Gestão 2019 a 2021 do Conselho Municipal de Cultura encerra trabalhos com saldo positivo de ações
Incorporaram um servidor da Prefeitura como conselheiro via voto direito, trabalharam pelo Fundo Municipal de Cultura, tombaram um terreiro de candomblé, organizaram os dados do setor cultural e discutiram o uso do espaço público 1 de setembro de 2021 Raquel RochaMaris Stella Schiavo, Vinícius Gil Ferreira da Silva, mais conhecido como Purki, e Afonso Silvestre estiveram à frente da gestão do Conselho Municipal de Cultura (CMC) entre 2019 e 2021. Nesse período, enquanto revezaram as cadeiras administrativas do órgão municipal, realizaram uma gestão pioneira. Conseguiram incorporar pela primeira vez um servidor da Prefeitura como conselheiro por meio da votação da sociedade civil, trabalharam pela regulamentação do Fundo Municipal de Cultura, realizaram o primeiro tombamento de um terreiro de candomblé, organizaram de um banco de dados do setor cultural da cidade e, também, discutiram o uso do espaço público pelo artista Allan Kardec, responsável pelo “Covidão” da Avenida Olívia Flores.
“O que fica para a cidade dessa gestão do Conselho é esse esforço de cidadania, principalmente, dentro desse momento específico do Brasil, em que a democracia corre um risco absurdo. O que o nosso Conselho conseguiu produzir foi, de forma produtiva e pedagógica, de que a democracia é necessária, pertinente e a sociedade civil precisa abraçar esse espaço que criamos”, destaca a ex-conselheira Maristela Schiavo.
A tríade mais Danilo Bittencourt, secretário do CMC, oficializaram o encerramento da gestão no dia 2 de agosto de 2021, em uma solenidade no auditório da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), subseção de Vitória da Conquista. Na ocasião, eles apresentaram um relatório de mais de 85 páginas com todas as atividades desenvolvidas durante o último biênio. O documento é um memorial do mandato, que apresenta o que foi produzido ao longo da gestão e as análises das questões debatidas no no órgão municipal.
De acordo com Silvestre, a iniciativa de registro da memória do mandato é inédita e necessária. “Uma ação que deverá ser replicada pelas próximas gestões. Põe em evidência a seriedade e o caráter técnico e pedagógico da gestão, além de ser uma referência relativamente rica para os próximos conselheiros”.
Schiavo, Purki e Silvestre foram eleitos conselheiros no Fórum Municipal de Cultura de 25 de maio de 2019. No processo eleitoral, como está no regulamento, foram eleitos dois representantes da sociedade civil para cada uma das cinco cadeiras temáticas do órgão – artes visuais, audiovisual, culturas digitais, design e moda. Já começou aí o diferencial. Silvestre, que é servidor municipal, foi eleito com o voto popular para conselheiro. Até então, os funcionários públicos só eram conselheiros por meio de indicação diretamente da Sectel (Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esporte) ou do próprio prefeito, que tem direito a três vagas. A Câmara de Vereadores, também um poder do âmbito municipal, tem garantido duas cadeiras por indicação. No total, são 20 conselheiros, entre titulares e suplentes. No entanto, essa votação ampliou e garantiu o direito dos servidores públicos da Prefeitura de atuarem como conselheiros de forma independente, caso sejam eleitos pelo voto popular. Essa mudança foi possível graças à interpretação e interferência da procuradora do município Joana Figueiredo.
A procuradora apresentou comprovou que era possível a um servidor público ser representante da sociedade civil. “Existia uma dificuldade de compreensão conceitual por parte do governo anterior, que não compreendia a diferença entre a municipalidade e o governo. Eu não pertenço ao governo, sou funcionário do município. Eu estava sendo tratado como se eu fosse cargo comissionádo”, disse Silvestre.
Após essa eleição, na primeira reunião ordinária do CMC, houve a escolha da mesa diretora do órgão, que na época os eleitos foram Maris Stella Schiavo como presidente, Armênio Souza Santos, vice-presidente, e Márcia Oliveira, secretária. A posse foi feita pelo então prefeito, Herzem Gusmão, por meio de um decreto publicado no diário oficial do município. Nesse primeiro momento, Schiavo esteve à frente do órgão, com a realização de uma ordinária mensal.
No entanto, no dia 21 de maio de 2020, ocorreu a desincompatibilização da presidenta do CMC, Schiavo, e do vice-presidente Armênio Souza, para que amboa pudessem concorrer às eleições municipais, respectivamente, a prefeita e o vereador. Purki então assumiu a presidência e Silvestre a vice-presidência, e Danilo Bittencourt como secretário, até janeiro de 2021.
Neste período, o CMC precisou adaptar suas reuniões para o modo remoto, transmitidas de forma online, para garantir a participação integral no diálogo com diferentes setores da sociedade civil, a fim de garantir a execução plena dos recursos da lei Aldir Blanc. De acordo com Purki, o cenário causado pela pandemia da covid-19, trouxe novos desafios à gestão do órgão municipal. “Passamos por muitas indefinições no setor cultural durante o ano de 2020 e seguimos ainda assim. Com a pandemia se alargando pelos meses de 2020, e intensificando as restrições, foi desafiador para os artistas que, em muitas linguagens, não têm tanto sincronismo com esta ferramenta, como é o caso do teatro.” O CMC então participou como facilitador da Lei Aldir Blanc, por meio da regulamentação e elaboração do edital, juntamente com a Sectel, para que os artistas locais recebessem um auxílio durante o período de isolamento social, que foram impossibilitados de trabalhar.
Para trabalhar por mais políticas públicas, a gestão também coletou os dados para identificar o perfil dos artistas da cidade, no chamado de Sistema de Indicadores e Informações Culturais. O SIIC é o maior banco de dados culturais do município, contando atualmente com 1.579 artistas cadastrados.
Fundo Municipal de Cultura
A gestão de Purki, além de se preocupar em aumentar a presença nas redes sociais, fazer parcerias com o Conselho Estadual de Cultura e outros agentes culturais, priorizou priorizadas ações que viabilizassem a execução da verba recebida pelo Fundo Municipal de Cultura da Lei Aldir Blanc. Em 2012, quando o músico e cantor, Gilberto Gil, ocupava o cargo de ministro da Cultura do Brasil, houve uma reorganização do Sistema Nacional de Cultura, que passou a exigir que municípios organizassem os seus respectivos sistemas municipais de Cultura, que é apoiado no tripé composto pelo Plano Municipal de Cultura, Fundo Municipal de Cultura e pelo Conselho Municipal de Cultura.
Uma das primeiras ações da gestão foi a regulamentação do FMC, que serve para financiar algumas atividades culturais da cidade. A preocupação era da decisão do uso dos recursos FMC passassem pelo CMC e não tivessem desvio de funcionalidade. “Por exemplo, o dinheiro do FMC não pode mais ser utilizado pela pasta da Saúde. Isso não pode acontecer, já com o orçamento da Sectel pode, que é um orçamento que ninguém entende exatamente quanto tem. Na LOA (Lei Orçamentária Anual), que é votada anualmente, diz que 1,5% do orçamento total da cidade, que em 2020 foi algo estimado em oito milhões. Então, como é que a gente sabe como deve ser gasto esse dinheiro da Sectel? A gente não sabe, porque não tem um Plano Municipal de Cultura”, explica Purki. Até o momento, Conquista conseguiu colocar em funcionamento o CMC e o Fundo Municipal de Cultura.
Um Plano Municipal de Cultura os conselheiros não conseguiram desenvolver . Esse PMC só pode ser votado durante a Conferência Municipal de Cultura, com participação da sociedade civil, já que o CMC não tem o poder de votar sozinho. No entanto, em Conquista, só ocorreram três conferências, que foram realizadas durante o governo do PT, mas a discussão não foi promovida. “Somente com um PMC seria possível cobrar e fiscalizar o uso e a destinação dos recursos da Sectel”, afirma Purki.
A gestão também realizou o primeiro dossiê de tombamento de um terreiro, em Conquista. De acordo com Silvestre, esse foi o primeiro movimento na cidade para um tombamento, seguindo as vias regulares para tombamento. “Normalmente, a cidade usa o decreto e tomba, mas não garante, na prática, a segurança do imóvel. A Casa Memorial Governador Régis Pacheco, por exemplo, foi tombada em 1990, mas, em 2005, quando começou a ser restaurada, estava em ruína.”
Em setembro de 2019, o Conselho deu início ao debate sobre o uso do espaço público para a exposição da galeria do artista plástico, Allan Kardec, especialmente em relação à obra “Covidão”, colocada durante a pandemia na Olívia Flores. Na época, o Avoador fez uma reportagem sobre a questão do artista e suas obras. O “Covidão” foi retirado do espaço público em 9 julho de 2021, juntamente com outras esculturas de sua autoria que haviam sido instaladas pela cidade desde 2015, após inúmeras discussões e questionamentos da sociedade civil e do Conselho feitos à Prefeitura.
Em fevereiro de 2021, Schiavo volta a assumir a presidência do Conselho. Uma das ações importantes do Conselho, nessa retomada, foi o início das discussões a respeito da notificação de remoção dos artesãos e artesãs do Mercado de artesanato, feita pela prefeitura, sem apresentação de nenhum plano de relocamento desses artistas. O coletivo de artesanato enviou a solicitação ao Conselho e, após isso, Schiavo se reuniu com representantes dos vereadores Valdemir(PT) e Xandó (PT), e representante da OAB, para discutir a demanda que ainda está em aberto. Após isso, o Conselho deu início à análise do termo de referência do edital que está em curso, mas o termo revisado não foi publicado.
Aprendizado
Para os artistas e ex- conselheiros de cultura, os anos de gestão aprimoraram seus conhecimentos e habilidades pessoais e políticas. Depois dessa experiência, mesmo afastados da diretoria, dizem que continuarão atuando como ativistas culturais na cidade.
“Eu sempre fui um ativista das políticas de cultura em Vitória da Conquista, há mais de 20 anos, e depois dessa experiência, eu me sinto muito mais qualificado. Eu aprendi muita coisa com essas pessoas, com o Purki, Maris Stella e os outros, coisas, como ser proativo, como agir em meio às adversidades. Foi muito bom. Não farei mais parte do Conselho, mas, com toda certeza, vou voltar um ativista mais forte ainda em prol das políticas de cultura direcionadas à população”, destaca Silvestre.
“Somos fazedores de cultura, e todo gesto que a gente faz no campo da arte é um gesto político. Nós só não estaremos decretados e nomeados, mas estamos nessa luta há décadas, e continuaremos”, enfatiza Purki.
“Nossa ação de ativismo cultural faz parte do nosso modo de ser como pessoa, como indivíduo. As demandas vão chegar para a gente, porque elas sempre chegam, e a gente vai acabar se jogando nelas porque somos assim. A gente acredita muito que Conquista precisa de uma política de cultura, e essa política ainda não existe, está em processo de formação”, defende Schiavo.
Eleição do novo Conselho de Cultura
O Fórum Municipal de Cultura, realizado no dia 19 de agosto, no auditório do Centro Municipal de Atenção Especializada (Cemae), debateu os desafios da cultura pós pandemia e elegeu quatro dos cinco novos membros do Conselho Municipal de Cultura para o próximo biênio.
A mesa de abertura foi composta pela ex-presidente do Conselho, Maris Stella; pelo secretário municipal de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer (Sectel), Eugênio Avelino Lopes (Xangai); e pelo secretário municipal de Educação (Smed), Edgard Larry. Schiavo destacou a importância da participação da sociedade civil na escolha dos novos membros do Conselho.
Foram eleitos para o Eixo 1 – Artes Plásticas e Visuais, Valéria Vidgal (titular) e Jadiel Gonçalves de Oliveira (suplente); para o Eixo 2 – Música, Tales Figueiredo Dourado (titular) e Ricardo Marques (suplente); no Eixo 3 – Artes cênicas, Hendye Gracielle Dias Borem (titular) e Yarle Ramalho (suplente); e para o Eixo 4 – Literaturam, Jeremias Macário (titular) e Armênio Sousa Santos (suplente). Por falta de quorum, a eleição dos representantes para a cadeira de Patrimônio Cultural Material e Imaterial foi então adiada para o dia 25 de agosto.
Na eleição setorial que ocorreu no dia 25 de agosto, para definir os conselheiros para assumir o Eixo 5 – Patrimônio Cultural Material e Imaterial, houve um empate na contagem entre a jornalista Thaís Pimenta e a médica Rosa Aurich. O edital do Fórum prevê a tentativa de acordo entre as partes envolvidas, no entanto, não houve consenso entre Pimenta e Aurich, pois as duas desejam assumir a cadeira de titular.
Por conta dessa indecisão, os representantes da Comissão Eleitoral, que é composta apenas por integrantes da Sectel, se reuniram e optaram por um voto de minerva, no caso, por Rosa Aurich como a titular. Como o edital não garante à Comissão Eleitoral esse voto de minerva e a Lei Municipal assegura que os representantes precisam ser eleitos pela sociedade civil, Pimenta entrou com um pedido de impugnação da eleição na procuradoria geral do município.
De acordo com o ex-conselheiro, Purki, a eleição do Conselho de Cultura tem respaldo constitucional de que seja pela votação da sociedade civil, o que garantiria a participação de maneira democrática. “Se o edital compreende que em caso de empate deve-se convocar uma nova eleição, que seja feito então. Somente dessa forma será garantido um processo ilibado e sem questionamentos de validade.” Ele ressalta ainda o risco de um retrocesso aos tempos em que os “conselhos eram indicações do executivo municipal e que a sua função era anulada pela própria forma que era formado”.