Ambulantes da Liberdade tentam driblar redução de clientes e maior concorrência

Comerciantes do bairro conhecido como um centro popular econômico de Salvador contam os novos desafios para enfrentar crise 31 de julho de 2021 Antônio Laranjeira (Agência Mural)

Entre bancas e sombreiros, os ambulantes da Liberdade, bairro conhecido como um centro popular de Salvador, traçam estratégias para enfrentar uma dualidade provocada pela pandemia desde o ano passado: o esvaziamento de fregueses e o aumento da concorrência no espaço.

O ambulante José Luiz dos Reis, 35, vende óculos solares no local há 16 anos e conta ter mudado sua tática de trabalho neste último ano. Para economizar, ele deixou de encomendar pedidos de “sacoleiros” de São Paulo e passou a viajar para Feira de Santana, a 115 km de Salvador, para abastecer sua banca com novidades.

“Meu trabalho é oferecer uma variedade grande de óculos importados da China. A Liberdade tem o que o comércio de outros bairros não têm, com os preços que todo mundo pode pagar”, diz o ambulante.

Apesar de residir em Paripe, Reis guarda suas mercadorias em uma loja e remonta sua banca todos os dias logo cedo, às 8h, quando o estabelecimento abre as portas. A maioria das lojas começam a baixar as portas às 18h, horário que as bancas do comércio de rua também são recolhidas.

Assim como Reis e a maioria dos ambulantes da Liberdade, a aposentada Solange dos Santos, 70, também monta e desmonta sua banca de bijuterias de segunda a sábado. Vendedora na região desde 1988, ela diz perceber mudanças na configuração local desde o ano passado.

“Essa pandemia veio e as pessoas só podem ir para rua ganhar sua renda. A Liberdade já era atrativa para os ambulantes de outros bairros, com essa crise que estamos o número só aumentou”, diz Solange.

Em contrapartida, o fluxo de fregueses caiu, segundo os comerciantes, e as dificuldades financeiras não permitiram uma pausa no período. “No meu caso, um salário mínimo de aposentadoria não cobre minhas despesas. Continuo trabalhando de máscara mesmo vacinada da Covid-19”, relata Solange.

Com a pandemia, Solange passou a receber o auxílio emergencial de R$ 270 oferecido pela Prefeitura de Salvador para os ambulantes, com mais de 60 anos, cadastrados na Semop (Secretaria Municipal de Ordem Pública).

Ambulantes e feirantes estão entre as profissões reconhecidas pela prefeitura como as mais afetadas pela Covid-19, por lidarem diretamente com o fluxo das ruas e o contato entre vendedores e clientes.

Para se cadastrar e obter a licença de ambulante, além dos documentos básicos, como CPF e RG, o profissional deve apresentar à Semop um croqui (rascunho feito à mão) da localização que pretende ocupar na via pública em uma área de até 1,5 m².

Credenciada, Solange paga uma taxa mensal de R$ 126 por 1 m² da calçada na rua principal da região. Contudo, a vendedora reclama que as promessas eleitorais de projetos de ordenamento público nunca foram concretizadas.

“Eu vi candidato vir aqui em eleições passadas, falar com a gente sobre planos de padronização das nossas bancas, depois de ganhar a eleição para vereador e dar as costas para a situação. Aqui a competição por espaço sempre foi regulada pelos próprios ambulantes e pelo que eu vejo não vai mudar”, comenta a aposentada.

Solange dos Santos atua há 33 anos como ambulante, mesmo depois de aposentada | Foto: Antônio Laranjeira/Agência Mural

RUA PRINCIPAL

A disputada calçada onde Solange está fica na Estrada da Liberdade, considerada a rua principal da região, que mescla características residenciais e comerciais.

“O bairro apresenta diversos trechos, localidades e comunidades, fazendo com que apareçam características bem distintas em toda sua extensão”, analisa Ana Cláudia Nogueira Maia, doutora em Geografia pela UFBA (Universidade Federal da Bahia).

A via de mão dupla para os meios de transporte conecta outras zonas comerciais e residenciais da Cidade Baixa e Cidade Alta, como a ligação entre a Calçada e o Centro.

Para Ana Cláudia, essa configuração mista da rua é um atrativo potencial para os negócios. “As atividades comerciais desenvolvidas na antiga Avenida Lima e Silva, como muitos ainda chamam a atual Estrada da Liberdade, atraem um grande número de pessoas, conectando, sim, esses diferentes espaços do bairro”, observa.

O ambulante Genivaldo Lima, 45, é um exemplo de quem aproveita essas duas facetas da Liberdade. Há 25 anos ele mora em uma das avenidas que se conectam à rua principal, onde trabalha vendendo CDs e DVDs, desde 2001.

Com a primeira dose da vacinação contra Covid-19 em dia e utilizando máscara, ele também reclama da queda no fluxo de clientes no período. “O movimento caiu, levando em consideração que minha clientela é idosa e precisa se manter em casa”, avalia.

Lima diz que seu negócio, apesar de parecer um ramo defasado, tem fregueses cativos, como pessoas que não se adaptaram ao uso de pendrives e o consumo de músicas em streaming via Internet.

Por outro lado, ele destaca a solidariedade entre comerciantes formais e informais, um fator que sustenta o bairro como um dos principais centros da economia popular na capital baiana.

“Se eu precisar de troco para uma nota de R$ 50 ou R$ 100, peço ao ambulante do meu lado para olhar minhas mercadorias enquanto saio para trocar com a loja mais próxima. Quando a loja precisa, também troca com um ambulante. Essa é nossa rotina”, comenta Lima.

 

*Originalmente publicado na Agência Mural, que permite a republicação do seu conteúdo no site Avoador.

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