádio Gaúcha, disse que acreditava, que o militar se envolveu com tráfico de cocaína por causa de dinheiro. Mas por essa ninguém esperava, hein, que a proibição transformasse a cocaína em uma mercadoria supervalorizada na Europa e na Ásia. Eu tenho uma questão, será que essa explicação sobre traficar para ganhar dinheiro também vale para a população negra, pobre e semi analfabeta do país? De acordo com os dados do Escritório para Drogas e Crime da Organização das Nações Unidas (UNDOC), os 39 quilos de cocaína poderiam ser vendidos por 5,8 milhões de reais na Espanha. Em regiões como o Japão, o quilo da cocaína pode chegar a custar até 300 mil dólares, recentemente o Comitê dos Jogos Olímpicos de Tóquio alertou aos estrangeiros que o consumo de maconha no país é tolerância zero. E justamente a política de tolerância zero torna as substâncias mais caras e atrativas ao tráfico internacional.
Essa não foi a primeira vez nem será a última, em que membros das Forças Armadas são flagrados participando ativamente do tráfico de drogas. Em 2016, três cabos do Exército foram presos em São Paulo, quando traziam maconha do Mata Grosso, dentro do caminhão do Exército brasileiro. E quando não são presos traficando drogas, os membros das forças armadas são presos envolvidos com o tráfico de armas: em 2017 o sargento do Exército Carlos Alberto de Almeida, foi preso com a acusação de ser o maior armeiro do tráfico de drogas do Rio de Janeiro, no mesmo ano, só que em Recife, um cabo também do Exército, foi preso por vender fuzis e munições a traficantes, em Brasília no ano passado, militares da ativa e da reserva, tanto da Aeronáutica como do Exército, foram presos por tráfico de armas.
Num levantamento inédito realizado pelo Superior Tribunal Militar (STM), em 2015, demonstrou que entre os anos de 2002 e 2014, os casos de uso, tráfico e porte de drogas nas Forças Armadas aumentaram 337%. Segundo o levantamento, 40% dos envolvidos são de unidades do Exército, e 17% dos casos foram registrados no Rio Grande do Sul – maior percentual entre estados. As regiões Sul e Sudeste tiveram, respectivamente, 34,5% e 34,9% das ocorrências. A maconha é a droga mais comum, com 81,6% dos registros. Mas, nos últimos 5 anos, vem caindo, diante do aumento da presença da cocaína, quase 20% em 2013, e do crack, que atingiu 10% das apreensões em 2011.
No seu perfil no twitter, o ministro da justiça e segurança pública Sergio Moro, reproduziu uma nota do Ministério da Defesa, dizendo que o sargento preso com cocaína na Espanha é uma “ínfima exceção em corporação (FAB), que prima pela honra.” É muito fácil dizer que é exceção, quando o sargento sequer foi revistado quando saiu aqui do Brasil, se não fosse a polícia espanhola o militar teria passado ileso e cumpriria a sua missão de entregar a cocaína ao comprador na Europa. Realmente, sem investigação se torna uma exceção. Outro fato interessante vindo do ministro Sergio Moro, foi que enquanto ele celebrava um acordo de cooperação com o DEA nos EUA, para estabelecer uma agenda internacional antidrogas, um militar brasileiro transportava drogas no avião presidencial para a Europa. Em 2017, o Departamento de Estado dos EUA, divulgou um documento afirmando que o país vive a sua pior crise de drogas desde a década de 1980. Portanto, qual é a chance dessa agenda antidrogas ter algum êxito?
O general Augusto Heleno, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), disse numa entrevista, que não era possível prever drogas no avião presidencial, pois o ministério não tem “bola de cristal”. Ora, da mesma forma que passou 39 quilos de cocaína, poderia ter passado uma bomba. Esse discurso mais parece conivência com o fato, de quem é responsável pela garantia da segurança do Presidente da República.
No artigo “Economia da droga, instituições e política” apresentado no 34ª Encontro Anual da Anpocs, que analisou o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Narcotráfico no Brasil (1999), realizou a produção de um banco de dados tentando responder a duas perguntas: Quem são os indivíduos envolvidos no comércio de drogas no Brasil? E a quais perfis sociais eles correspondem? Os dados da pesquisa demonstraram que 45% dos investigados estavam relacionados nas Ocupações no Estado, como ocupantes de cargos eletivos, chefia dos poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário, e este incluindo o Ministério Público) nas três esferas (municipal, estadual e federal), cargos ocupados por indicação ou concurso público, como integrantes de todas as corporações policiais.
O papel dos agentes públicos ligados a Forças Armadas ou as polícias é garantir segurança ao mercado de drogas, por serem eles os responsáveis pelas investigações e repressão ao comércio e o consumo de drogas, o exercício de suas funções lhes concede uma espécie de imunidade, que permite que eles possam transportar as drogas, e por meio da extorsão, propina ou suborno, esses mesmos agentes possibilitam que a relação de venda e compre funcione sem que haja pertubação. Não estamos mais no país de FHC cantado por Black Alien, mas a cocaína continua sendo traficada no avião da FAB.
Foto destacada: José Cruz/Agência Brasil
*Henrique Oliveira é historiador e militante antirracista contra a proibição das drogas.