Cesta do Povo: governo estadual fecha 150 lojas e demite mil servidores concursados

Em Vitória da Conquista, uma das três lojas foi fechada e 15 funcionários já foram demitidos. 8 de junho de 2017 Paula Doratiotto e Rhaic Pastor Piancó

Criada em 1979 pelo então governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães, a Cesta do Povo surgiu com uma proposta de beneficiar a população com menor poder aquisitivo e como instrumento de regulação do mercado. Hoje, 38 anos depois, a rede de supermercados vive um dos momentos mais críticos desde sua inauguração: já são mais de mil funcionários demitidos e 150 lojas fechadas numa tentativa frustrada do governo estadual de privatizar a empresa.

Em Vitória da Conquista, uma das três lojas foi fechada e 15 funcionários já foram demitidos. Bruno Costa Rodrigues, 28 anos, foi um deles. Trabalhava há dois anos na loja do bairro Patagônia, com o cargo de comissionado e foi demitido em março de 2016. Atualmente, ele se sustenta com vendas de cosméticos. “Tá muito difícil! As vendas que eu faço não dá para pagar todas as contas”, lamenta ele.

Cesta do Povo no Centro em Vitória da Conquista. Foto: Rhaic Piancó

Cesta do Povo no Centro em Vitória da Conquista. Foto: Rhaic Piancó

Cesta do Povo no bairro Brasil em Vitória da Conquista. Foto: Rhaic Piancó

Cesta do Povo no bairro Brasil em Vitória da Conquista. Foto: Rhaic Piancó

Duas lojas continuam abertas na cidade: a que fica no centro e outra, no bairro Brasil. Em ambas, nenhum dos funcionários quis falar sobre assunto, alegam que não têm autorização ou que desconhecem as privatizações. Para o concursado demitido da Empresa Baiana de Alimentos e atual presidente da Associação dos Trabalhadores da Ebal/Cesta do Povo (Abtec), Francis Tavares, essa atitude dos funcionários não é isolada e acontece com a maioria em todas as lojas dos municípios baianos: “Eles têm medo de falar sobre isso com medo de que aconteça alguma coisa”.

De acordo com Tavares, medidas foram tomadas para a readmissão das pessoas demitidas: “O departamento jurídico da associação já entrou com mais de 200 processos, todos em fase final de julgamento, já conseguimos reintegrar duas funcionárias, a última no mês passado da cidade de Jequié”.

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Francis Tavares, presidente da Abtec. Foto/Reprodução: Abtec

Tavares conta ainda que funcionários com mais de 30 anos de serviço público foram demitidos. Com o intuito de reintegrá-los aos cargos e evitar que ocorram mais demissões, a Abtec fez uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho: “O objetivo dessa ACP é de reintegrar todos os funcionários demitidos e chegar em um acordo sobre o futuro dos empregados públicos”. A primeira audiência acontece no dia 28 de junho desse ano e inclui os funcionários comissionados e funcionários em exercício. Além disso, associação vai colocar outdoors em 20 cidades da Bahia para denunciar o governo estadual sobre o desmonte da rede de supermercados públicos.

Segundo o site da Empresa Baiana de Alimentos (Ebal), que é a mantenedora da Cesta do Povo, no ano de 2007, com a mudança na direção da gestão, a empresa alcançou uma dívida de R$ 300 milhões e diversos problemas com funcionários, fornecedores e infraestrutura. Em 2015, oito anos depois, o atual governador do estado da Bahia, Rui Costa (PT), anunciou uma reforma administrativa em que pretendia seguir com uma política de contingenciamento do orçamento público e, para isso, segundo um balanço geral do exercício do estado no ano de 2015, previa a extinção de secretarias e empresas do estado, o que incluía a Bahiatursa, EBDA e Ebal/Cesta do Povo (essa última, na mira da privatização).

Alguns dos motivos para a privatização da empresa apresentados pelo governo do estado foram as dívidas, que chegam a mais de R$ 700 milhões somadas à incapacidade do poder público de manter uma empresa de alimentos e uma rede de lojas varejistas nos dias atuais, que não teria condições de competir com as empresas privadas do setor. Porém, em balanço da companhia no final de 2015, e divulgado no jornal A Tarde “a Ebal continua posicionada entre as cinco maiores empresas do setor no ranking Norte/Nordeste, ocupando no estado da Bahia a segunda posição no segmento e 39ª em âmbito nacional”. O presidente da Abtec confirma o fato: “mesmo passando por essa crise, a Cesta do Povo gerou milhões no final de 2015”.

Privatização

Com um lance inicial de R$ 81 milhões e algumas condições para os compradores, o governo estadual não obteve êxito ao tentar leiloar a Ebal/Cesta do Povo no início de 2016. Tavares alega que as dívidas e os problemas internos da empresa foram alguns dos fatores determinantes, juntamente com a crise econômica vivenciada no país.

Além disso, ele afirma que o governo aplicou medidas sutis de desmonte da rede de lojas e possui algumas estratégias de gestão até as eleições de 2018: “Quando o governo tentou extinguir a EBDA ele demitiu uma grande quantidade de funcionários de uma vez, isso gerou uma repercussão muito ruim para ele. Com a Cesta do Povo, ele fez diferente, demitiu mais de mil funcionários de forma escalonada para não ocasionar escândalos. Agora, depois de ter fechado mais de 150 lojas no estado da Bahia e ter demitidos funcionários, o governo vai manter as poucas lojas que ainda restam do jeito que está: insuficiente na demanda de produtos, com a maioria das prateleiras vazias, operando apenas com papel higiênico, refrigerantes e algumas outras coisas mais”.

Prateleiras vazias na Cesta do Povo do bairro Brasil em Vitória da Conquista. Foto: Rhaic Piancó

Prateleiras vazias na Cesta do Povo do bairro Brasil em Vitória da Conquista. Foto: Rhaic Piancó

Cesta do Povo do Centro em Vitória da Conquista opera com o mínimo de mercadoria. Foto: Rhaic Piancó

Cesta do Povo do Centro em Vitória da Conquista opera com o mínimo de mercadoria. Foto: Rhaic Piancó

Questionado se o governo teria condições de gerir a empresa, Tavares respondeu: “Ele está mais interessado em reduzir gastos com a Ebal e transferir quaisquer fundos que sejam para a construção das novas linhas do metrô de Salvador. Ele vai fazer isso até as eleições de 2018 na tentativa de se reeleger. Tudo isso faz parte de um processo neoliberal de privatização que o governo utiliza, sucateando financeiramente ao máximo a empresa, dando a entender que o poder público não tem condições de gerir, se eximindo da responsabilidade de administração e assim passar para as mãos da iniciativa privada. É a política do estado mínimo”.

Aparelhos vazios e desligados na Cesta do Povo do Centro em Vitória da Conquista. Foto: Rhaic Piancó

Aparelhos vazios e desligados na Cesta do Povo do Centro em Vitória da Conquista. Foto: Rhaic Piancó

A equipe do Avoador entrou em contato com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado da Bahia (SDE-BA), chefiada pelo ex-governador do estado e ex-ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner (PT) para esclarecimentos sobre a situação da Ebal/Cesta do Povo. Segundo a assessora da SDE-BA, Bruna Santana, o futuro da empresa será mesmo a privatização. Ela confirma o que foi citado por Tavares: “O governo hoje não tem mais condições de gerir a Cesta do Povo. Um leilão já tinha tido sido marcado no ano passado, mas acabou não dando certo. Um novo leilão está sendo preparado para vender a empresa ainda neste ano”. Questionada sobre o futuro dos funcionários da empresa, ela afirmou que o governo do estado criará condições para que os compradores da rede de lojas absorvam o quadro de funcionários existente.

Privatizar não é a solução, diz economista

O Economista e Professor do curso de Economia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Marcos Tavares, conversou com o Avoador e apontou os problemas de medidas como a privatização de uma empresa estatal e indicou possíveis soluções de gestão para a administração da Ebal/Cesta do Povo.

Avoador: Qual a importância de uma empresa estatal com a lógica de custos mais baixos para a população do estado como a Cesta do Povo? Como essa empresa intervém na economia?

Marcos: Considerando o perfil econômico do Estado da Bahia, com forte concentração econômica na região metropolitana de Salvador, da existência de vastas áreas territoriais e municípios no interior do Estado, que não contam com boas perspectivas econômicas, a existência de uma rede de supermercados pública pode influir positivamente nos preços praticados nos municípios do Estado, (considerando também a estrutura tributária diferenciada que a rede possui), estabelecer uma grande rede de fornecedores locais para suas lojas, afetando principalmente a agricultura familiar e influindo positivamente no custo de vida das famílias, residentes nestes municípios. Mas, a Cesta do Povo, somente poderá exercer este papel se atuar como reguladora de mercado, e não como outra cadeia de mercado, este é ponto central da sua existência. Em verdade, o modelo adotado pelo Estado, é constituído de duas empresas: Cesta do povo e Ebal. Esta última tem importante missão em seu regimento de ser uma operação de política pública voltada a trazer ao povo baiano alimentos de qualidade a preços justos e apoiar o governo em campanhas alimentares. Por exemplo, é comum hoje que escolas possam realizar as suas compras em supermercados, suando orçamento próprio a este fim. Por que não direcionam estas compras a Cesta do Povo? Enfim, são várias a possibilidades de articular políticas voltadas à melhoria das condições nutricionais do povo baiano, sobretudo dos mais pobres, que se constituem a maioria da população no Estado, tendo essas empresas estatais como ferramentas importantes desta ação. Também, indico que o Estado da Bahia, possui somente uma única agência de regulação a mercados (Agerba – Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia), que é totalmente inadequada ao que a teoria econômica aponta como sendo uma agência de regulação a mercado. O seu ponto principal é que cada agência se especialize em apenas um mercado, portanto, é limitadíssima a eficiência de ter uma agência que possa atuar em vários. Em geral, terá dificuldades em regular tais mercados, o que acontece exatamente com a Agerba. Sendo assim, a Bahia e seus municípios, se constituem em um grande mercado aos supermercados privados, sem regulação, que podem atuar com uma prática de preços agressivos e elevados, o que geralmente fazem. Desta forma, a sociedade local tem o seu custo de vida elevado, pagando mais caro, por que a regulação é frágil e inexistente. Ainda aponto: o que faz uma cadeia de supermercado privado ser lucrativa e a pública não? Simples, a gestão. Se moldar a gestão da Ebal e Cesta do Povo, em formato profissional, o lucro virá.

Avoador: Quais são os riscos de uma privatização neste caso? O que implicaria aos funcionários?

Marcos: Os riscos são desemprego, desarticulação da agricultura familiar em vários municípios, ampliação dos preços e da margem de lucros dos supermercados privados no Estado, afetando principalmente as pessoas mais pobres, a maioria da população baiana. O fato de nenhum outro estado da federação ter uma cadeia de supermercado depende das condições estruturais de cada um destes, mas não compreendo como impeditivo a sua manutenção, inclusive, considerando o que indiquei na questão anterior.

Avoador: O que o governo do estado deveria fazer para reverter essa situação?

Marcos: Ter uma maior reflexão sobre o que dizem os regimentos internos da Ebal e da Cesta do Povo, que demonstram os motivos da sua existência e as possibilidades da articulação de políticas públicas usando tais empresas públicas. Também, sugiro um amplo estudo no estado, sobre o possível impacto nos preços da cesta básica familiar com o encerramento das operações da Cesta do Povo e Ebal. A Bahia é o estado da federação que mais recebe bolsa família. Isto é um ponto claro à compreensão de que é amplo o número de pessoas no Estado que permanentemente estão em forte insegurança alimentar, ou mais claramente, que tem fome. Sabemos dos problemas estruturais do estado, das questões históricas que limitam seu maior crescimento econômico, mas temos que considerar não ser possível aceitarmos o número de pessoas que tem dificuldades em ter e manter uma dieta nutricional adequada, ou, mais simplesmente que têm fome. É necessário um olhar mais amplo sobre esta questão, inclusive, compreendendo que a saída destas famílias no programa bolsa família é ponto de maior fragilidade no programa, pois, a maioria não avançou, e a tendência é o retorno destas à miséria. Se a vida é um direito consagrado na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, ter o direito a possuir alimentos é condição importante à vida. Não há como pensar em ter crianças na escola, se antes não dermos a tais crianças a possibilidade adequada de se alimentarem. Não é correto, aceitarmos o fato de que crianças em idade escolar somente se alimentem bem quando estão na escola, é precisamos ter uma política pública de produção e venda de alimentos com preços adequados aos objetivos humanos econômicos maiores. Quantas doenças podem existir e continuamente estarem presentes na vida das pessoas, se estas não se alimentam bem? Como fazer uma criança aprender e se desenvolver bem, se esta não se alimenta adequadamente? Que repercussões à economia teremos no futuro em possuir um grande contingente de pessoas não adequadamente educadas e preparadas à vida, por carências alimentares? Penso que a questão que envolve a Ebal e a Cesta do Povo perpassam por tais pontos. Não deve ser somente um olhar de curto prazo, observando custos, despesas e lucros, mas devemos pensar em médio e longo prazos, sobre que estado desejamos e quais carências temos.

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