Incidência de picadas de escorpião em Conquista assusta moradores

O veneno do aracnídeo é perigoso, mas não é mortal para a maior parte das pessoas 5 de julho de 2019 Brenda Tomáz Xavier, Fabiana Amorim, Péricles da Costa Lima, Talita Dias e Tamires Tavares

Leonardo Estrela Bezerra, 31 anos, e Victor Camargo Konai, 20 anos, têm algo em comum: ambos foram vítimas de picada de escorpião, em Vitória da Conquista. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, nos três primeiros meses de 2019, foram registrados 108 acidentes na cidade causados por animais peçonhentos, como escorpiões, cobras e aranhas. O número corresponde a quase o dobro dos casos identificados no mesmo período do ano passado, que foram 55. Apesar de ausência de dados específicos sobre o tipo de animal que provoca mais incidência, segundo Maria José Viana, farmacêutica do Hospital Geral há sete anos, o serviço público de saúde da cidade tem recebido mais casos de picada de escorpião, um aracnídeo com hábitos noturnos que tem se adaptado cada vez mais ao ambiente urbano.

Leonardo levou uma picada de escorpião na casa da avó, no bairro Alto Maron. O acidente aconteceu enquanto ele se preparava para ir ao trabalho. “Vesti minha calça, mas só senti que alguma coisa estava errada quando entrei no carro. Senti algo se contorcendo na minha perna, e logo depois senti como se uma faca estivesse entrando. Na hora fiquei batendo a perna até ele sair por baixo”, disse. Leonardo procurou atendimento no Hospital de Base de Vitória da Conquista, onde foi medicado para o alívio da dor. Depois do acidente, foram encontrados mais de 30 escorpiões na casa da avó de Leonardo. A situação só melhorou quando o local foi dedetizado e o antigo forro de madeira substituído.

Já Victor foi picado na perna, o aracnídeo estava dentro de uma mochila, em sua casa, no loteamento Bem-Querer. Ele se dirigiu à UPA (Unidade de Pronto Atendimento), onde recebeu atendimento médico. “Eu tomei soro na veia e tomei dipirona para a dor. Não estava sentindo a perna, ela estava muito inchada e vermelha, estava queimando demais. Fiquei em estado de observação umas seis horas e tomei três injeções, que foram aplicadas no local da picada”, contou. A dose de veneno injetada no corpo de Victor foi alta, mas ele estava em boas condições de saúde, e por isso, não precisou do soro antiescorpiônico.

O veneno dessa espécie é perigoso, mas não é mortal para a maior parte das pessoas. Um indivíduo saudável, pesando acima de 50 kg, sofre um desconforto, mas não chega a um desdobramento mais grave. No entanto, crianças e idosos são mais vulneráveis. Os sintomas causados pelo veneno do escorpião são ânsia de vômito, taquicardia e febre. A dor é intensa na região da picada, e dificilmente o animal passa despercebido, por ser maior e mais identificável do que uma aranha, por exemplo.

Tratamento

O soro antiescorpiônico tem a função de inibir a concentração mínima mortal do veneno, e a sua aplicação varia entre três a seis ampolas, a depender da gravidade do caso. Em Conquista, o Hospital Geral é o único que oferece o soro contra as picadas de escorpião. Ele atende as demandas do município e também de cidades vizinhas. A unidade de saúde recebe pacientes de outros hospitais como Samur, São Vicente e Esaú Matos ou fichas de notificação para solicitação do soro.

A farmacêutica do Hospital Geral explicou que o soro pode causar complicações, como alergias, já que é um composto químico com proteína de alto peso molecular. Cada pessoa pode ter uma reação diferente, por isso, antes da injeção no organismo, é feita uma proteção contra alergia, normalmente por meio de corticoide. Após a aplicação, o seu efeito é imediato. “Desde quando estou aqui no Hospital de Base, teve um único período, bem curto, que faltou o soro antiescorpiônico. Hoje, nós temos quantidade suficiente para atender 12 pessoas em casos graves.”. Porém, antes mesmo de chegar ao hospital e identificar se doses do soro antiescorpiônico serão necessárias, Maria José ressaltou que é importante lavar o local da picada com água e sabão neutro como medida de primeiros socorros.

O tratamento em casos de picadas de escorpião também varia de acordo a idade do paciente. Adultos saudáveis e com peso normal nem sempre precisam passar pela soroterapia, podem ser tratados apenas com anestésico local para o alívio da dor. Já crianças e idosos, exigem mais cuidados. “Crianças abaixo de sete anos e idosos acima de setenta, mesmo que não tenham nenhum sintoma, devem ser tratados como acidente moderado. Eles terão que fazer a infusão de três ampolas de soro. Mesmo após o soro, é aconselhável que a criança permaneça em observação por um período de 12 a 24 horas”, explicou a farmacêutica, Maria José. Ela enfatiza que a atenção com as crianças deve ser ainda maior, já que elas, muitas vezes, não sabem explicar a dor, o que dificulta identificar o que aconteceu. “Já recebemos um paciente que foi picado no berço. O atendimento demorou porque a mãe não sabia o motivo que a criança chorava e ela acabou indo a óbito”, contou.

O Hospital Geral de Vitória da Conquista não possui plantões de pediatria e, por isso, não consegue atender emergências envolvendo crianças. “Como a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) é aqui do lado, atualmente, as crianças são atendidas lá e adultos aqui, mas o correto é que tivesse o soro em outros locais, porque muitas mães ainda vão para o Esaú Matos. Precisamos nos apressar em disponibilizar o soro em outros hospitais”, disse Maria José.

Proliferação

Raquel Pérez Maluf, professora do curso de Biologia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), explicou que escorpião-amarelo (Tityus serrulatus) é o responsável pelos casos no município de “escorpionismo”, o acidente por picada de escorpião. As temperaturas elevadas do verão e os períodos úmidos favorecem a reprodução dessa espécie. Outro fator que acelera o processo de proliferação é que os escorpiões se reproduzem por partenogênese, o que significa que a fêmea não precisa do macho para a reprodução.

Para a bióloga, o aumento do número de escorpiões e, consequentemente, dos acidentes, se deve ao crescimento urbano desordenado e ao desmatamento de áreas verdes. “A ocupação urbana vem sendo feita sem levar em consideração as consequências para os organismos que vivem ao entorno. Nós estamos observando um grande crescimento de ocupação de áreas rurais, ampliação e construção de novos loteamentos, invasão de áreas naturais desses organismos”, disse. Ela enfatizou ainda que moradores da zona rural ou de áreas mais afastadas da cidade devem ter mais cuidado com o aparecimento de escorpiões.

Marivaldo Silva Santos, 48 anos, que trabalha na Escola Municipal Eurípedes Peri Rosa, no distrito de Bate Pé, zona rural, é um desses casos. Em novembro de 2018, ele foi picado por um escorpião que estava em uma pilha de livros na biblioteca da escola. Marivaldo começou a sentir muita dor, e a diretora do colégio deu a ele um comprimido de corticoide. Por falta de transporte, teve que esperar até as 17h para voltar a Conquista. Chegando na cidade, se dirigiu até o Hospital de Base, e de lá foi encaminhado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA).

Na UPA, Marivaldo esperou até as 22h30, mas não recebeu atendimento. Por fim, foi até o Hospital São Vicente, onde foi atendido pelo plano de saúde e recebeu analgésicos e anti-inflamatórios. Lá, ele descobriu que o soro antiescorpiônico só é utilizado em casos mais graves. Depois do acidente, Marivaldo passou a prestar mais atenção nos ambientes e hábitos que podem atrair os escorpiões. “Passei a ter mais cuidado, a prestar mais atenção quando pegar em objetos guardados há muito tempo, ou que estejam em lugares úmidos e escuros”.

Lixo e entulho

O acúmulo de lixo e entulho aumenta a proliferação de baratas e, consequentemente, de escorpiões, seus predadores naturais. Raquel explicou que ações pontuais não são o suficiente para controlar o aumento do número de escorpiões. “Não é soltando galinhas nos condomínios ou nos quintais que vamos resolver o problema. Tem que resolver o problema na base, com educação, gestão e políticas públicas que ajudem a controlar essas pragas”. Ela acredita que a educação, formal ou não formal, deve ensinar as pessoas a separar o lixo, a não colocá-lo na rua fora dos dias e dos horários da coleta. Além disso, a bióloga afirmou que é preciso uma atuação mais incisiva do poder público para evitar o despejo irregular de lixo e entulhos, além da inspeção de casas e terrenos abandonados.

Além do cuidado com o lixo e com entulhos, a bióloga recomenda outras ações para prevenir acidentes: não calçar sapatos sem olhar o seu interior antes; evitar que cortinas, cobertores e travesseiros arrastem no chão; cuidado com portas que dão acesso à casa ou ao quintal, colocando panos nas frestas quando possível; e ter um cuidado redobrado com as áreas mais afastadas da região urbana.

O número de ataques de escorpiões aumentou 80% nos últimos cinco anos em todo o Brasil, com o Nordeste e o Sudeste sendo as regiões mais vulneráveis. O Ministério da Saúde (MS) já publicou um Manual de Controle de Escorpiões e um Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos. O MS também fornece orientações sobre o que fazer e o que não fazer em caso de picada de escorpião.

Foto destacada: Arquivo Avoador

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