Estudantes das universidades estaduais baianas reivindicam reformulação do Mais Futuro

De acordo com o movimento estudantil, o programa de assistência aprovado durante o governo Rui Costa não é suficiente para garantir a permanência no ensino superior. Desde 2017, os valores do auxílio não são reajustados. 20 de julho de 2023 Maiara Pinheiro
Com o primeiro edital lançado em 2017, o “Mais Futuro”, programa de assistência estudantil criado pelo Governo do Estado da Bahia, tem como objetivo garantir a permanência dos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica nas universidades públicas estaduais (UNEB, UEFS, UESB e UESB). Porém, sem reajuste há mais de seis anos, os valores das bolsas têm sido insuficientes para auxiliar alunos que ingressam no ensino superior. Nas instituições baianas, grupos integrantes do movimento estudantil reivindicam a reformulação do programa, aprovado em 2015, durante o governo Rui Costa (PT).

Vinculado ao Programa Estadual de Permanência Estudantil (PPE), o “Mais Futuro” foi aprovado na Assembleia Legislativa da Bahia, em 11 de dezembro de 2015, durante uma votação marcada por repressão e violência da Polícia Militar (PM-BA) contra estudantes e professores. Na época, os grupos protestaram contra a aprovação do Projeto de Lei (PL) na forma como foi apresentado pelo governo estadual. Segundo o movimento estudantil, a proposta não foi construída em diálogo com os discentes e não havia nada no PL que atendesse às reais demandas dos alunos.

Desde 2017, por meio do programa, são oferecidos estágio e auxílio financeiro, este no valor de R$300 (perfil básico) ou R$600 (perfil moradia) mensais. A primeira quantia é destinada a universitários que estudam a até 100 quilômetros da sua cidade de origem. Já o segundo recurso é transferido para aqueles que moram em cidades a mais de 100 quilômetros de distância do campus onde estão matriculados. O estudante inscrito recebe o auxílio desde o primeiro semestre até completar dois terços do curso.

Para Rafael Portugal, aluno de História da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e militante da União da Juventude Comunista (UJC), a reformulação do “Mais Futuro” é urgente. Em conjunto com o movimento docente, os estudantes exigem a criação de uma política de permanência que atenda verdadeiramente às necessidades dos discentes, envolvendo não apenas bolsas, mas também residências e restaurantes universitários de qualidade.

“Para tornar essa reivindicação uma realidade, a UJC tem se engajado na defesa da destinação de 7% da Receita Líquida de Impostos (RLI) do Estado para as universidades estaduais, sendo 1% exclusivamente para a permanência estudantil”, explicou Rafael. Além disso, em entrevista ao Conquista Repórter, ele destacou os principais problemas que demonstram a falta de efetividade do programa.

De acordo com o estudante, um dos pontos centrais é a retirada da autonomia das quatro Universidades Estaduais da Bahia (UEBAs) na gestão dos recursos destinados à permanência estudantil. “A centralização dessa política em um único programa desconsidera as distintas realidades de cada instituição, ignorando as especificidades socioeconômicas de um estado tão vasto como a Bahia”, afirmou.

Outra questão destacada por Rafael é o caráter meritocrático do programa, que estabelece critérios de exclusão com base no desempenho acadêmico dos estudantes. O item 13 do edital do “Mais Futuro” prevê o cancelamento do auxílio, caso o aluno seja reprovado em mais de duas disciplinas. Além disso, a falta de regularidade no lançamento dos editais prejudica a permanência dos estudantes que dependem da bolsa para continuar seus estudos, tornando-os mais vulneráveis a evasão.

Partiu Estágio

Após completar dois terços do curso na universidade, o estudante não pode mais receber o auxílio do “Mais Futuro”. A pessoa deve iniciar um estágio, tendo prioridade para ingressar em vagas de nível superior ofertadas por órgãos e secretarias do Governo do Estado, por meio do Programa Partiu Estágio. Essa migração é mais uma das críticas do movimento estudantil ao projeto de assistência.

“A permanência deveria abranger todo o período da graduação e não restringir a ajuda financeira a uma porcentagem específica do curso. Além disso, os estágios, muitas vezes, não estão relacionados com a formação dos estudantes, tornando-os trabalhos precários que pouco contribuem para a sua formação acadêmica”, ressaltou Rafael Portugal.

O reajuste dos valores das bolsas é outro ponto crítico do programa que precisa ser reavaliado. Para Aline Dourado, integrante do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UESB, campus de Vitória da Conquista, “é indispensável reajustar o auxílio e lutar pela reestruturação do Mais Futuro”.

Entre as pautas defendidas pelo DCE estão a desburocratização e democratização do programa para que todos os estudantes da classe trabalhadora tenham acesso garantido, além da ampliação do número de parcelas de 10 para 12, a fim de contemplar os discentes durante todo o ano, em ambos os perfis.

O novo edital, publicado em 30 de junho, prevê o auxílio-permanência no valor de R$300 ao longo de 11 meses, e a bolsa de R$600 durante 12 meses. As inscrições vão até 25 de agosto.

Urgência de reajuste

Graduando em Biologia na UESB, Nadson Oliveira sente na pele a dificuldade de sobreviver com os R$600 mensais oferecidos através do perfil moradia. Desde 2019, o auxílio que recebe não tem sido suficiente para cobrir integralmente o pagamento do seu aluguel, além de outras despesas essenciais, como água, alimentação, energia, internet e passes para o transporte público.

Essa realidade tem um impacto direto em seu desempenho acadêmico. Ele se vê constantemente buscando oportunidades de bolsas de monitoria, iniciação científica ou extensão para suprir a necessidade financeira. Como consequência, a participação em atividades extracurriculares consome tempo e o impossibilita de cursar todas as disciplinas ofertadas ao longo dos semestres.

Quem também defende a necessidade do reajuste dos valores do “Mais Futuro” é Iure Brito, estudante de Jornalismo na UESB, campus de Vitória da Conquista. Ele é natural de Barra do Choça, a 30km do município onde está a universidade, e faz parte do grupo de beneficiários do perfil básico (R$300).

“O aumento dos preços dos alimentos e de moradia não foi acompanhado por um reajuste proporcional no auxílio e ainda tem a questão de que não recebo a bolsa todos os meses, mas as contas sempre chegam”, contou Iure. O aluno do curso de Biologia, Nadson, também relatou ter sido surpreendido com a suspensão repentina do benefício no primeiro semestre deste ano. “Quando fui sacar o dinheiro para pagar o aluguel, a conta estava zerada. Fiquei sem receber por 4 meses até que fosse convocado para atuar como estagiário em um laboratório”, disse.

Defasagem nos valores

Considerando o primeiro edital do “Mais Futuro”, publicado em 7 de março de 2017, o economista e professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Marcos Tavares, analisou a necessidade de atualização dos valores de ambos os perfis do programa (básico e moradia).

De acordo com o especialista, levando em conta a inflação acumulada entre março de 2017 e maio de 2023, que alcança 38,6%, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), o recurso para o perfil básico (R$300) deveria ser ajustado para R$415,74. Já para o perfil moradia (R$600), o valor corrigido seria de R$831,48.

“É importante destacar que essa correção foi calculada com base no índice geral de preços (IPCA). No entanto, a inflação para a população de baixa renda tem sido superior a porcentagem apresentada pelo IPCA ou pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor)”, explicou Marcos.

Além disso, para o economista, é um grande equívoco quando um governo, que se posiciona como progressista, deixa de corrigir os valores das bolsas, auxílios e salários de seus programas. “A falta de correção inflacionária abre espaço para ações populistas de governos de ultradireita, que podem utilizar medidas sem propósitos estruturantes, visando apenas interesses eleitorais. A história nos mostra os risco s decorrentes dessas lacunas que permitiram o avanço do fascismo”, complementou.

Falta de diálogo

Desde a gestão Rui Costa (PT), o diálogo entre o Governo da Bahia e as entidades de classe, incluindo o movimento estudantil, tem sido inexistente. É o que aponta Rafael Portugal, militante da União da Juventude Comunista (UJC) desde 2020. “Diante desse cenário, a única alternativa é chamar a atenção dos estudantes para os problemas e buscar mobilizá-los em torno de pautas como a permanência estudantil, a fim de exercer uma pressão significativa na busca de abrir o diálogo”, disse.

Conquista repórter solicitou, via email, esclarecimentos sobre as queixas dos entrevistados em relação ao Programa Mais Futuro à Secretaria de Educação do Governo da Bahia, no dia 12 de julho, mas até o fechamento desta edição, não foram obtidas respostas.

A reportagem também entrou em contanto com a Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, Permanência e Assistência Estudantil (Proapa) da UESB, que respondeu aos questionamentos por meio de nota. Leia o documento na íntegra:

A Uesb informa que o Programa Mais Futuro é regido pela Lei estadual nº 13.458, de 11 de dezembro de 2015; pelo Decreto nº 17.191, de 16 de novembro de 2016; e pela Lei nº 14.360, de 1º de setembro de 2021 (reformulação e aprimoramentos da lei anterior). Deste modo, ainda que haja parceria entre as Universidades Estaduais para realização da política, o Governo do Estado da Bahia, por meio da Secretaria de Educação, é quem delibera sobre os reajustes e outras especificações legais.

Quanto ao trabalho de diálogo em torno da iniciativa e, consequentemente, da garantia da Assistência Estudantil na Bahia, a Uesb, por meio da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, Permanência e Assistência Estudantil (Proapa), integra o Fórum de Pró-Reitorias de Ações Afirmativas e Permanência Estudantil das Universidades Estaduais da Bahia (UEBAs), junto à Uesc, Uneb e Uefs.

Reportagem republicada da Conquista Repórter.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *