Os garotos de programa no mercado do sexo
Profissionais e clientes relatam como vivenciam o “submundo” da prostituição masculina em Vitória da Conquista 7 de agosto de 2018 Jhou Cardoso, Manuela ScipioniA prostituição é habitualmente exercida por mulheres, mas elas não estão sozinhas no mercado do sexo. Há homens também. Mas eles não são facilmente identificados. A discrição faz parte do negócio. Na cidade de Vitória da Conquista, em geral, os prostitutos são jovens que vendem o corpo por dinheiro, enquanto os clientes buscam desde diversão até a fuga de uma vida solitária. E nesse comércio, amor é um luxo raro.
Com um físico atlético, todo trabalhado na academia e pinta de modelo, Africano Sarado, nome social de profissão, tem 26 anos, 1,93 cm de altura e 86 kg. Ele garante que “sabe fazer sexo bem feito”. Há seis anos no ramo, o garoto de programa conta que juntou o útil ao agradável. “Vou fazer sexo, que é que uma coisa gostosa, e ainda vou ganhar por isso? Maravilha!”.
Em um mês produtivo, Africano chega a faturar cerca de quatro mil reais, cobrando 300 reais por hora a cada cliente. Com essa renda, paga as suas despesas pessoais e familiares. Como durante o dia tem outra profissão, a vida na prostituição fica para o período noturno, e ainda possui certas restrições: ele atende somente a mulheres e casais.
Seus serviços são contratados por meio de classificados em sites ou por indicação de outros clientes e incluem: cuckold, voyeurismo, exibicionismo, “namoradinho” e GangBang. “Namoradinho é quando [a cliente] me contrata para me apresentar como seu namorado ou passar uma noite junto”, explica. Os outros serviços podem ser resumidos a atos nos quais homens querem ver suas esposas transando com outro homem e vice-versa, ou ainda, sexo a três.
Africano Sarado não tem um local fixo para atender seus clientes, que decidem se querem ir a um motel ou hotel. Entre um atendimento e outro, ele diz que, certa vez, se apaixonou pelo sexo que fazia com uma cliente. “Mesmo assim, eu cobrei pelo serviço”, afirma. “Prazerosa” é a palavra que utiliza para definir a profissão. “Fazer sexo é bom e ganhar dinheiro é excelente”, reforça.
Mas é a necessidade financeira que, na grande maioria das vezes, leva garotos e garotas ao mundo da prostituição. Thomas* descobriu no comércio do sexo um jeito de completar a sua renda, que andava escassa. Entrou na vida dos amores pagos a convite. No primeiro deles, sentiu medo e rejeitou. No convite seguinte, a necessidade de dinheiro para uma viagem o impeliu a aceitar. Começava aí o seu trabalho como prostituto.
Aos 20 anos, ele é também universitário, músico e apreciador de uma boa leitura. Veio de Barra do Choça, com as roupas e os sonhos na mala, para Vitória da Conquista. Aos seus olhos, sua antiga cidade ficou pequena demais para ele, que costuma divulgar seu trabalho por meio de sites, sendo muito procurado pelos clientes por ser “um rapaz carinhoso e apto a proporcionar bastante prazer”, como diz no seu anúncio.
Além desses atributos, ele afirma que ser músico é um de seus diferenciais. “A pessoa vai lá para casa, vê que tenho alguns instrumentos musicais, pede para eu tocar alguma música. Aí a gente bate um papo para ir fluindo mais as coisas”, relata.
No sigilo do seu apartamento, o garoto de programa atende a clientes que, em sua maioria, são rapazes que não assumiram a homossexualidade, homens casados e viajantes vindos de outras cidades. Por ser gay, nunca atendeu nenhuma mulher, mas atenderia, caso aparecesse alguma à sua procura. A rua, para ele, é um local perigoso. “Cafetões e cafetinas cobram pelos espaços e aqueles que não pagam, sofrem perseguições violentas”, diz.
Tendo somente as paredes como testemunhas, o rapaz conta que os fetiches surgem sem vergonha e sem pudor entre os seus clientes. Para a sociedade, muitos são heterossexuais, mas no seu apartamento, eles soltam os desejos mais repreendidos.
Nas preliminares, entre beijos e carícias, às vezes é necessária “uma pegada mais quente, para que ambos fiquem excitados”, explica. Ele nunca se apaixonou por nenhum dos seus clientes, pois sabe que “amor de gigolô” dura apenas algumas horas. Por isso, seu corpo é produto de diversão por tempo e preço determinado: entre R$ 200,00 a R$400,00 a hora. “Estabeleço o valor a partir do quanto o outro rapaz me atrai”, confidencia.
O máximo que conseguiu faturar em um mês foi R$ 900,00 reais, pois seu tempo livre é curto, se não, esse valor se multiplicaria consideravelmente. Do que recebe, ele divide entre gastos pessoais e dedica uma outra parte do dinheiro para realizar o grande sonho de fazer um intercâmbio para outro país para viver novas experiências e aprender mais sobre costumes e culturas.
Sexo e solidão
São vários motivos que levam as pessoas a procurarem um sexo casual: a busca por uma nova experiência, insatisfação com o relacionamento, curiosidade, carência e até mesmo vergonha de assumir a sexualidade. “Ás vezes, quando não acho um parceiro legal para transar, acabo procurando outro nos sites”, conta Augusto*, 28 anos, homossexual não assumido. “Depois do sexo fica um vazio, uma vontade de que a pessoa continue ali, mas o tempo acabou e ele tem que ir”.
Augusto não teve coragem de assumir a sua orientação sexual para a família, por isso, quando se sente só, busca um parceiro para se divertir por algumas horas. “O site é um cardápio, assim, busco sempre o melhor. Um corpo malhado, cara de moleque e que aparente ter uma pegada forte”, revela. Outro fator que faz com que ele busque os serviços de um garoto programa é a discrição, pois sabe que tudo que acontecer entre quatro paredes ficará entre elas. “Já cheguei a encontrar com um garoto de programa na rua e fingimos que não nos conhecíamos. Cada um seguiu para o seu lado”.
“Depois do sexo fica um vazio, uma vontade de que a pessoa continue ali, mas o tempo acabou e ela tem que ir”
Neto Ferreira, 30 anos, também busca os serviços de garotos de programas pela “facilidade” em conseguir sexo com pessoas do tipo físico de sua preferência. Ele conta que seu primeiro encontro com um prostituto foi marcado pelo bate papo UOL, mas não aconteceu. Quando foi buscar o rapaz na hora e no local marcado, ele estava com um amigo e queria sexo a três. Por ser a sua primeira vez, Neto acabou desistindo.
Segundo ele, há dois tipos de profissionais na área do sexo: aquele que é direto e estabelece logo o preço; e aquele que prefere algo mais duradouro, ou seja, clientes fixos. Esse último, para Neto, são os mais perigosos. “De certo modo, acabamos nos envolvendo sentimentalmente pela proximidade e constância. O gay que é um pouco mais carente acredita estar em uma relação sentimental, se entrega completamente e nunca tem o retorno que deseja, e isso acaba gerando muita decepção”.
Além da decepção amorosa, ele destaca que tem ainda o desfalque financeiro. “A paixão por garotos de programas torna o gay refém dos seus sentimentos e vulnerável a proporcionar/realizar os pedidos do indivíduo, que, em sua maioria, pedem presentes caros ou valores exorbitantes. O medo de perder o tal indivíduo induz o gay a ceder”.
*Nome fictício
Foto destacada: Anderson Rosa/Site Avoador.