Empreendedores conquistenses investem na estética masculina

Brasil é o segundo maior mercado do ramo a nível global, e fica atrás apenas dos Estados Unidos 1 de junho de 2024 Tiago de Lima

Quando o barbeiro Raimundo Silva, 50 anos, começou no ofício aos 14, sob a sombra de um juazeiro ao lado da casa de sua família, não imaginava que seu hobby lhe renderia toda uma história forjada pela profissão. Porém, em 2024, três décadas e meia depois, o garoto da zona rural de Monte Santo, no Norte e Agreste Baiano, é proprietário e fundador da Barbearia Executive, localizada no Bairro Brasil, em Vitória da Conquista, e em funcionamento desde 2012.

O barbeiro Raimundo Silva, em um de seus locais de trabalho. Foto: arquivo pessoal / Instagram.

Hoje, um homem de barba grisalha e voz grave de locutor, Silva está inserido em um ramo denominado “mercado da beleza”, que, de acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), representa cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Além disso, uma pesquisa da empresa de consultoria McKinsey Global Institute prevê que, até o ano de 2027, esse mercado deverá chegar a US$ 580 bilhões.

No Brasil, de acordo com números da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), o nicho da estética emprega atualmente cerca de 480 mil profissionais de maneira direta ou indireta e cresceu 567% nos últimos cinco anos. Dados da Euromonitor International também mostram que o país é o 4º maior mercado de beleza e cuidados pessoais no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Japão.

Pequenos negócios

A barbearia de Raimundo faz parte do que o Sebrae classifica como “pequeno negócio”, um tipo de empreendimento que corresponde a 95% das empresas formais do país, contribui com 30% do PIB e impacta direta ou indiretamente 47% da população. Segundo a mesma instituição, os pequenos negócios foram responsáveis por gerar 80,1% dos empregos em 2023.

O professor da Uesb e Doutor em Administração pela Ufba Fábio Vinicius Bergamo em sua foto de perfil da rede social LinkedIn. Foto: arquivo pessoal / LinkedIn.

“O modelo econômico não se sustenta apenas com os grandes negócios, nem com os negócios estatais. Você precisa do pequeno produtor, aquele dono da padaria, da borracharia, da pequena indústria…”, explica o professor da Uesb e doutor em Administração pela Ufba, Fábio Vinicius Bergamo. Ele acrescenta que o país tem passado por uma grande movimentação de desenvolvimento rumo a uma economia de serviços, e que a maior parte dos prestadores são pequenos negócios.

Bergamo afirma que uma região economicamente forte precisa ter empreendimentos desse tipo bem distribuídos e desenvolvidos. Ele também ressalta que essa presença dá sustentação à economia local e é um termômetro de que a região tem um desenvolvimento econômico ativo, vivo e intenso. “Uma grande empresa, uma grande rede, muitas vezes não vai querer montar uma padaria no seu bairro. A padaria do bairro, quem faz é o pequeno empresário, esse dono de pequeno negócio.”

O mercado da estética masculina

O programador e web designer John Aguiar, 29 anos, é um homem dedicado aos seus cuidados pessoais. “Costumo lavar o rosto duas vezes por dia com sabonete facial e usar um hidratante. Também não fico sem protetor solar e um creme para a barba e o cabelo.” Morador do bairro Candeias, o jovem é frequentador assíduo da academia e de sessões de limpeza de pele, além de ser fã do skincare diário e dos shampoos e condicionadores Siàge e Robson Peluquero.

O programador e web designer John Aguiar, em um ensaio fotográfico. Foto: arquivo pessoal / Instagram.

John costuma ir à barbearia de 3 a 4 vezes por mês, pois é muito metódico quando se trata de sua barba, cabelo e sobrancelhas. “Eu acredito que o mercado da beleza tem evoluído muito, trazendo abordagens mais inclusivas e acessíveis. E isso também vem abrindo a mente dos homens a quererem se cuidar mais”, comenta. Informações da Associação Brasileira de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) indicam que o Brasil é o segundo maior mercado de beleza masculina no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. 

Em um estudo desenvolvido entre os anos de 2017 e 2020, a Grand View Research fez uma previsão de que esse nicho crescerá cerca de 9,1% ao ano até 2030, e o avaliou em US$ 30,8 bilhões em 2021. Também, conforme aponta a Associação Brasileira de Clínicas e Spas (ABC-Spas), os homens já representam 30% dos clientes das clínicas de estética no país.

Homem da roça

Natural de Minas Gerais e residente em Vitória da Conquista há cinco anos, o estudante de Técnico em Administração Rone Almeida, 24 anos, compartilha sua experiência. Homem da roça, apaixonado pela lida no campo e amante das cavalgadas, ele relata que tem observado transformações na maneira como os rapazes do meio rural enxergam os cuidados com a aparência e o corpo.

O estudante de Técnico em Administração Rone Almeida (24) em uma festa de cavalgada. Foto: arquivo pessoal / Instagram.

“Atualmente, nós homens estamos nos cuidando muito mais. Às vezes, até mais que as mulheres. Eu me tiro por mim próprio. Na minha fase de adolescência, era muito desleixado. Hoje em dia, percebo que os meus amigos também se cuidam bastante.”

Rone destaca, por exemplo, que os trabalhadores rurais não possuíam o costume de proteger-se do sol nem usar protetor solar. Nos dias atuais, porém, é comum observar essa preocupação, além de perceptível que o homem do campo consome cada vez mais cosméticos e itens de perfumaria.

Falando um pouco mais sobre sua vivência pessoal, ele relata que gosta de dar atenção especial aos seus cabelos, barba e sobrancelhas. Sempre se encarrega de aparar ou eliminar os pelos do corpo, pois não se sente confortável com a presença deles.

Também compartilha sua pretensão de graduar-se em Direito e tornar-se perito criminal, destacando que esses objetivos o motivam ainda mais a cuidar de sua aparência. “Quando nos cuidamos, as pessoas nos enxergam e tratam melhor. Até porque julgam muito a aparência física. Se estamos mal vestidos, mal cuidados, elas costumam ser desnecessárias, seja com pensamentos, conversas ou atitudes. Olham para nós com desprezo, em vez de um olhar receptivo”, reflete.

Esteticista e cosmetóloga

A esteticista e cosmetóloga Lila Barreto, 47 anos, criadora e proprietária de uma clínica de estética que leva seu nome, afirma que, dentro deste meio, a mudança na visão e comportamento do público masculino em relação aos cuidados com o corpo é ainda mais notável. “Os procedimentos estéticos para homens geralmente eram marcados por mães, irmãs, namoradas e esposas; hoje, porém, são eles que buscam por conta própria. Seja uma massagem, uma eliminação de uma ruga, um botox, uma limpeza de pele, etc.”

A esteticista e cosmetóloga Lila Barreto, em um ensaio fotográfico. Foto: arquivo pessoal / Instagram.

Graduada em Estética e Cosmética e Especialista em Atenção Dermatológica com ênfase em estética e cosmetologia pela Faculdade Independente do Nordeste (Fainor), além de Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), a empresária, professora e palestrante procura combater os estereótipos relacionados à sua área.

“A estética, muito diferente do que se vê em muitas redes sociais, é saúde, principalmente saúde mental. Não é sobre passar um creme ou adotar uma medida de acordo com um padrão que alguém imagina que precisa seguir”, argumenta. Ela observa que os homens começaram a perceber isso e que hoje veem as sessões na clínica como um momento deles. “Não é só marcar um horário na agenda e se cuidar, mas um bem que está sendo feito para o corpo deles. Então essa consciência tem sido crescente.”

Lila enfatiza que, em estética e cosmetologia, ter embasamento científico é fundamental. “É preciso trabalhar de forma assertiva, tanto na parte da cosmetologia quanto da prática clínica; estar sempre estudando, lendo artigos científicos, consultando fontes seguras…”. Destaca ainda as constantes mudanças e evoluções na área, e a necessidade de tentar garantir que os procedimentos feitos sejam seguros e tragam o melhor resultado para o cliente.

Cinza e amarelo

Quem chega à Barbearia Executive talvez não imagine que, por trás do ambiente acolhedor em tons de cinza e amarelo, existe toda uma história de fins e recomeços, rupturas e reconstruções. Após ter participado de 40 cursos na área e contribuído para montar e gerenciar sete estabelecimentos similares, Raimundo Silva compreende que, sem boas pessoas ao redor e uma busca constante por capacitação, um empreendedor não é ninguém.

Professor do ofício da barbearia — com mais de 400 profissionais da área capacitados por ele —, Silva não esconde de ninguém que, em todos os seus empreendimentos, investiu com sua força de trabalho, por não possuir dinheiro suficiente para iniciar as operações. Mas se faltavam recursos financeiros, há algo que o barbeiro parece nunca ter perdido: a confiança das pessoas que o conhecem e reconhecem seu trabalho.

Barbearia de Raimundo vista por dentro. Foto: Google Maps.

Quando não acreditou no seu potencial, elas o ajudaram financeiramente de maneira espontânea, e possibilitaram que ele continuasse exercendo o ofício que ama e que sabe fazer de melhor. “Meu orgulho de ser barbeiro, não é sobre conquistar dinheiro e bens materiais, é sobre realizar o sonho que ficou dentro da mente da minha falecida mãe e do meu pai”, relata. “Toda vez que a barbearia abre as portas de manhã cedo, é a essência mais gostosa que eu tenho. Eu sinto que o meu pulmão respirou aquilo que eu amo fazer, que paga minhas contas e me dá a alegria de ter me encontrado.”

Após 12 anos como dono e gerente de seu próprio negócio, Raimundo observa que o público das barbearias mudou, e os estabelecimentos também. “É um público mais ousado, mais exigente, que paga um preço e não reclama. Por isso nós temos uma infinidade de atividades para os nossos clientes se divertirem. Eles vêm aqui não só para cortar o cabelo, mas para bater um papo e até tomar uma água”, comenta.

Ele acrescenta que, para proporcionar uma experiência completa e agradável ao cliente, além de um tratamento humanizado, sua barbearia oferece uma ampla variedade de produtos para cabelo, que vão desde shampoos e condicionadores até pomadas modeladoras. “É um privilégio tanto para ele quanto para mim, que quero melhorar meu teto salarial, valorizar meus funcionários. Às vezes, deixando de cortar um cabelo a mais tarde da noite, porque eu já vendi os produtos, então valeu a pena.”

Cabelos black

Natural do município de Brumado, o estudante de Ciências da Computação Lailson Santana (24) afirma ser muito cuidadoso quando se trata de seu cabelo black, uma maneira de expressar identidade e autoafirmação. “Manter esse estilo não é uma tarefa muito fácil. Normalmente, quando eu durmo, meu cabelo acaba ficando de uma forma que é um pouco bagunçada pela manhã”, expõe.

O estudante de Ciências da Computação Lailson Santana, em um muro com grafite em Vitória da Conquista. Foto: arquivo pessoal / Instagram.

“Então eu penteio com creme todos os dias. Existe um pouco de dificuldade para ficar da forma que eu quero, e normalmente costumo lavar de duas a três vezes por semana. Esses são os cuidados que tenho e, de vez em quando, aparo uma ponta ou outra.”

Sobre o mercado de estética voltado para o público masculino, ele acredita que existem muitos pontos e mercados a serem explorados e desenvolvidos. “Acho que falando especificamente sobre minha necessidade, seria algo que facilitasse o processo de cachear ou arrumar, porque acaba demorando um pouco.”

Sobre as pessoas com estilo black e outros públicos da barbearia que talvez não recebam a devida atenção do mercado e dos profissionais, Raimundo Silva enfatiza a importância do respeito e da sensibilidade. “Nunca ofereci um produto para alisar o cabelo de quem tem estilo black. Eu ofereço o corte que o cliente me pede. Se ele quer, a gente tem, a gente oferece; mas se ele chega e fala: ‘irmão, eu já rodei a cidade inteira e as pessoas não conseguem fazer com que meu cabelo fique black 100%’, eu vou trabalhar para garantir que a experiência na minha barbearia seja diferente.”

Mulher preta empreendedora

Lila recorda ter iniciado na área da estética aos 12 anos de idade, trabalhando como manicure e atendendo clientes tanto em domicílio quanto em sua própria casa. Aos 17 anos, começou a trabalhar em uma loja que vendia produtos de estética, onde teve a oportunidade de aprender a fazer design de sobrancelhas, depilação, massagem relaxante, limpeza de pele e outros serviços.

Ao longo dos sete anos em que esteve no estabelecimento, a jovem fez vários cursos livres e de fim de semana. Depois de ter deixado o lugar e morado por um ano e meio em Eunápolis, no Sul da Bahia, chegou a Vitória da Conquista em 2007 e não teve dúvidas em continuar a trabalhar com o que amava.

“Eu pensei: ‘Vou trabalhar onde? No comércio? Já tenho uma profissão’. Para mim, eu já tinha uma profissão. Então continuei, na minha casa mesmo e, até hoje, nunca deixei a área da estética”. Atualmente com uma equipe de seis pessoas e atendendo no bairro Candeias — área “nobre” da cidade —, ela enfatiza a necessidade de o empreendedor estar sempre planejando e buscar suporte nas áreas jurídica, contábil e administrativa.

“Eu não sabia quase nada na parte de gestão, nesse assunto de empreendedorismo, então tive que buscar. Por isso fui para lugares como o Sebrae, o Senac e o IEL, além de assistir a palestras e participar de grupos de mulheres empreendedoras. A verdade é que fui me permitindo, pois empreender é uma via de mão dupla, onde o conhecimento, a gestão e a disponibilidade em aprender precisam andar juntas.”

Barreto ressalta que seu início na área dos cuidados com a aparência foi em 1999. No entanto, por falta de conhecimento, somente em 2016 descobriu que poderia ter acesso a um recurso financeiro que a ajudasse a expandir seu negócio. “Eu fiquei sabendo que poderia ter uma conta no banco e que, com o tempo de movimentação, essa conta poderia me dar um crédito. Então, olha como é o conhecimento, como o acesso ao conhecimento abre portas.”

Ela explica que recebeu orientação do Sebrae para visitar a cooperativa de crédito Sicoob. Uma gerente foi à sua casa para lhe dar a oportunidade de mostrar o que tinha e dizer o que precisava para crescer. “Eu já estava crescendo, mesmo trabalhando sozinha, e ela viu que tinha potencial para crescer ainda mais”. A esteticista também faz uma reflexão de que, se tivesse tido acesso a essas informações desde o início de sua jornada, talvez sua clínica estivesse maior e ela tivesse errado menos.

Lila conta que não sabia, por exemplo, como planejar ações e descontos e precificar seus produtos e serviços. “Eu fazia como achava que deveria ser feito, cobrava o que imaginava que era um valor justo. Não sabia quanto o valor do aluguel, da luz, da água, da internet, do mimo, do cafezinho, etc. tinha que estar embutido no preço final. Então eu paguei para trabalhar por muitos anos e sem fazer ideia.”

Planos para o futuro

Guiada pela palavra “planejamento”, a cosmetóloga fala sobre um projeto que é fruto de uma dor pessoal: o lançamento de uma linha de produtos específicos para a pele preta. “Por ser uma mulher preta, essa demanda específica é uma dor minha. E é assim que eu quero ser lembrada no mundo: uma empresária preta que entendeu que tocar em vidas por meio da estética é possível, e que sua missão na terra é mudar vidas por meio dela.”

Raimundo, por outro lado, cria ideias com base em uma de suas maiores alegrias: dos seus mais de 400 alunos formados, oito são mulheres. “Sobre a aceitação das mulheres no ofício da barbearia, não importa a idade ou o gênero, é apenas uma questão de você ter o perfil de atendimento”, opina. “Acho até que elas são mais dedicadas que os homens e, por isso, essa inserção tende a crescer nos próximos anos. Hoje já há, inclusive, uma legião de meninas querendo fazer curso de barbearia. Por isso, penso em lançar no futuro uma unidade da Executive em que o atendimento seja feito exclusivamente por mulheres. Tenho certeza que vai ser um sucesso.”

Ele conta ainda que está preparando a estreia de um podcast no qual entrevistará barbeiros jovens que estão começando e barbeiros que desistiram do ofício por não terem conseguido se estabelecer. “Os sonhos são para serem colocados em prática. Se você tem um sonho, não guarde em uma gaveta, coloque em prática. Se você não colocar em prática, alguém vai roubar de você e fazer isso, enquanto você vai se arrepender e ficar se perguntando por que não tentou.”

Imagem em destaque: FreePik

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