Sem integração entre as linhas e reduzida sinalização, sistema cicloviário conquistense é um perigo aos ciclistas

As ciclovias e ciclofaixas existentes são inseguras, têm gerado acidentes e dificultam o tráfego dos usuários de bicicletas aos diferentes pontos da cidade  12 de outubro de 2021 Ariane Longa e Renata Batista

A bicicleta tem se tornado cada vez mais um meio de transporte urbano nas cidades. Em Vitória da Conquista, essa é a realidade de milhares de trabalhadores que utilizam o veículo de duas rodas para se locomover na cidade e economizar com transporte. Ao todo, o município conta com 27 km de ciclovias, poucas ciclofaixas e 11 km que ainda estão em construção. Só que os pontos cicloviários espalhados pela cidade, em muitos locais, não são integrados e devidamente sinalizados, o que gera insegurança, acidentes e dificuldade de trafegar aos ciclistas. 

De acordo com a Secretaria de Mobilidade Urbana,  que disponibilizou os dados do Serviço de Atendimento Móvel Urbano (Samu), até agosto de 2021, 174 acidentes foram registrados de vítimas com escoriações, os casos de mortes de ciclistas não foram incluídos nessa contagem. Em 2017, o número foi de 227, já no ano seguinte,  aconteceram 207 acidentes, e em 2019 e 2020 foram, respectivamente, 330 e 308 casos de vítimas que se envolveram em incidentes nas ciclovias da cidade. 

“Faço uso das vias compartilhadas com os carros, motos ou acostamentos. A atenção é redobrada”, comenta o operador de loja, Robertino dos Santos, que utiliza a bicicleta como meio de transporte para ir trabalhar.  Seu percurso diário é de 5 km entre ida e volta. Ele sai do bairro Morada Real, passa pela Avenida Central, depois acessa o Anel Rodoviário, mas nesse percurso não há ciclovias. 

Acompanhe o percurso de Robertino até o trabalho:

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O trajeto que mescla trechos de ruas e avenidas com as ciclovias é a maneira encontrada por muitos trabalhadores para tornar a rota do sistema cicloviário viável.  Como não há integração entre as linhas, o tempo de chegada em determinados pontos pode ser bem mais longo ao se utilizar somente as linhas para bicicletas.  “Eu poderia mudar a minha rota e ter ciclovia em quase metade do caminho, mas isso quase dobraria o meu percurso”, explica o operador de tráfego, Bruno Oliveira, que gasta cerca de 15 a 25 minutos para chegar ao local de trabalho. 

Bruno sai do bairro Boa Vista, passa pela Avenida Jardim Guanabara, atravessa a Luiz Eduardo Magalhães, único trecho que pega ciclovia, e, depois, segue pelo Caminho do Parque e pela Avenida Guilhermino Novais até a Otávio Santos. Bruno relembra que, nesse percurso até o trabalho, já passou por momentos tensos e que já se envolveu em acidente. “Quase fui parar na caçamba de uma picape uma vez.  O motorista avançou o sinal vermelho e desistiu em cima da faixa de pedestres, eu vinha atrás rápido e bati na traseira dele”, disse.

Embora seja inseguro andar de bicicletas pela cidade sem uma ciclovia integrada e sinalizada, sendo obrigados a utilizar ruas e avenidas, para muitos trabalhadores usar o transporte de duas rodas significa economizar com o gasto da gasolina, no caso de carro ou moto, e não perder tempo com a espera do transporte coletivo, que atrasa com frequência, quando há linha até o lugar do trabalho. “Os horários dos ônibus por aqui não são viáveis para mim. Se não me engano, passa um via Centro a cada meia hora e o mesmo pode levar até 40 min para chegar lá. Isso sem falar no preço”, desabafou o operador de tráfego.  

Em relação ao tratamento de motoristas de carros e motos aos ciclistas, o Código de Trânsito Brasileiro, no Artigo 29º,  estabelece que os veículos maiores são responsáveis pela segurança dos menores, e os motorizados pelos não motorizados e que todos são responsáveis pelos pedestres. Esse desrespeito dos motoristas às regras do trânsito é mais uma insegurança para os trabalhadores que precisam utilizar as bicicletas. “Teve algumas vezes em que tive que subir na calçada porque um motorista me fechou”, relembra Bruno.

Já na zona rural, faltam investimentos para que os trabalhadores tenham mais segurança ao trafegar com suas bicicletas. Mesmo assim, muitos utilizam o veículo de duas rodas. O vigilante Valdemilton Prado é um deles.  Com a bicicleta, ele sai de seu povoado São Sebastião até o trabalho na chácara Guanabara onde enfrenta 2 km de estrada de chão cascalho. “Tem buraco e tenho que desviar de algumas areias, aí procuro uns lugares melhorzinhos para passar, e vamos seguindo até chegar no trabalho”, conta.  

Política de Mobilidade Urbana 

No Brasil,  desde 2012, existe a Política Nacional de Mobilidade Urbana, que é Lei, e determina os objetivos e diretrizes para o desenvolvimento urbano da infraestrutura necessária ao deslocamento de meios não motorizados, bicicletas, e coletivos de transporte no território de um município, como os ônibus.

A medida estabelece que ciclovias e ciclofaixas são destinadas exclusivamente para a circulação de pessoas que utilizam bicicletas, ou seja, um meio não motorizado. Também faz uma diferenciação entre as duas. A ciclovia tem uma separação física entre os automóveis e os ciclistas e pode ser unidirecional (um só sentido) ou bidirecional (dois sentidos), sendo indicada para avenidas e vias expressas. Já a ciclofaixa, é definida apenas por faixas e/ou sinalizações, normalmente são construídas em vias de velocidade mais baixa. 

A Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana também estabelece que exista uma  planejamento nos municípios para a circulação de todos os veículos, e não somente para automóveis motorizados. Essa etapa é concretizada por meio da implementação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano nas cidades. Em Conquista, ainda não há um PDDU que contemple um sistema cicloviário. Atualmente, esse plano está em fase de finalização pela administração municipal e será apresentado à Câmara de Vereadores, que deve abrir à discussão com a população. Os artigos III, IX e XIII mencionam a integração das ciclovias, mas não tratam das ciclofaixas. O texto destinado à discussão não traz detalhamento. O desafio vai ser incluir o usuário da bicicleta como parte do trânsito da cidade, não somente como alguém que utiliza esse meio para o lazer.

O PDDU deve ser atualizado a cada 10 anos, mas Conquista está há 15 anos sem atualização, o último foi desenvolvido em 2006. Ele é fundamental para garantir um crescimento estruturado dos municípios, traz diretrizes e normas para uma maior organização da cidade e pode trazer a organização de ciclovias e ciclofaixas que beneficiam a toda população. “Acredito que o gestor público deveria estar mais atento a essas questões de suma importância ao cidadão conquistense e ao trabalhador que usa sua bicicleta como meio de transporte efetivo ou alternativo”, defende Robertino, que usa o seu veículos de duas rodas para trabalhar e precisa de segurança no percurso.

Em Conquista, até o momento, o espaço destinado às ciclovias não foi planejado para atender a maioria dos usuários de bicicletas que são trabalhadores e moram em locais distantes do Centro, mas para aqueles que usam as vias para o lazer, como aquelas construídas na Olívia Flores, do bairro Candeias.. “As ciclovias não parecem ter sido projetadas para trabalhadores, mas, exclusivamente, para o lazer e esportes. Fica claro quando você percebe que as áreas nobres da cidade possuem uma malha de mobilidade urbana maior e melhor estruturada”, lamenta Robertino.

 Expansão das ciclovias 

Em Conquista, as ciclovias chegaram após a municipalização do trânsito em 2003, com a conclusão da obra na Avenida Juracy Magalhães. Os 27 km já existentes englobam as seguintes as avenidas Juracy Magalhães, Brumado, Paraná, Genésio Porto, Gilenilda Alves, Luiz Eduardo Magalhães, Lagoa das Bateias, e as ruas Olívia Flores; Sinfredo José Pedral Sampaio (10 de novembro), Valdemar Sá Porto, 13 de Maio, Rua dos Campinhos, José Pequeno, Santiago. Na atual administração da Prefeitura está em andamento a construção de mais 11 km de ciclovias.

De acordo com a secretária de Mobilidade Urbana de Vitória da Conquista, Tônia Rocha, como parte dos novos projetos da administração municipal, está em construção, entre as Avenidas. José Pedral e Juracy Magalhães, um novo trecho de ciclovias que irá passar pelo bairro Morada dos Pássaros e Comveima, com um percurso de 11km. A   revitalização das ciclovias e ciclofaixas está prevista para começar em outubro.

Sobre a falta de integração do sistema cicloviário, Tônia disse que existem projetos para a expansão e integração das vias a partir de 2022. “O plano de expandir tem sim, porque na cidade a bicicleta é muito utilizada, tanto para esporte como para trabalho, mas não tem um projeto para este ano ainda.” 

Quanto à conscientização de motoristas e ciclistas sobre a segurança no trânsito, a Secretaria de Mobilidade juntamente com a Gerência de Educação de Trânsito,  tem organizado palestras, ações explicativas e práticas para demonstrar os perigos ao trafegar no perímetro urbano. As fiscalizações das ciclovias e ciclofaixas têm sido realizadas por agentes ciclistas do Simtrans. Segundo a secretária, essas medidas foram tomadas “para prevenir essa questão de veículo avançando nas ciclovias e ciclofaixas e dar uma proteção maior ao ciclista. Os agentes também orientam os pedestres que utilizam a ciclovia para caminhar”.

 

Foto de capa: Lucas Nascimento

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