Moradores relatam abandono da Reserva do Poço Escuro

Situada entre os bairros Petrópolis, Guarani e Cruzeiro, a área de preservação ambiental abriga a nascente do Rio Verruga. "O Poder Público não está tomando as providências para preservar e proteger", diz ambientalista. 31 de julho de 2024 Por Karina Costa e Afonso Ribas / Conquista Repórter

“O pulmão de Vitória da Conquista está doente há muito tempo”, desabafa Valdemir Gonzaga, de 74 anos. Morador do bairro Cruzeiro por mais de seis décadas, ele se recorda do tempo em que a Reserva Florestal do Poço Escuro era um espaço verde e vibrante, bastante conhecido pela população por abrigar a nascente do Rio Verruga. “Era uma água limpinha, cristalina. A gente conseguia ver os peixinhos. Mas há anos está em decadência nas mãos do Poder Público. Dá uma tristeza ver essa situação”, lamenta.

Há cerca de 40 anos, Valdemir e sua esposa pegavam água no Poço Escuro para beber dentro de casa. Isso era seguro antes da contaminação do Verruga, que no ano de 2011 foi considerado um dos mais poluídos do Brasil, de acordo com estudo da Fundação SOS Mata Atlântica. Para Gonzaga, que atuou como presidente da associação de moradores do bairro onde vive, é urgente que a gestão municipal cuide do que ele chama de “pulmão” da cidade. “Eu tenho vergonha dessa destruição”, afirma.

Quem também conhece de perto o que um dia foi o Poço Escuro é o ambientalista Wesley Chaves de Brito, de 35 anos. Ele cresceu no Guarani, um dos bairros atravessados pela reserva. “Essa área com cerca de 17 hectares, que integra o Parque Municipal da Serra do Periperi, corre o risco de ser extinta porque o Poder Público não está tomando as devidas providências para preservar e proteger”, explica.

A mata do Poço Escuro tem ligação direta com a história de Conquista. Por abrigar a nascente do Rio Verruga, o local foi por muito tempo a principal fonte de abastecimento de recursos hídricos para a população. Wesley se lembra dos dias em que sua avó usava essa água para lavar roupas. “Para mim, existe um vínculo afetivo. É toda uma história que vive aqui”, ressalta o técnico na área ambiental.

Wesley Brito em uma das áreas deterioradas do Poço Escuro, no dia 12 de julho de 2024. Foto: Karina Costa.

Impactos ambientais

A história guardada em cada árvore e fruto da Reserva Florestal do Poço Escuro corre o risco de desaparecer. Segundo estudo de 2016 feito pelo pesquisador Gabriel Souto Pinheiro para o Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), ao final do século XX, o crescimento urbano passou a provocar impactos crescentes na área de preservação.

A pesquisa aponta que, apesar do local ser considerado uma Unidade de Conversação por Leis Federal e Municipal, a real situação da reserva é precária. Em 2024, o cenário não é diferente. De acordo com o ambientalista Wesley Brito, o assoreamento do Rio Verruga é um dos problemas causados pela ação humana, principalmente em razão do descarte irregular de resíduos.

O assoreamento é o acúmulo de terra e outros detritos no fundo de um rio, algo que acontece, geralmente, quando não há mais vegetação nas margens. Esse fenômeno pode causar diversos danos ambientais e sociais, a exemplo de enchentes em períodos de chuvas intensas, e a perda da profundidade do rio, o que afeta também a vegetação subaquática, os peixes e outros animais.

Cutias, micos, pássaros, macaco-prego-do-peito-amarelo, saruê e cobras são alguns dos bichos que buscam abrigo na Reserva do Poço Escuro, composta por mata atlântica e mata de cipó. Mas com a ausência de ações de preservação e manutenção do local, essas espécies também correm perigo. “Esse é o pulmão verde de Vitória da Conquista e ele precisa ser protegido. Não podemos fechar os olhos para isso. O meio ambiente é nosso patrimônio”, destaca Wesley Brito.

Um patrimônio abandonado

A Reserva do Poço Escuro é um patrimônio natural esquecido pelo Poder Público. É assim que pensa Valdemir Gonzaga. “Os anos vão passando, muda de prefeito e nem na época da política, eles fazem alguma coisa”, afirma o morador. Não somente a falta de ações de preservação da fauna e da flora geram a indignação da comunidade, mas também a precariedade da infraestrutura do espaço.

As três trilhas que existem no local estão obstruídas por galhos e toras de árvores. As visitas guiadas que eram feitas por estudantes e turistas quase não acontecem mais. O ambiente costuma estar sempre deserto. E as poucas pessoas que caminham por lá são aquelas que utilizam a escadaria situada dentro da reserva para transitar entre os bairros Petrópolis e Guarani. Bancos quebrados e guaritas fechadas formam o cenário.

O minador, onde está reservada parte da água do Rio Verruga, está de pé, mas falta pouco para desabar. Existem pessoas que ainda recorrem a essa nascente para obter o recurso hídrico, mas ao passar pelos degraus quebrados que levam até a fonte, correm o risco de se machucar seriamente. O estado precário da estrutura é consequência do assoreamento do rio e da falta de manutenção da reserva.

A ausência de iluminação adequada e de vigilância no local também são fatores que afastam a população. Mas para Wesley Brito, a raiz do problema é a falta de um olhar sensível do Poder Público para esse patrimônio histórico. “Precisamos de um diálogo entre preservação, educação, turismo, lazer e economia. Não é só fazer uma placa”, enfatiza o ambientalista.

Morador da localidade coletando água armazenada no minador, no dia 12 de julho de 2024. Foto: Afonso Ribas.

Parque do Rio Verruga

Foi com uma placa que a Prefeitura anunciou, em meados de 2018, obras que seriam realizadas em áreas que perpassam o Rio Verruga por meio de um financiamento junto à Caixa Econômica (FINISA I). A estrutura metálica, instalada na região do bairro Guarani, informava a construção da Catedral das Flores, do Orquidário, a Urbanização do Parque da Cidade e o fechamento da Praça da Juventude. O valor pervisto ultrapassava a casa dos R$2 milhões.

Projetados pelo escritório do arquiteto Jaime Lerner, o Orquidário e a Catedral das Flores foram inaugurados pela gestão Sheila Lemos (UB) nos anos de 2023 e 2024, respectivamente. Ambas as estruturas estão situadas nas proximidades da Rua Marcelino Rosa, no bairro Recreio, numa localidade onde estão condomínios fechados de alta custo, como o Caminho do Parque.

Placa que anuncia obras com recurso do FINISA I, instalada nos arredores da Praça da Juventude, no bairro Guarani. Foto: Weider Saraiva (fevereiro de 2024).

As duas obras recém-inauguradas fazem parte do projeto do Parque Ambiental do Rio Verruga, criado por meio do Decreto Nº 18.720/2018, publicado durante o governo do ex-prefeito Herzem Gusmão. Posteriormente, o espaço ganhou o nome de Parque Natural Municipal do Rio Verruga, após legislação sancionada por Sheila Lemos em 2024, que alterou a delimitação da área de preservação.

Segundo o PL apresentado pela atual prefeita, a mudança foi necessária porque o Decreto de 2018 “acabou, erroneamente, considerando área particular como área pública” no processo de demarcação dos limites do parque. Mas para algumas pessoas, como o ambientalista Wesley Brito, é preciso questionar porque estruturas como o Orquidário e a Catedral das Flores receberam atenção do governo municipal, enquanto a Reserva do Poço Escuro segue abandonada e sem a devida revitalização.

De acordo com o técnico ambiental, em 2018, o então prefeito Herzem Gusmão prometeu que o projeto incluiria o Poço Escuro, onde está a nascente do rio. Em novembro daquele ano, o ex-gestor fez uma visita técnica ao local. O registro está em matéria publicada no site da Prefeitura, no dia 13 de novembro de 2018.

O texto informa que a Reserva do Poço Escuro, “um dos cartões postais de Vitória da Conquista, integra o Projeto do Parque Ambiental da Cidade”. Cerca de seis anos depois, entretanto, nada disso se concretizou em melhorias efetivas para o espaço. “O Parque do Rio Verruga só existiu no papel. O que fizeram foi um projeto para valorizar a área nobre de Vitória da Conquista”, denuncia Wesley.

Outro lado

Conquista Repórter solicitou posicionamento da Prefeitura, através de e-mail. Em nota oficial, a Secretaria de Comunicação informou que a manutenção da Reserva Florestal do Poço Escuro é feita pelo governo, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), “que mantém uma equipe fixa para a limpeza diária da área”. O órgão disse ainda que são realizados mutirões periódicos.

Segundo a nota, as últimas ações de melhorias no local foram feitas no ano de 2023, “a exemplo da revitalização da escadaria e de algumas pontes existentes no interior da mata, além do plantio de espécies nativas e frutíferas na área”. A gestão afirmou também que realiza um trabalho contínuo de educação ambiental e proíbe obras e depósitos de lixo na localidade.

Em relação ao PL apresentado pela prefeita Sheila Lemos, que alterou a delimitação da área do Parque do Rio Verruga, a gestão afirma que “embora a nascente do rio seja no Poço Escuro, esse espaço está dentro dos limites do Parque da Serra do Periperi e não do Parque Natural Municipal do Rio Verruga”.

Confira aqui a nota na íntegra.

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