Aviação agrícola: tecnologia e qualificação profissional revolucionam cotonicultura baiana
Associação Baiana dos Produtores de Algodão investe em formação para tornar o uso da ferramenta mais seguro e eficaz 23 de setembro de 2024 Pedro NovaesQual criança nunca sonhou em alçar voo e tocar a imensidão de nuvens no céu? O mistério em torno da água condensada nos ares e a aspiração por voar fazem parte de um imaginário popular inerente à curiosidade humana. Em Luís Eduardo Magalhães, além de poder experimentar a sensação de caminhar entre elas e tocá-las, é literalmente voando que os produtores garantem bons resultados na cotonicultura, a produção de “nuvens da terra”. As grandes lavouras de algodão no oeste baiano detém 98% de toda produção do estado, o segundo maior produtor do país, com áreas cultivadas totalizando pouco mais de 345,4 mil hectares na safra de 2023/2024.
É nesse contexto de produção em larga escala e áreas extensas de cultivo que a aviação agrícola se torna indispensável para os produtores de algodão. Os primeiros registros da atividade são de 1911, na Alemanha, quando o agente florestal alemão Alfred Zimmermann utilizou uma aeronave e defensivos químicos para evitar a proliferação de lagartas em uma plantação. Contudo, foi apenas entre 1947 e 1969, com a Revolução Verde e a implementação de novas tecnologias na agricultura, que a utilização de aeronaves agrícolas foi adotada e regulamentada no Brasil.
Atualmente, segundo o Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), o Brasil possui a segunda maior frota do mundo, com mais de 2600 aviões em circulação. Destes, 120 operam em lavouras na Bahia, sendo 87 apenas no oeste do estado, desempenhando importantes funções como o combate a incêndios florestais e a semeadura de culturas variadas. Na cotonicultura, a principal função é a aplicação de defensivos químicos e fertilizantes, sobretudo no combate ao bicudo-do-algodoeiro, principal praga responsável por prejudicar a produtividade das lavouras, bem como destruí-las.
Reconhecendo a importância da atividade na cadeia produtiva do algodão, a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa) se destaca como pioneira na adoção de medidas para torná-la mais segura, eficiente e responsável. Desde 2022, a Abapa é a única entidade homologada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para promover a formação de executores e coordenadores de aviação agrícola, além de certificar as aeronaves e seus padrões de operação. Para o presidente da Abapa, Luiz Carlos Bergamaschi, esse reconhecimento é importante para que, por meio do conhecimento e controle, a atividade seja realizada de acordo com a Instrução Normativa vigente.
“O treinamento é indispensável para definir o que aplicar e como executar o que foi definido. Agora, além desse treinamento, também estamos verificando as aeronaves para que estejam certificadas, aplicando de forma correta, respeitando os limites, e obtendo, ao final, o melhor resultado do uso dessa ferramenta”, pontuou o presidente.
Além da Instrução Normativa de Janeiro de 2008 do Mapa, a aviação agrícola é fiscalizada por pelo menos oito órgãos entre o próprio ministério, o Ibama, as Secretarias Municipais e Estaduais de Meio Ambiente, o Corpo de Bombeiros e os CREAs (Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia). A atividade deve seguir procedimentos que respeitem os limites técnicos de segurança para os aplicadores, o meio ambiente e as pessoas que residem nas áreas de fazenda. Segundo o diretor executivo da Abapa, Gustavo Prado, a associação hoje trabalha com esse objetivo no programa de treinamento dos aplicadores e coordenadores que já instruiu mais de 124 profissionais, a fim de que por meio do “tripé: lavoura, meio ambiente e piloto”, a cotonicultura baiana continue se destacando no país.
“Essas são premissas do nosso programa de treinamento, e estamos evoluindo a tal ponto que, com nossos cursos, o produtor responsável e seus colaboradores tenham ferramentas e conhecimento suficientes para fazer uma boa aplicação”, afirmou o executivo.
“Plantar e colher”: o trabalho não começa pela lavoura
O programa faz parte das iniciativas do Centro de Treinamento e Tecnologia da Abapa, que dispõe de um espaço em Luís Eduardo Magalhães para capacitação e formação de mão de obra qualificada, além de investimentos em pesquisa e tecnologia, é lá onde tudo começa. Para tanto, são oferecidos pelo menos quatro cursos voltados para executores e coordenadores, que desempenham funções diferentes na aviação agrícola. Enquanto os coordenadores precisam ser engenheiros agrônomos e administram funções prévias, os executores atuam na prática. O pré-requisito para estes é a formação no nível técnico em agricultura.
De acordo com Mateus de Castro, instrutor técnico da Abapa habilitado em mecanização agrícola e segurança do trabalho, a profissionalização dos envolvidos na aviação agrícola é importante para a eficiência, assertividade e garantia da alta produtividade na lavoura. “O Oeste da Bahia demanda de áreas gigantescas de produção agrícola. Sem a aviação e a qualidade dos profissionais dessa área, não conseguiríamos fazer as aplicações de forma eficiente, no tempo hábil e necessário para combater pragas, por exemplo”, atestou Mateus.
Para atender às exigências do Ministério da Agricultura e preparar os profissionais para as demandas do mercado, especialmente na cotonicultura, a Abapa firmou parceria com as empresas SABRI Sabedoria Agrícola e ABA Manutenção de Aeronaves. Desde 2022, quando se iniciou a colaboração entre as entidades, a ABA mantém uma infraestrutura com todo aparato tecnológico aéreo dentro do Centro de Treinamento e Tecnologia da Abapa para a realização dos cursos e capacitações. Em contrapartida, a SABRI é responsável pelo conhecimento prático e teórico, disponibilizando especialistas autorizados e reconhecidos pelo Mapa para ministrar os cursos.
A carga horária da capacitação para executores e coordenadores é de 42 horas, e os componentes curriculares obrigatórios vão desde a história da aviação agrícola e a legislação até os conhecimentos técnicos que garantem melhor performance e segurança das aeronaves. “Trabalhamos esses pontos de maneira bem aprofundada e conciliamos com a prática, para que os alunos saiam daqui preparados para o dia a dia da aplicação”, pontuou Raphael Lemos, engenheiro agrônomo e consultor da SABRI. O profissional também ressaltou que a Abapa disponibiliza este curso nos intervalos entre as safras do algodão, demonstrando preocupação com a formação contínua e atualizada. “Nós permanecemos sempre à disposição para que eles tirem suas dúvidas e executem o que aprenderam aqui no curso”, garantiu.
Voando alto em direção à sustentabilidade
A pulverização por aeronaves é uma das principais ações do Manejo Integrado de Pragas e Doenças (MIP) na produção de algodão baiana há pelo menos 60 anos, destacando-se pela eficácia. “As tecnologias presentes nesses aviões, como os bicos que formam e lançam as partículas de defensivos agrícolas e os monitores climáticos, garantem maior eficiência e assertividade na execução”, certificou o engenheiro agrônomo e coordenador de aplicação aeroagrícola da Fazenda Santa Isabel do Grupo Franciosi, João Alves Neto. Ainda segundo o profissional, parâmetros, como rapidez e agilidade na aplicação, maior alcance em toda área cultivada e a redução da quantidade de defensivos utilizados contribuem significativamente para a diminuição dos custos do produtor.
Além dos aparatos tecnológicos de ponta, as aeronaves dispõem de um hopper, espécie de tanque acoplado à estrutura, cuja capacidade varia de acordo com o modelo e a fabricante. O modelo utilizado nas fazendas do Grupo Franciosi é da fabricante americana Air Tractor, considerada uma das melhores do mundo. Segundo o gerente operacional do grupo, Sandro Altair Dalforno, o maquinário terrestre de pulverização não atenderia à demanda das áreas de cultivo, que chegam a 14 mil hectares somente na Fazenda Santa Isabel, tornando indispensável o uso dos aviões “amarelinhos”. “O rendimento dessas aeronaves é muito alto. Elas contam com cerca de 1.800 litros de capacidade no hopper, e nós utilizamos uma vazão média de 10 litros por hectare. Hoje, no contexto de produção, é algo que não tem como se desfazer”, afirmou Sandro.
Para realizar a aplicação dos insumos agrícolas, uma série de protocolos regulamentares vigentes deve ser seguida. Ainda de acordo com Sandro, as aeronaves na cotonicultura começam a ser utilizadas 30 dias após a germinação do algodoeiro. Nessa etapa, o trabalho do coordenador de aplicação é fundamental para a preparação do receituário agronômico. João Neto, que supervisiona essa atividade, explica que o receituário consiste na preparação da “calda”, uma mistura do defensivo com água. Posteriormente, a aeronave é abastecida no pátio de descontaminação, uma área destinada tanto à preparação das misturas quanto à limpeza das aeronaves. A aplicação só é realizada depois que o executor mede a velocidade do vento, umidade e temperatura do ar para evitar um fenômeno indesejado chamado deriva, que consiste na dispersão dos insumos agrícolas para áreas não desejadas, como as reservas ambientais.
A aviação agrícola é uma ferramenta que combina tecnologia e ciência, permitindo que os produtores não apenas alcancem bons resultados, mas também avancem em direção à sustentabilidade. Dados do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação agrícola (Sindag) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) indicam que entre seus pontos positivos destacam-se a redução do uso de água em até dez vezes, a menor utilização de combustível por hectare, diminuição na emissão de carbono na atmosfera e maior segurança na utilização de insumos agrícolas. Sob esse aspecto, a cotonicultura baiana se consolida como precursora na adoção consciente da atividade no sistema produtivo, buscando sempre “voar cada vez mais alto”, porém, com responsabilide.
Foto em destaque: Reprodução/Air Tractor