Estudantes denunciam insegurança alimentar na Uesb

Universitários se queixam da falta de acesso à alimentação de qualidade com preço adequado à realidade financeira estudantil. 29 de julho de 2024 Lays Macedo e Karina Costa / Conquista Repórter

Há poucas semanas para o início do segundo semestre letivo de 2024, estudantes da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), em Vitória da Conquista, já estão apreensivos com relação a um problema recorrente na instituição: o acesso e as condições de funcionamento do Restaurante Universitário (RU) do campus. O preço alto do quilo, a dificuldade para acessar a assistência estudantil e a falta de organização da logística do serviço são fatores que têm levado discentes à situação de insegurança alimentar.

“Existem alunos que vão em ‘página de fofoca’ da universidade pedir cestas básicas porque não estão se alimentando adequadamente”, destaca Felipe Souza Bonfim, estudante do curso de Ciências Sociais da Uesb. No perfil intitulado @segredosuesbvca, no Instagram, uma publicação feita no dia 22 de maio deste ano mostra o desabafo de um discente. “Estou com muita vergonha de vir aqui pedir isso, mas estou passando necessidade em casa, não tenho mais o que comer”, diz o relato.

O depoimento anônimo narra o caso de uma pessoa que saiu de sua cidade natal para estudar na Uesb. Ela sonha em se tornar o primeiro membro da família a concluir o ensino superior. Mas barreiras como o acesso à alimentação adequada a fazem pensar em desistir. Mesmo com o auxílio estudantil, ela não tem conseguido se alimentar e arcar com despesas como aluguel, transporte e luz elétrica.

Diante de um cenário em que o custo de vida é alto para garantir necessidades básicas, um RU com preços elevados e burocracias que dificultam o acesso ao equipamento pode contribuir para a evasão universitária. “O RU tem que cumprir uma função social, que é alimentar os estudantes com qualidade. A Uesb é uma instituição pública”, afirma Lívia Arcanjo, discente do curso de Ciências Sociais e representante do Diretório Central dos Estudantes (DCE) – Gestão Maria Felipa.

Preços altos e burocracia

Para ter acesso ao Restaurante Universitário (RU), no horário do almoço, todos os estudantes podem pagar pelo serviço por meio da modalidade de preço por quilo, que atualmente custa R$39,96, no campus de Vitória da Conquista. Já no café da manhã e jantar, os itens possuem diferentes valores por unidade. No caso dos alunos cadastrados no Programa de Assistência Estudantil (Prae), o auxílio dá direito a duas refeições por dia pelo valor de R$2,00 cada.

Outra modalidade para utilização do RU é chamada de “Ação de Apoio Alimentar”. Por meio do recurso, discentes matriculados nos cursos de graduação que não são habilitados ao Prae têm um desconto de 50% em até duas refeições diárias. Os alunos devem se cadastrar através de um formulário online disponibilizado pela Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, Permanência e Assistência Estudantil (Proapa).

Mas apesar dos auxílios, nem todos os estudantes conseguem acessá-los, principalmente por questões burocráticas. E quando não é possível a habilitação ao Prae ou o cadastro na ação de apoio alimentar, a única opção que resta é o quilo. “Essa vira a única alternativa, mas é impraticável. Quase 40 reais é um valor comercial, como se a Uesb fosse um grande shopping e o RU fosse uma das várias opções de restaurante na praça de alimentação”, ressalta Lívia Arcanjo.

No dia 30 de abril deste ano, o DCE – Gestão Maria Felipa realizou um ato em repúdio ao alto custo do quilo no RU da Uesb, campus de Vitória da Conquista. Na ocasião, foi oferecida feijoada por R$1,00 aos estudantes. Fotos: Rafael Brandão/Bruno Kazumi.

O estudante de Economia, Luiz Felipe de Oliveira, é uma das pessoas que não conseguiu acesso ao Prae, que só tem edital de habilitação lançado uma vez por ano. Atualmente, ele faz parte do grupo de alunos cadastrados na ação de apoio alimentar. “É muita dificuldade para conseguir o auxílio e a gente precisa de uma estrutura para permanecer na universidade. Existem muitas pessoas que, assim como eu, saem de outras cidades e se deparam com essa situação de insegurança alimentar”, denuncia.

A insegurança alimentar moderada acontece quando uma pessoa tem dificuldade para obter alimentos, seja por falta de acesso a recursos ou queda na renda. Essa é a definição de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). É isso que tem acontecido com estudantes da Uesb, como Eduardo Gomes, discente de Psicologia. Ele também não conseguiu se habilitar ao Prae, e mesmo com o apoio de 50% de desconto, o valor do quilo é alto para o seu orçamento.

“Eu tenho que regrar muito bem o que vou colocar no prato por conta do valor do peso, então a qualidade da minha alimentação diária cai. Se eu me alimentar bem, eu pago muito, e aí eu não teria dinheiro para pagar meu aluguel, por exemplo”, aponta Eduardo. Ele, assim como outros alunos da Uesb, questiona o fato do edital para habilitação ao Prae ser aberto apenas uma vez por ano.

“Não são abertos editais do Prae com a frequência necessária. Então, o que acontece é que a maioria dos estudantes têm que pagar um valor alto, que mesmo com desconto de 50% ainda fica fora da realidade econômica de universitários. Diante disso, o acesso à refeição tem sido cada vez mais cerceado”, pontua o discente Felipe Souza Bonfim.

Comida insuficiente

Não é apenas a dificuldade de acesso ao Prae e ao desconto de 50% que tem cerceado o acesso de estudantes à alimentação. Segundo alunos, o próprio RU não oferece a quantidade de comida necessária para atender quem busca o local diariamente. Atualmente, a empresa responsável pela gestão do restaurante da Uesb, no campus de Vitória da Conquista, é a 2G2M, contratada através de processo licitatório para o fornecimento de café da manhã, almoço e jantar.

“A empresa responsável está há um ano dentro da Uesb e não consegue fazer uma estimativa segura de quantas pessoas almoçam lá todos os dias. Há momentos em que a comida acaba antes de todos serem servidos”, conta Iasmin Andrade, membro do Centro Acadêmico do curso de História.

A falta de uma logística para estimar a produção diária de refeições é evidenciada pela ferramenta escolhida pela empresa para essa contagem. Em um grupo de WhatsApp, são abertas enquetes nas quais os alunos devem sinalizar se irão ou não comparecer ao RU naquele dia. Discentes denunciam que nem todas as pessoas que buscam o restaurante fazem parte do grupo, o que torna a ferramenta ineficiente.

O receio de não conseguir a alimentação leva muitos alunos a saírem das aulas antes do fim e enfrentarem longas filas, especialmente nos horários de almoço. Sem estrutura adequada, os estudantes esperam debaixo de sol ou de chuva. À noite, quando o RU deveria funcionar até as 20h, isso nem sempre acontece. “Eu sou estudante do noturno e a Uesb não oferece muita estrutura aos alunos deste horário. As pessoas passam o dia trabalhando e, quando chegam na universidade, antes do início das aulas às 19h, já não encontram mais comida ou o restaurante está fechado”, desabafa Iasmin.

Pronunciamento da Uesb

O Conquista Repórter solicitou esclarecimentos da Uesb diante das queixas apresentadas pelos estudantes. Em nota, enviada via e-mail, a universidade destacou a escassez de recursos como desafio para o “direcionamento adequado ao grupo social que realmente necessita desta intervenção assistencial”. A instituição afirmou ainda que não é possível abrir o edital do Prae mais de uma vez por ano, por se tratar de “um trabalho intenso e cuidadoso, envolvendo sistemas, dezenas de servidores, análise de dados e vasta documentação para evitar fraude”. 

A autarquia também destacou os auxílios já oferecidos pela instituição, como o Prae e o Apoio Alimentar, e ressaltou que “quando há entrada após o cadastro, o Colegiado informa à Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, Permanência e Assistência Estudantil (Proapa), que, excepcionalmente, reabre o cadastro para receber essas pessoas, para que nenhum aluno fique excluído do desconto”. Entretanto, discentes relatam que, na prática, o acesso ao benefício é impedido depois do período da matrícula regular.

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