Suicídio: o lado visível da dor
30 de maio de 2017 Crislei Bitencourt“Ela sempre dizia ‘eu te amo’, e parece que eu não retribui ou mostrei o suficiente. Isso pesa”, relembra Mônica*, 16 anos, “Ela dizia que me amava todos os dias”, conta Camila*, 16 anos. Já para Victor*, também da mesma idade: “ela transparecia felicidade”. Segundo Beatriz *, 15 anos, “isso dificultava notar, porque, quando a pessoa está triste, ela fica mais desanimada e para baixo”.
Mônica, Camila, Victor e Beatriz, têm algo em comum: eles perderam uma amiga em novembro de 2016. A garota, que também estava na adolescência, tirou a própria vida. O caso dela não é isolado ou esporádico, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio é responsável por uma morte a cada 40 segundos no mundo. Na faixa etária entre 15 e 19 anos, de adolescentes a jovens, essa é a segunda maior causa de mortes. “Ninguém é exatamente feliz, não na adolescência, porque é uma fase complicada e é difícil achar uma pessoa satisfeita nessa época”, desabafa Camila.
As mudanças e conflitos que marcam essa fase da vida, unidas a pouca experiência do indivíduo podem levar a atos extremos. A psicóloga Gracianny Bittencourt afirma que nem sempre o adolescente consegue lidar bem com as dificuldades desse período. “O fato está relacionado com exigências inerentes a esta etapa do desenvolvimento. Nem sempre o jovem possui repertório suficiente para lidar de forma positiva com essas situações. Além disso, conflitos familiares, abuso de álcool e outras drogas e bullying são fatores, quase sempre, presente entre as vítimas”, explica a profissional.
Apesar de nem sempre estar ligado a algum transtorno, a maior incidência de casos está registrada entre pessoas com algum problema psíquico. “O suicídio é multideterminado, mas acontece mais entre pessoas que sofrem de depressão ou de algum tipo de transtorno mental, como transtorno bipolar ou pós-traumático”, afirma Bittencourt.
Sinais
A garota que cometeu suicídio costumava fazer publicações nas redes sociais insinuando que algo não ia bem e chegou a postar um desenho sobre suicídio, mas por se tratar de um hábito do círculo de amigos, ninguém deu importância ao que era publicado. “Como o nosso público de seguidores e pessoas que a gente seguia, e ainda segue, tem a mesma faixa etária, era muito comum ver essas frases pessimistas no Twitter, como: ‘queria estar morta’, então algo que poderia ser um aviso passou despercebido”, relata Beatriz.
Para a psicóloga, usar frases como “queria dormir e não acordar mais” ou “tudo estaria melhor se eu não estivesse aqui”, além de despedidas e falta de apego são sinais que merecem mais atenção, podem ser indícios de pensamentos suicidas. E é por causa desses sinais e por, geralmente, estarem associados à patologias tratáveis, que a OMS estima que 90% dos casos de suicídio poderiam ser evitados.
Com o objetivo de auxiliar profissionais da área a identificar sinais que indicam idéias suicidas, o Conselho Federal de Medicina – CFM e Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP elaboraram uma cartilha de prevenção ao suicídio, com o título “Suicídio: informando para prevenir”. A cartilha apresenta orientações sobre como abordar o paciente, além de explicar como as doenças mentais e fatores psicossociais podem estar relacionados ao suicídio.
Como ajudar
Acompanhar as atividades dos filhos na internet é uma forma de identificar sinais de depressão e tendências suicidas. A psicóloga afirma que falar sobre o assunto aumenta as buscas por ajuda. “O tabu a respeito do assunto não ajuda as pessoas que estão em sofrimento. Mas falar sobre o assunto promove debates e reflexões e, possivelmente, estimula as pessoas a procurarem ajuda. É importante também que haja ampla divulgação sobre locais para procurar auxílio nesses casos.”
No Brasil, existe o Centro de Valorização da Vida(CVV), uma instituição mantida por voluntários que dá suporte emocional e atua na prevenção do suicídio. O atendimento é prestado 24h por dia todos os dias, pode ser feito por telefone (141), e-mail, chat ou Skype, além de ser gratuito e sigiloso.
O Facebook lançou em junho de 2016, em parceria com o CVV, uma ferramenta que permite aos usuários intervir ao identificar publicações que sinalizam tendências suicidas. Ao notar algo alarmante nas publicações de amigos, o usuário pode denunciar a publicação e selecionar a opção relacionada ao suicídio como resposta a questão “o que há de errado”. Quem fez a publicação receberá uma mensagem da rede social sugerindo que ele converse com um amigo ou com um agente do CVV, além de sugestões de como lidar com a situação. O Facebook não identifica quem fez a denúncia.
Em Conquista, existe um grupo de estudos e intervenções para adolescentes em sofrimento, inclusive com pensamentos e atos suicidas. Mais informações sobre datas e locais de reunião desse grupo podem ser obtidas no Colegiado de Psicologia da Uesb ou pelo telefone 77- 3424-8784. Ambas as iniciativas têm a finalidade de dar voz a quem precisa ser ouvido.
*Os adolescentes entrevistados receberam nomes fictícios para proteger suas identidades.
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